30 de Maio de 2019

Rubrica mensal na revista Executive Digest – O cientista do cérebro

É um dos investigadores na linha da frente das doenças neurodegenerativas: Parkinson e Alzheimer, mas apresenta-se como um bioquímico do Porto, que se especializou em neurociências. Entrevista de Tiago Fleming Outeiro à Executive Digest.

Tiago Fleming Outeiro licenciou-se em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e foi estudante de Erasmus na Universidade de Leeds, no Reino Unido. Desenvolveu a sua tese de doutoramento no Whitehead Institute dor Biomedical Research, MIT, nos EUA, onde criou o primeiro modelo em levedura para doença de Parkinson. De seguida trabalhou como investigador e consultor na empresa de biotecnologia que ajudou a criar, a FoldRx Pharmaceuticals, também nos EUA. Seguidamente realisou o seu pós-doutoramento no Departamento de Neurologia do Hospital Geral de Massachussets, Harvard Medical School, onde se focou no estudo de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.

Foi presidente da Portuguese American Post Graduate Society (PAPS) em 2005-2006, e como chairman em 2006-2007. Neste momento, é vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Doenças do Movimento. Dirigiu a Unidade de Neurociência Celular e Molecular no Instituto de Medicina Molecular (IMM). E é membro do Conselho da Diáspora Portuguesa desde 2015.

O QUE DIZ TIAGO….

No âmbito da parceria com o Conselho da Diáspora Portuguesa, a Executive Digest aproveitou para uma pequena conversa com Tiago Fleming Outeiro, um português no top mundial da investigação de doenças neurodegenerativas. Saiba, então, o que diz Tiago:

A ciência é uma actividade global, vivendo do intercâmbio de conhecimento. Vê Portugal como um País atractivo para investigadores e cientistas? 

Sem dúvida que sim! Portugal investiu muito na formação nas últimas décadas, o que ajudou a elevar o nível da ciência feita no nosso país. A ciência é feita pelos investigadores, que não podem trabalhar sozinhos, pelo que a proximidade de outros colegas investigadores é um dos factores que atrai outros investigadores. Obviamente que as infraestruturas e os equipamentos também são essenciais, pois permitem que os investigadores respondam às perguntas que pretendem estudar. Mas também a esse nível evoluímos muito, criando novos institutos de investigação, e novas formas de gestão, ao nível do que se faz noutros países, que permitem fazer com que a ciência funcione. Por tudo isto, vejo Portugal como um país atractivo. E a prova disso é que temos tido a capacidade de atrair investigadores de renome internacional para o nosso país. Se podemos fazer mais? Podemos, e devemos.

Porque decidiu sair?

Eu fiz a minha formação mais avançada no estrangeiro, e depois iniciei a minha carreira independente em Portugal. Voltei pensando que iria ficar desenvolver a minha carreira no nosso país. Mas a verdade é que nunca sabemos o futuro, e surgiu uma oportunidade única, com condições únicas, e que constituiu um desafio que achei que devia aproveitar. Tive oportunidade de me tornar Professor Catedrático muito cedo, e ter acesso a condições muito boas para desenvolver o trabalho que pretendo. Tive oportunidade de ter acesso a uma estabilidade que não temos ainda em Portugal, pois não temos acesso a posições nas Universidades que nos possam dar a estabilidade que é necessária na ciência. Vivi algo como vivem os jogadores de futebol do FC Porto, Benfica, ou Sporting. Já jogam em equipas muito boas, mas se surge uma oportunidade para irem para o Real Madrid, Juventus, Ou Manchester United, não dizem que não. E por isso resolvi aceitar o desafio e voltar a sair. Mas tenho mantido uma ligação com Portugal, onde continuo a desenvolver actividade científica, o que é muito importante para mim, pois gosto muito do nosso país. E tenho tentado sempre promover a imagem de Portugal no estrangeiro, o que penso que é também uma forma de ajudar o país.

É investigador de doenças neurodegenerativas: Alzheimer e Parkinson. O que quer descobrir? Ou o que está prestes a descobrir?

Estas doenças são terríveis, pois são altamente debilitantes, longas, e progressivas, e afectam muitos milhões de pessoas em todo o mundo. Com o envelhecimento da população humana, estão a tornar-se um flagelo mundial, com custos socio-económicos tremendos. Infelizmente, não temos nada para oferecer às pessoas que seja capaz de travar a progressão destas doenças. Conseguimos, em alguns casos, tratar alguns dos sintomas, mas a doença continua a avançar sempre. E conhecemos muito pouco sobre aquilo que está na origem destas doenças, a um nível mais fundamental. É nisto que eu trabalho já há 20 anos. Quero perceber o que acontece nas células do nosso cérebro que faz com que deixem de funcionar e morram, alterando o funcionamento do cérebro.

Não consigo precisar o que estamos prestes a descobrir. Se o conseguisse fazer, não seria ciência. O que consigo dizer é que estamos a avançar no conhecimento, através do trabalho de muitos investigadores em todo o mundo, e que os pequenos passos que estamos a dar são importante para as descobertas que vamos fazendo todos os dias nesta área.

Pode haver esperança na descoberta de fórmulas terapêuticas?

Deve haver essa esperança! Temos avançado muito no conhecimento, e temos hoje tecnologia mais poderosa para responder às pergunta que ainda temos. Não quer dizer que sejamos capazes de por “prazos” para quando podemos vir a ter novas terapias, mas sabemos que através do trabalho que os investigadores fundamentais e clínicos têm feito, estamos a avançar na direcção certa. Por isso pode e deve haver essa esperança! Vamos chegar lá!

Disse que o cérebro é uma máquina fantástica que pesa 1,4 kg com aproximadamente 100 mil milhões de neurónios. Quais têm sido as suas descobertas mais valiosas?

De facto, o cérebro é essa máquina fantástica que nos permite comunicar, ver, sentir, cheirar, amar, sentir dor, sentir prazer… As nossas descobertas têm-se focado num aspecto particular que sabemos estar associado com estas doenças neurodegenerativas – o facto de que, nos cérebros dos doentes, se formam e acumulam aglomerados de proteínas que alteram o funcionamento normal dos neurónios no cérebro, e que levam à sua morte. Temos percebido como é que as células lidam com a acumulação destes aglomerados proteicos, que são como lixo que se acumula à medida que as células vão envelhecendo. Temos descoberto como ajudar as células a lidar com, e a limpar esse lixo… e temos descoberto, como o cérebro responde à presença desse lixo. Tratam-se de passos pequeninos mas que, no seu todo, são muito importantes para os avanços de que necessitamos para podermos descobrir novas estratégias terapêuticas.

E no futuro, que áreas tenciona investigar?

Tenciono continuar a estudar o funcionamento do cérebro, pois temos ainda muitas questões por resolver. Sermos capazes de tratar estas doenças é um objectivo de longo prazo. No entanto, no limite, admitindo que possamos ser capazes de as tratar, continuaremos a ter de desvendar muitos dos mistérios por detrás do funcionamento da máquina fantástica que é o cérebro. Como se formam as emoções? Como se forma a consciência? Como se forma a linguagem? Como se desenvolvem no cérebro a criatividade, o pensamento abstracto, a arte, a música? Estou convencido de que não faltarão áreas interessantes e importantes para investigar enquanto for vivo e capaz de trabalhar.

Qual é o seu papel enquanto Conselheiro da Diáspora Portuguesa no Mundo?

Considero que o meu papel enquanto conselheiro é o de por um lado, representar Portugal no mundo, através do meu trabalho. Por exemplo, continuando apenas no futebol, o Cristiano Ronaldo joga em Itália. O José Mourinho tem treinado mais em Inglaterra. O Vítor Pereira treina na China. O Henrique Calisto, meu conterrâneo, treinou no Vietnam. Todos são conhecidos por serem Portugueses com sucesso nos lugares por onde têm passado. Isso, para mim, é representar Portugal no mundo. Ser conselheiro da Diáspora significa fazer esse papel, de representar Portugal, mas também o de ser capaz de trazer o que aprendemos no estrangeiro para ajudar ao crescimento e desenvolvimento de Portugal.

Um exemplo do meu papel enquanto conselheiro é, por exemplo, o de tentar trazer para Portugal eventos que nos permitam projectar a imagem da ciência e dos cientistas Portugueses para o Mundo. Recentemente, consegui trazer para Portugal o maior congresso científico nas doenças de Alzheimer e de Parkinson. Aconteceu no final de Março deste ano, em Lisboa. Talvez não tenha sido muito falado, pois em Portugal o futebol acaba por ser mais importante do que a ciência, mas foi um evento muito importante, e que deixou os participantes muito impressionados com o nosso país. Fica a nota, para que se pense sobre isto, porque ser Conselheiro da Diáspora depende também de se criarem condições para que Portugal possa estar preparado para acolher iniciativas de calibre internacional, e que vão para além do Web Summit ou do futebol.

Por Executive Digest, Maio de 2019

Esta entrevista foi realizada no âmbito de uma parceria com a Executive Digest.