No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Bruno Casadinho, Diretor Geral e Executive Vice President para Engineering na APAC e Oriente Médio na Capgemini, e Conselheiro do Núcleo Regional da Oceânia, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Foi ambição e curiosidade. Sempre quis conhecer outras culturas e testar-me em ambientes mais exigentes. A oportunidade surgiu quando comecei a ter responsabilidades internacionais e percebi que, para crescer, tinha de sair da zona de conforto. Não foi só trabalho, foi pessoal também. Viver fora dá-nos uma perspetiva que nenhum livro ensina. Aprendi isso logo no início.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?
A maior vantagem? A nossa capacidade de adaptação. Nós conseguimos criar empatia e encontrar pontos comuns, mesmo quando estamos em culturas muito diferentes. Isso ajudou-me muito na APAC e no Médio Oriente. A desvantagem é que o talento de Portugal não é suficientemente valorizado deste lado do mundo, o que exige mais de nós para provarmos o nosso valor. Outra desvantagem é que raramente consigo ver os jogos do Sporting Clube de Portugal devido à diferença horária.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Apesar de estar a viver na Austrália, a minha função regional inclui trabalhar com outros países asiáticos, como India, China, Japão, Singapura e outros. O maior desafio foi a diferença cultural. O que funciona no Japão não funciona na Índia, nem no Médio Oriente. Não há uma receita única. Percebi isso cedo e decidi passar muito tempo no terreno: ouvir, observar, perceber hábitos. Participei em reuniões formais, mas também em criar relações pessoais que me ajudassem na integração. Esse esforço fez toda a diferença. Liderar fora obriga-nos a ter humildade para aprender antes de agir.
Outro desafio a que não estava muito exposto antes de vir para a Austrália foi a enorme diferença horária entre Austrália, Ásia e Europa, o que me obriga a uma grande disciplina na relação entre vida pessoal e profissional, pois reuniões (virtuais) depois de jantar são muito frequentes. Com esforço e suporte familiar tudo se gere, mas é um desafio constante.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
Há uma abertura enorme à diversidade. Ao longo dos anos, a Austrália recebeu imigrantes de todo o mundo, o que deu origem a uma sociedade multicultural e uma referência mundial em política de imigração. Pessoas de todo o mundo vivem
aqui, em harmonia, o que é cada vez mais raro nos dias de hoje. Essa diversidade é uma riqueza única deste país.
Um aspeto único da Austrália é a dimensão geografia – é um continente-ilha, com diferentes fuso-horários, clima totalmente diferente entre norte, sul, centro e litoral –, o que torna as pessoas que vivem em Brisbane totalmente diferentes das pessoas que vivem em Sydney, Melbourne ou Perth. Apesar de toda a diversidade, e como os locais dizem habitualmente: “…we are all Australians”.
Por fim, a natureza e paisagens. Desde desertos vermelhos, florestas tropicais, praias paradisíacas até à maior barreira de coral do mundo, a Austrália é um dos locais mais bonitos onde já estive. Há um orgulho e respeito muito grande pelo ecossistema – mais de 80% dos animais e plantas não existem em mais nenhum lugar no mundo. Isto é o resultado de um esforço muito grande na preservação do ecossistema.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
O que mais admiro na Capgemini é a forma como combina escala global com proximidade local. Temos cerca de 340.000 pessoas em mais de 50 países, mas, mesmo assim, conseguimos manter uma cultura colaborativa onde as pessoas se sentem ouvidas. Outro ponto que valorizo é a aposta constante na inovação, quer na tecnologia, como na forma como trabalhamos com os clientes. Existe uma verdadeira cultura de inovação, onde somos desafiados a pensar diferente e a criar soluções que tenham impacto para os clientes e para as pessoas.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
Depende do setor de atividade, mas há 2 elementos fundamentais em qualquer negócio no atual contexto: Digitalização e Talento. Todos os setores, sem exceção, estão a ser impactados por transformações digitais, transformando produtos, serviços e a forma de trabalhar.
A grande diferença entre a cultura empresarial em Portugal e fora de Portugal é o mind-set. Os líderes em Portugal são genericamente avessos ao risco e veem o investimento em tecnologia e pessoas como um custo e não como um fator de produtividade e competitividade.
A minha recomendação é procurar fontes de investimento dentro ou fora de Portugal, que permitam mudar o mind-set, pois as boas ideias não têm nacionalidades. Os investidores qualificados, baseiam as suas decisões apenas na expectativa de retorno de capital.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Na Austrália, vejo oportunidades em várias indústrias, nomeadamente em Energia e Recursos Naturais. São setores estratégicos. Há também muito investimento na transição energética e em projetos de sustentabilidade. Empresas portuguesas com soluções inovadoras podem ter um papel relevante. Outro setor interessante é o das tecnologias digitais aplicadas à indústria. Quem trouxer know-how e se adaptar às regras locais tem espaço para crescer.
Um exemplo de sucesso recente é um projeto que a Critical Manufacturing (HQ em Portugal) está a desenvolver para a Cochlear (HQ na Austrália) – esta colaboração iniciou-se devido à qualidade do produto da Critical Manufacturing vs. outros concorrentes mundiais.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Vejo um enorme potencial em setores ligados à engenharia de telecomunicações e energia renovável, especialmente eólica offshore e solar, onde Portugal já tem experiência consolidada. Há também interesse crescente em tecnologias para a descarbonização e mobilidade elétrica, áreas em que Portugal tem empresas inovadoras.
Contudo, Portugal tem um desafio de escala, devido aos apenas 5 milhões de pessoas ativas atualmente – dito isto, a única forma de criar valor globalmente é através das tecnologias digitais e aí também temos bons exemplos que podemos acelerar, nomeadamente nos setores que referi anteriormente.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Apesar da sua localização remota, e do enorme território geográfico, a Austrália tem um nível de digitação se serviços públicos e privados muito acima da média mundial – tornando a ligação entre sistema público, privado e pessoas muito ágil e fácil. O modelo económico está centrado na criação de riqueza através das empresas, em que o governo (federal e estadual) é um facilitador e acelerador. Outro aspeto ímpar na Austrália é a sua politica de imigração: em 3 anos, entre 2022 e 2025, a população cresceu cerca de 4% (1 milhão de pessoas), através da importação de todo o tipo de mão de obra – mais qualificada ou menos
qualificada, servindo todo o tipo de necessidades dos setores – criando valor para as empresas e dando às pessoas uma melhor oportunidade de vida, sem discriminação.
Acredito que Portugal pode apreender com a Austrália, com as devidas diferenças culturais, políticas e geográficas.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Portugal é casa. Penso nisso muitas vezes…pela minha mulher, voltávamos para Portugal amanhã! Acho que o regresso vai acontecer naturalmente uma vez que exista o desafio profissional certo e a motivação de toda a família. Quero levar tudo o que aprendi e aplicar em projetos que ajudem o país a crescer. Seja numa função de liderança ou a apoiar iniciativas estratégicas, sempre focado a ajudar Portugal.
Entretanto, o meu foco é continuar a ajudar Portugal como Conselheiro da Diáspora Portuguesa.