21 de Outubro de 2025

Entrevista a António Azevedo Campos: “É tempo de alinhar recursos, quebrar silos e operar em rede” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, António Azevedo Campos, CEO e Cofundador da Hub2Energy e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente, Índia e Egito, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Gosto de dizer: não saí, apenas ampliei a geografia. Internacionalizei-me. Desde cedo procurei contextos que me desafiassem. Na universidade, aproveitava as férias para voluntariado em África ou cursos de verão no estrangeiro. Mais tarde, veio o Médio Oriente. A curiosidade pelo diálogo intercultural e o desejo de integrar um ecossistema com outra escala levaram-me a estas paragens. Comecei no Iraque, passei pela Arábia Saudita e estou há mais de dez anos no Kuwait. Cada contexto exigiu adaptação com critério, foco e discernimento para agir.

Estar no mundo não é deixar o país, é levá-lo onde ainda não chegou. Um Portugal projetado, não apenas exportado.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Ser Português é carregar uma vantagem discreta, mas poderosa: a arte de saber estar. No Golfo, isso traduz-se em empatia instintiva, flexibilidade sem submissão, e uma identidade que se adapta sem se diluir. Temos um talento raro para o detalhe humano. Talvez por herança marítima, escutamos antes de falar e navegamos antes de conquistar. Essa combinação de empatia e pragmatismo, tantas vezes subestimada, é justamente o que constrói confiança.

A desvantagem? A invisibilidade inicial. Portugal ainda não entra no radar como potência de primeira linha. Não somos, ao contrário do futebol, os “default players” do jogo global. Mas talvez esteja aí o trunfo: entramos com substância, não com estatuto. E quando se entra com substância e perseverança, o resto vem por acréscimo.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Curiosamente, os maiores obstáculos não estavam no deserto. O verdadeiro ajuste foi interno: perceber que, aqui, as relações valem mais do que os processos, que os silêncios dizem mais do que os briefings, e que o tempo, tantas vezes apressado no Ocidente, é afinal o único caminho para a confiança.

Quem chega ao Golfo com ideias feitas tropeça à entrada. Mas quem chega com respeito e escuta encontra uma hospitalidade desarmante. Como dizia Pessoa, “a alma árabe é o pano de fundo da alma portuguesa.” Partilhamos uma melancolia quente, uma generosidade nata e um sentido de pertença que nasce no detalhe e se reconhece na família. Por isso, posso dizê-lo com naturalidade: o Kuwait, às vezes, parece perigosamente com “a minha alegre casinha”. Com mais sol. E menos fado.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Admiro a forma como o Kuwait combina visão de futuro com responsabilidade coletiva. Através do Kuwait Investment Authority, o fundo soberano, o país mostra que gerir riqueza não é apenas acumular capital, mas garantir que ela serve as gerações futuras. Esse compromisso com a continuidade é raro e valioso. Investir, aqui, é um gesto de soberania e também de generosidade estratégica. Logo após a independência, foi também criado o Kuwait Fund com o objetivo claro de apoiar países em desenvolvimento, deixando uma mensagem inequívoca: o progresso deve ser partilhado. Existe uma maturidade de pensamento que reconhece que a estabilidade começa por garantir bem-estar no longo prazo. Investir hoje para proteger o amanhã torna o Kuwait um exemplo. Este não é apenas um país que gera riqueza. É um país que constrói legado. Um lugar onde a generosidade e a solidariedade se revelam com discrição e impacto.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

As pessoas.

Na Hub2Energy, Portuguese Business Council, AGM, Abyar e nas demais organizações com que colaboro, o que mais me impressiona é o saber discreto de resolver.

Gente com resiliência, determinação e a elegância de quem não precisa provar nada.

No Médio Oriente, o que bloqueia raramente é a falta de meios. O bloqueio está na espera, no medo de decidir, na ilusão de que tudo pode ser adiado indefinidamente. Há uma tendência épica para a intenção e uma hesitação crónica na execução. É por isso que estas equipas fazem a diferença. Porque avançam. Porque têm critério. Porque entregam.

Por isso, sem hesitação, o que mais admiro são as pessoas.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Miguel Torga escreveu que “as caravelas do impossível já partiram”. Hoje não se trata tanto de sonhar com o impossível, mas de governar o possível com visão, inteligência e método. Portugal precisa de três gestos estratégicos: voltar a olhar para o mundo, ativar a diáspora e estruturar a diplomacia económica.

Portugal não pode resignar-se à condição poética de “jardim à beira-mar plantado”, nem à caricatura confortável de um país que apenas espreita a Europa — e mesmo essa, tantas vezes, por um canudo. Temos talento, temos história, temos arte. O que nos falta é o resto: escala, continuidade e intenção estratégica.

A rede do Conselho da Diáspora já existe e está posicionada nos centros de decisão, fala a linguagem dos mercados e conhece os códigos da influência. Pode abrir portas, atrair capital e antecipar tendências. Os Núcleos Regionais, os Centros de Competência e a Diáspora Jovem não são acessórios; são ativos de futuro. Falta tratá-los como tal, não apenas como sinal de prestígio presidencial, mas como plataforma de política pública com impacto real.

É tempo de alinhar recursos, quebrar silos e operar em rede. Pensar global, entregar valor, projetar presença, cultivar reputação e gerar relevância. O que hoje depende de esforços individuais deve tornar-se arquitetura nacional. Exportar mais ou internacionalizar empresas já não basta: é preciso internacionalizar Portugal.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

O Kuwait está a implementar a sua Visão 2035, com prioridade na modernização e diversificação económica. As empresas portuguesas, sobretudo as que combinam inovação com competência técnica, têm oportunidades reais em setores como infraestruturas, energia, formação técnica, saúde e urbanismo.

A indústria do petróleo, gás e engenharia continua a atrair soluções especializadas, assim como os domínios financeiro, tecnológico, dos transportes e do turismo.

No Kuwait, quem constrói relações com seriedade encontra mais do que clientes: encontra parceiros.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Portugal é hoje visto como um destino fashionable, combina talento técnico, qualidade de vida e acesso privilegiado a mercados europeus, africanos e americanos. O país tem argumentos para atrair investimento em praticamente todos os setores com escala, valor acrescentado e relevância geopolítica. No entanto, precisa provar que também sabe investir em quem aposta nele.

A energia é estratégica, mas há oportunidades reais em áreas como tecnologia, fintech, indústria 4.0, saúde, agroalimentar, turismo, logística e minerais críticos como o lítio. O essencial é garantir confiança e consistência.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

O Kuwait faz das Parcerias Público-Privadas uma verdadeira estratégia nacional. Através da Kuwait Authority for Partnership Projects, criou-se um modelo claro e eficaz: contratos transparentes, riscos bem distribuídos, retorno mínimo garantido para investidores e incentivos definidos.

O envolvimento do setor privado, desde a conceção até à operação, assegura foco na execução e responsabilidade na gestão. O mais distintivo é o IPO obrigatório: os projetos são convertidos em sociedades anónimas, com capital disperso em bolsa, permitindo o acesso dos cidadãos e democratizando o valor gerado.

Portugal deve inspirar-se nesta capacidade de mobilizar capital e know-how para objetivos comuns. Adaptar um modelo de PPP mais funcional e orientado para resultados pode ser decisivo para acelerar projetos estratégicos. Não se trata de importar fórmulas, mas de criar um ambiente de confiança para que o setor privado invista com propósito e o público atue com visão.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Enquanto os desafios forem autênticos e os investimentos humanos, emocionais e estratégicos fizerem sentido, não vejo razão para quebrar este ciclo virtuoso. Sou português da diáspora, palavra tantas vezes confundida com emigração. Não é exílio nem afastamento, é presença ativa, qualificada e estratégica. Portugal está sempre presente e, verdade seja dita, “nunca encontrou rival”.

Tenho dois filhos, jovens adultos, a iniciar as suas vidas profissionais. Isso reforça a responsabilidade de lhes mostrar que, se Portugal for só um lugar, será sempre pequeno. Mas, se for uma missão, torna-se global.

Voltar? Talvez um dia. Mas até lá fico por aqui, neste lugar onde, por mais improvável que pareça, Portugal também sabe acontecer.