4 de Julho de 2019

“Em África, o céu é o limite” das oportunidades

O Presidente da Direcção do Conselho da Diáspora Portuguesa afirma que o EurAfrican Forum tem como objectivo fazer de Portugal uma plataforma privilegiada para as relações entre Europa e África.

O Conselho da Diáspora Portuguesa promove hoje e amanhã, em Cascais, a segunda edição do EurAfrican Forum. Sob o tema “Parceria de iguais: partilhando valores, partilhando prosperidade”, a ambição é fazer de Portugal uma plataforma privilegiada para as relações entre Europa e África. O empresário Filipe de Botton, presidente da direcção deste conselho, vai avisando, no entanto, que a estratégia é de muito longo prazo.

Porque escolheram África como o continente privilegiado para estes fóruns de alto nível?
Há cerca de dois anos percebemos que já tínhamos capacidade para passar da afirmação da diáspora para a internacionalização do conselho, de forma a fazermos a projecção da imagem de Portugal no mundo. Pensámos então: porque não fazer de Portugal um palco para tudo o que seja a interacção da Europa com África? Portugal é visto de forma positiva em África, as pessoas gostam de nós, não temos aquela imagem tão agressiva ou autoritária que outros países tiveram em África durante a colonização. Por outro lado, somos vistos na Europa como um pequeno país, pouco competitivo. Então, porque não criar aqui uma plataforma para as relações entre Europa e África? Existem outras organizações similares noutros países europeus, mas funcionam sobretudo com base em relações bilaterais. Nós queremos pensar as relações entre os dois continentes e por isso criamos este fórum que tem tido um enorme sucesso. No ano passado tivemos cerca de 300 participantes, o que já foi acima das expectativas, e este ano tivemos de fechar as inscrições quando atingimos as 700.

O tema do Fórum é “Parceria de iguais”. Acha que os portugueses e os europeus já olham para os africanos em pé de igualdade?

Esse é o tema. Em 2050, cerca de um quarto da população mundial vai estar em África. Se virmos o que está a acontecer no mundo, com as tensões entre os dois blocos liderados pelos EUA e China, para a Europa, o mercado de interacção natural é África. Da mesma forma, os africanos preferem interagir com os europeus aos chineses ou americanos.

Os chineses estão em África em força…

Os chineses têm uma estratégia de muito longo prazo, sabem onde estão as matérias-primas e por isso têm investido muito em África para preservar a longo prazo o acesso a essas matérias-primas. Têm feito o apport necessário de dinheiro. Os europeus são mais queridos dos africanos, não têm é trazido o dinheiro suficiente à mesa. Mas, no longo prazo, dinheiro não é tudo, e o conhecimento que a Europa tem na maioria dos domínios permite que venham a ser parceiros privilegiados. Esse é o tema. Os cinco painéis de debate do fórum centram-se no tema de como criar essas parcerias de igual para igual com África. Alavancar em cima das diásporas é um dos meios para o fazer. Há comunidades muito importantes de África que vivem na Europa e, portanto, acaba por ser natural entender que é preciso criar em África uma riqueza sustentável, duradoura, que permita a criação de empregos e uma gestão dos fluxos migratórios através dessa criação de riqueza.

No entanto, as grandes migrações para a Europa são feitas em condições desumanas ou à margem da lei. Isso contribui para uma percepção muito negativa desses fluxos e tem conduzido a políticas musculadas em alguns países europeus e até da União Europeia. Acha que as parcerias económicas podem ser a alavanca para a mudança dessa percepção negativa?
Sim, é sem dúvida através do investimento e da criação de riqueza que se pode fixar as pessoas e dar-lhes oportunidades para que elas possam ser educadas e aplicar as suas competências, e a prazo criar essa relação de igual para igual. Não
nos podemos esquecer é que o impacto é a muito longo prazo. Mas é arrogante, para não dizer outras palavras, criticar qualquer pessoa que viva em países onde não tem sequer um euro por dia, onde não tem o que comer, que tente vir para países onde sabe que terá outras oportunidades. Um dos temas do fórum é como passar da ideia de receptores de
doações para a igualdade de participação.

Quais os sectores económicos em que as parcerias são mais promissoras?
Se pensarmos em África hoje, há três ou quatro áreas de intervenção relativamente imediata. A começar pelas infra-estruturas, que são fundamentais para criar investimentos e abrir passagem do sector primário ao valor acrescentado a nível local. Se queremos desenvolver a agricultura, temos de criar acesso aos mercados, através de sistemas de comunicação, telecomunicações, portos. Temos de ter um plano que permita entender o que podemos fazer a prazo. Um dos grandes problemas que temos na Europa é a água, que neste momento é uma enorme restrição ao desenvolvimento agrícola na Península Ibérica. Será fácil alternar produções agrícolas com alguns países africanos, desde que se criem condições para escoar esses produtos. Criando riqueza, também se criam mercados para o consumo local desses produtos, num círculo virtuoso que beneficia a todos. Existem muitas oportunidades de interacção, a nível energético, do sector têxtil e toda a indústria 4.0. Isso exige formação, mas também no sector da educação existem grandes
oportunidades. Em África, o céu é o limite. Há oportunidades para tudo e todos, tem é de haver mais estabilidade política e essa está a fazer o seu caminho.

Já viu a videomensagem enviada pelo secretário-geral da ONU?
A visão de António Guterres é clara e não é nova: quanto mais empreendermos no sentido de aproximar África da Europa, mais será vantajoso para todos, em todos os sentidos. O que vai ao encontro do grande tema da actualidade, as migrações.

No último encontro do Conselho da Diáspora, em Dezembro, um dos temas foi a retenção de talento. Portugal está a conseguir reter talentos?

Portugal tem uma capacidade extraordinária de atrair talentos. Hoje, qualquer pessoa de qualidade tem as mesmas oportunidades em Portugal que tem em França, Inglaterra, Holanda ou em Espanha. No mundo global em que vivemos, a primeira vantagem de Portugal é ser um país europeu. Temos hoje muitas empresas internacionais que se instalam cá e criam subsidiárias que não são call centers, são claramente de valor acrescentado. A Google tem hoje três grandes centros de competência: em Dublin, em Bratislava e em Lisboa. Neste momento, a grande preocupação da Google é que toda a gente quer vir trabalhar para Lisboa. Estarmos a criar subsídios para fazer as pessoas regressarem a Portugal é quase caricato. Temos é de dar 6500 euros para eles ficarem nos países deles [risos].

Refere-se ao programa Regressar, que está a dar incentivos para o retorno de trabalhadores, sobretudo a geração altamente qualificada que saiu nos últimos dez anos. Caricato porquê?
Primeiro, porque dar 6500 euros para esse efeito, só se for um subsídio mensal durante dois ou três anos, porque é o que essas pessoas ganham lá fora. Dizer-lhes toma lá um cheque para pagar a empresa transportadora é caricato, não faz sentido. É uma medida completamente política, é atirar poeira para os olhos. Eu vou para um país se tiver uma oportunidade, não porque tenho uma one shot de 6500 euros, que é muito dinheiro mas não resolve a vida de ninguém. É uma medida eleitoralista, mas digo isto a título pessoal, porque o Conselho da Diáspora não comenta políticas públicas.

Como definiria a diáspora portuguesa hoje, numa altura em que já não se fala tanto em emigração, mas em mobilidade?
As pessoas formadas em Portugal têm uma formação extraordinária, e não é por acaso que facilmente saem de cá, porque lhes são oferecidas oportunidades em função dessa formação. Temos é de criar em Portugal condições para que possam ter as mesmas oportunidades aqui. Isso não se faz legislando, mas deixando liberdade para que se criem essas oportunidades. O mundo mudou loucamente nos últimos anos e é por isso que grande parte das políticas está desadequada das novas realidades. O acesso à informação mudou completamente a nossa forma de trabalhar e as novas gerações não querem trabalhar como nós, querem interagir mais, querem um balanço de vida completamente diferente.

Por Público, Julho de 2019