No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Alberto Ferreira, Diretor-Geral da Noesis para o Médio Oriente e Ásia, e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente, Índia e Egito, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
A decisão de sair de Portugal surge naturalmente e como uma evolução profissional decorrente das missões que fui abraçando. Para além disso, sempre fui apaixonado por novos povos, culturas e modos de vida. A experiência na Marinha Portuguesa foi o primeiro passo nesse caminho, colocando-me em contextos onde foi essencial desenvolver a minha capacidade de adaptação, aprender com circunstâncias e ambientes muito distintos e em cenários desafiantes. Com o acumular de experiências, percebi que viver fora me dava uma perspetiva mais ampla, algo essencial para quem quer liderar com visão e eficácia.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?
Ser português tem uma suavidade estratégica: temos uma forma de estar que não impõe, mas que conquista. Ganhamos espaço com empatia, inteligência emocional e curiosidade genuína pelos outros. A nossa adaptabilidade e resiliência são qualidades amplamente reconhecidas e valorizadas em contextos multiculturais. Temos uma forma de estar que favorece relações humanas e profissionais sólidas, facilitando a integração em equipas diversas. No entanto, enfrentamos ainda desafios no que diz respeito ao posicionamento internacional de Portugal e dos seus profissionais, que por vezes é prejudicado por uma modéstia excessiva. É essencial reforçar a confiança naquilo que sabemos fazer bem e comunicar esse valor com mais assertividade.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Um dos principais obstáculos que tive de ultrapassar foi a adaptação a contextos culturais radicalmente diferentes. Trabalhar em geografias tão diversas como o Médio Oriente, a América Latina ou o Norte da Europa exige uma escuta ativa constante, respeito profundo pela cultura e particularidades locais e, ao mesmo tempo, firmeza nos valores e objetivos. Aprendi a criar confiança através de ações consistentes e a construir pontes onde, à partida, havia distância. Essa capacidade de gerar alinhamento em cenários complexos foi decisiva para alcançar bons resultados.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
O que mais me impressiona nos Emirados Árabes Unidos é a forma como conseguem transformar uma visão estratégica clara em execução concreta, com uma rapidez que poucos países conseguem acompanhar. Trata-se de uma cultura orientada para resultados, onde as decisões são tomadas com foco na eficiência e na obtenção de impacto real. Para além desse dinamismo, há um compromisso visível com a estabilidade institucional, a promoção contínua da inovação e uma política ativa de atração de talento global altamente qualificado.
Admiro, ainda, a convicção de que o talento é um recurso estratégico: programas de residência para profissionais qualificados processam-se em poucas semanas e incluem soluções para a família. Por fim, destaca-se o impressionante mosaico cultural: mais de 190 nacionalidades convivem e trabalham lado a lado, tornando o país num verdadeiro laboratório de gestão intercultural. Essa diversidade, quando bem gerida, não só enriquece a experiência profissional e pessoal, como também potencia a criatividade e a inovação em todos os setores.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
O que mais admiro na Noesis é a combinação rara e consistente entre excelência técnica e um profundo respeito pelas pessoas. A empresa conseguiu construir uma cultura organizacional centrada no desenvolvimento contínuo do talento, na colaboração genuína e na aposta permanente na inovação — valores que considero essenciais e que fazem uma diferença real no dia a dia. O reconhecimento recente como a melhor empresa para trabalhar em Portugal não é uma coincidência: é o reflexo de uma liderança que aposta genuinamente nas pessoas e que cria um ambiente onde se trabalha com liberdade, responsabilidade e propósito. Como alguém com experiência em vários contextos culturais e profissionais, posso dizer que a Noesis representa o que de melhor Portugal tem para oferecer ao mundo.
A empresa conta já com presença internacional em sete países, o que reforça a sua ambição global e capacidade de adaptação a mercados diversos. Fui recentemente convidado a liderar o processo de internacionalização para o Médio Oriente e Ásia — um desafio que encaro com entusiasmo e sentido de missão. Trata-se de um passo natural e estratégico na consolidação do posicionamento global da Noesis, e um sinal claro da confiança que a organização deposita nas suas pessoas.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
Portugal tem talento, mas precisa de se afirmar com mais confiança e visão. Internacionalizar não pode ser apenas uma reação tática a crises, tem de ser parte de uma estratégia estrutural. Isso implica preparação, investimento e paciência. A inovação deve ser incentivada não apenas no domínio tecnológico, mas também nos modelos organizacionais e nas práticas de gestão do capital humano. Apostar numa cultura de liderança mais ousada, que valorize experiência internacional e promova propósito, é fundamental para competir num mercado global cada vez mais exigente.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Nos Emirados Árabes Unidos, as empresas portuguesas podem encontrar oportunidades em sectores como a tecnologia da informação, cibersegurança, inteligência artificial, energias renováveis, smart cities e construção sustentável. São áreas onde Portugal tem know-how e capacidade técnica para oferecer soluções diferenciadas. Contudo, para vingar neste mercado exigente, é crucial investir em presença local, adaptar-se culturalmente e posicionar-se como parceiro de inovação com valor acrescentado.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Portugal tem um encanto difícil de replicar: segurança, talento, localização, clima, cultura, e é um destino cada vez mais atrativo para investimento estrangeiro. Empresas baseadas nos EAU poderão encontrar valor em sectores como as energias limpas, inovação aplicada à agricultura, tecnologia, turismo de experiência (não massificado), e centros de competência para I&D. A estabilidade, o talento qualificado e o contexto europeu tornam o país ideal para investimentos com retorno e escala.
Portugal pode e deve ser um hub de inovação e bem-estar na Europa. Só precisa de se posicionar como tal de forma mais ousada e articulada.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
A agilidade na tomada de decisão e a capacidade de concretização são vantagens claras dos Emirados Árabes Unidos. Existe uma cultura institucional que favorece o risco calculado, encurta processos e foca na entrega. Portugal poderia beneficiar bastante ao adotar práticas que reduzam burocracias, acelerem a implementação de projetos e promovam mais colaboração entre governo, empresas e academia. A combinação entre visão de longo prazo e ação rápida é algo que podemos e devemos replicar com a nossa identidade.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Sim, penso regressar a Portugal. A experiência internacional foi enriquecedora e continua a sê-lo, mas há um desejo de aplicar esse conhecimento no país que me formou. Sinto que posso contribuir para um Portugal mais ambicioso, mais global e mais preparado para os desafios contemporâneos.
Tenho um enorme respeito pelo potencial que existe em Portugal, nas pessoas, nas ideias e na forma de estar no mundo. Mas esse potencial precisa de ser ativado com visão, coragem e referências externas que nos desafiem a sair da zona de conforto. Se puder ser um agente dessa transformação, mesmo que em pequena escala, então o regresso não será um fim, será um recomeço com propósito, com mais ferramentas, mais visão e um compromisso renovado com a criação de impacto positivo e duradouro.