No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Carla Santos, Diretora do Departamento de Gestão de Receitas Municipais da PublicSoft e Conselheira do Núcleo Regional da Europa de Leste, foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE A LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Saí de Portugal em 1998, após concluir a licenciatura em Relações Públicas na Universidade Fernando Pessoa e trabalhar como técnica de Relações Públicas na Câmara Municipal de Aveiro, onde fui responsável por projetos europeus de intercâmbio e geminação. Foi precisamente num desses projetos — a geminação entre Aveiro e a cidade de Cholargos, na Grécia — que tive o primeiro contacto com o país. A experiência foi transformadora, tanto a nível profissional como pessoal. Encontrei na Grécia uma sociedade em transição, com desafios e oportunidades que coincidiam com a minha vontade de construir algo novo. Apaixonei-me pelo projeto, pela cultura grega e, literalmente, pelo meu futuro marido. O nosso casamento tornou-se símbolo de uma ponte viva entre dois países com histórias antigas e afinidades inesperadas. A partir daí, a ideia de uma Europa sem fronteiras ganhou um sentido profundamente pessoal.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUESA?
Ser portuguesa revelou-se uma vantagem distintiva. A nossa cultura fomenta empatia, adaptabilidade e criatividade, qualidades valorizadas em contextos interculturais exigentes como o grego. A tradição diplomática, o respeito pelo outro e a abertura ao mundo estão no nosso ADN. No entanto, a distância institucional e a ausência de redes de apoio à diáspora representaram desafios nos primeiros anos. Essa dificuldade motivou-me a envolver-me ativamente na promoção da cultura portuguesa junto da comunidade luso-descendente.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
A língua foi o primeiro grande obstáculo. Dominar o grego era essencial para a vida quotidiana, mas também para assumir responsabilidades profissionais. Investi tempo e esforço na aprendizagem da língua e da cultura. A adaptação ao sistema administrativo e jurídico grego, muito distinto do português, exigiu flexibilidade e aprendizagem contínua. Essa capacidade foi posta à prova quando assumi, durante 16 anos, o cargo de Diretora-Geral da Empresa Municipal de Cultura, Desporto e Ambiente da cidade de Pallini, nos arredores de Atenas, liderando projetos culturais, desportivos e ambientais de impacto local e regional. Além disso, ser mulher e estrangeira num setor tradicional implicou resistências, que enfrentei com profissionalismo, diálogo e competência técnica.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
A Grécia é um país de contrastes, mas também de profundidade. Admiro, em primeiro lugar, a resiliência do povo grego — a forma como enfrenta adversidades com dignidade e determinação. Em tempos de crise económica e social, vi comunidades inteiras mobilizarem-se para ajudar os mais vulneráveis. Essa solidariedade é genuína e transversal.
Valorizo igualmente o papel central da família, o respeito pela educação e a valorização das raízes culturais. A Grécia tem uma herança civilizacional única, mas não vive apenas do seu passado: há uma energia jovem, criativa, que deseja modernizar o país e assumir um papel ativo na Europa.
Em termos culturais, uma das diferenças mais notórias em relação a Portugal está no modo de trabalhar: na Grécia, a informalidade e a improvisação são traços dominantes. As decisões, por vezes, tomam-se no último momento. Costumo brincar dizendo que “na Grécia nada é programado, mas tudo acontece”. Essa capacidade de improvisação — de fazer acontecer, mesmo sob pressão — é algo que aprendi a respeitar e a incorporar. Também admiro o espírito combativo da sociedade grega: uma população que não hesita em questionar regras que considera injustas. É uma postura que contrasta com uma certa resignação ainda presente em Portugal. Nesse sentido, reconheço que me tornei um pouco grega — mais inconformada e mais ativa civicamente.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Na PublicSoft IKE, onde sou Diretora do Departamento de Gestão de Receitas Municipais, admiro a visão estratégica e o compromisso com a modernização da administração local. A empresa aposta em soluções técnicas ajustadas a cada município, promovendo eficiência, transparência e confiança dos cidadãos nas instituições. É uma organização que alia inovação tecnológica a propósito cívico, com projetos de referência baseados em geolocalização, IA e interoperabilidade entre sistemas.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
Portugal tem, na sua diáspora, uma fonte imensa de conhecimento, experiência e redes de contacto que continua subaproveitada. Uma das primeiras recomendações que faço é: escutem mais os portugueses que estão fora.
Os empresários portugueses deveriam olhar para a diáspora não como um público nostálgico, mas como um ativo estratégico para a internacionalização. Em muitos casos, somos nós que abrimos portas, que compreendemos as dinâmicas dos mercados locais e que podemos facilitar parcerias.
A nível estrutural, é fundamental apostar numa administração mais ágil, menos burocrática e mais orientada para resultados. É necessário criar instrumentos eficazes de incentivo à inovação, não apenas no setor tecnológico, mas também nas áreas sociais, ambientais e culturais.
Por fim, considero que a criação de redes de apoio estruturadas para quem deseje regressar — ou investir em Portugal a partir do estrangeiro — é urgente. Iniciativas como as do Conselho da Diáspora devem ter continuidade e apoio institucional. Portugal e Grécia, por exemplo, partilham vários desafios e potencialidades económicas. Criar parcerias em áreas como o turismo sustentável, a cultura, o mar, a agricultura biológica ou a economia digital poderá ser a chave para uma presença mais sólida e diferenciadora no mercado europeu.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
A Grécia vive um ciclo de reestruturação que abre oportunidades em energia renovável (solar e eólica), TIC aplicadas à administração pública, turismo sustentável, agroalimentar e serviços de consultoria ligados à gestão pública e fundos europeus. A imagem de Portugal é positiva e os produtos são valorizados. Empresas portuguesas em áreas como hotelaria, construção e energias renováveis têm obtido bons resultados. Exemplos como a Sonae, Martifer, Petrotec, PLM e várias franquias demonstram que há já uma presença significativa, que deve agora ser consolidada.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
As empresas gregas veem Portugal como mercado atrativo e porta de entrada para a Europa Ocidental e a lusofonia. Os setores com maior potencial são a construção (sobretudo reabilitação urbana), o turismo, os produtos agroalimentares (vinho, azeite, queijo, frutos secos) e os serviços tecnológicos, especialmente os ligados à inteligência territorial, gestão pública e interoperabilidade. A complementaridade entre os dois países deve ser melhor explorada.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
A Grécia, apesar das dificuldades, mantém uma forte ligação entre os cidadãos e os serviços públicos. Mesmo nas grandes cidades, existe uma cultura de proximidade que facilita a participação cívica e a responsabilização política.
Portugal poderia beneficiar bastante de uma maior descentralização administrativa, aproximando os processos de decisão das comunidades locais.
Além disso, a valorização das tradições e da cultura local como parte integrante da política pública é algo que Portugal também poderia explorar melhor — integrando património, gastronomia, identidade e inovação numa visão de desenvolvimento territorial mais coerente.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Portugal é parte essencial da minha identidade. Sinto uma ligação profunda com a língua, a cultura e os valores que me formaram. No entanto, neste momento, sinto que posso ser mais útil a partir da Grécia, promovendo pontes, cooperação e partilha de experiências. O regresso é um desejo a médio prazo, mas dependerá das condições que me permitam manter o nível de envolvimento cívico, técnico e humano que hoje tenho.