No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, David Villa de Vasconcelos, Diretor no Bank of America, e Conselheiro do Núcleo Regional de Espanha, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Desde cedo, a minha vida foi marcada por várias mudanças para o estrangeiro, devido à carreira internacional da minha família. Essa experiência despertou uma curiosidade natural pelo mundo e deu-me consciência da diversidade de culturas, formas de pensar e estilos de trabalho. Cresci com a noção de que o mundo está cheio de oportunidades, e isso inspirou-me a seguir um percurso profissional internacional. Trabalhar fora de Portugal foi não só um passo lógico, mas também um desejo pessoal enraizado numa infância vivida em diferentes países.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?
Na minha experiência pessoal, ser português no estrangeiro foi sempre algo positivo. Historicamente, Portugal sempre teve uma vocação global — desde os Descobrimentos até às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo —, o que mostra que a nossa identidade está profundamente ligada à ideia de ir mais longe e construir pontes com outras culturas.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Cada mudança para um novo país ou cidade representa um novo começo: novas pessoas, rotinas, dinâmicas. Por mais vezes que aconteça, há sempre uma fase de adaptação. Mas, para mim, esse é o aspeto mais enriquecedor — é quando nos reinventamos e encontramos novas formas de aprender, contribuir e crescer. Em cada novo começo, levamos connosco as lições do passado e reforçamos a nossa resiliência e empatia. No fundo, recomeçar não é um obstáculo, mas sim uma oportunidade disfarçada. Agora, de volta a Espanha, tenho a sorte de trabalhar no Bank of America, que representa uma base sólida e positiva.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
O que mais admiro em Espanha é a mentalidade internacional aliada a um forte valor atribuído à vida familiar e a um bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Madrid, em particular, tem sido uma cidade extremamente enriquecedora para viver. A nível profissional, oferece acesso direto a um mercado europeu relevante, forte presença de multinacionais e instituições financeiras, e uma rede dinâmica que impulsiona o desenvolvimento de projetos internacionais. A cidade também beneficia de uma excelente infraestrutura empresarial, ligações de transporte eficientes e um ecossistema de inovação muito ativo, especialmente nas áreas de tecnologia, energia e serviços financeiros.
A nível pessoal, aprecio muito a vibrante vida cultural — desde museus, música e gastronomia até eventos desportivos como a Fórmula 1. Madrid é uma cidade onde é fácil sentir-se em casa: acolhedora, animada e com uma qualidade de vida que rivaliza com as melhores capitais europeias.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Tenho o privilégio de trabalhar no Bank of America, uma instituição com um forte compromisso com a Europa, em particular com Espanha e Portugal. Admiro a visão global do grupo e a excelência profissional das suas equipas, sempre combinadas com um enraizamento local sólido. Somos guiados por um propósito comum: ajudar a melhorar a vida financeira das pessoas, e concretizamos isso através do nosso compromisso com um crescimento responsável.
Além de apoiar ativamente negócios e investimentos na região, o banco participa em iniciativas relevantes que promovem a inclusão financeira e o desenvolvimento comunitário. Um bom exemplo é a colaboração com “Generation” em Espanha. Generation é uma organização sem fins lucrativos que forma e coloca adultos em carreiras que de outra forma estariam inacessíveis. Em 2025, a parceria do Bank of America com Generation abrange já 8 países nas regiões EMEA e APAC, permitindo à organização expandir os seus programas de formação e garantir que mais pessoas tenham acesso a empregos nos setores da tecnologia e da economia verde.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
Portugal tem, sem dúvida, um potencial extraordinário. Ao longo da última década, tem demonstrado uma crescente capacidade de se posicionar como um país atrativo para investimento, inovação e talento. No entanto, ainda existe margem para reforçar este posicionamento e acelerar o ritmo de transformação económica e empresarial.
Em primeiro lugar, é essencial que as empresas portuguesas invistam estrategicamente na internacionalização, encarando os mercados externos como oportunidades de crescimento, inovação e parcerias. Ter presença local, por meio de filiais, joint ventures ou alianças, é decisivo para ampliar escala, diversificar riscos e conquistar novos clientes. Isso exige uma visão de longo prazo e equipas internacionais bem preparadas e sensíveis às diferenças culturais.
Em segundo lugar, a inovação deve ser vista como um motor de competitividade, indo além da tecnologia para promover uma cultura organizacional aberta à experimentação, agilidade e adaptação. Portugal conta com um ecossistema empreendedor dinâmico e uma geração jovem qualificada. O desafio é criar condições para que esse talento se desenvolva nas empresas, por meio de inovação aberta, investimento em I&D e parcerias com universidades, startups e centros de excelência.
O desenvolvimento e valorização do talento nacional são fundamentais. Embora Portugal tenha profissionais qualificados, eles muitas vezes são subaproveitados por falta de oportunidades. As empresas devem investir em planos de carreira, formação contínua e ambientes que valorizem mérito, diversidade e colaboração. Também é importante incentivar o regresso de talentos da diáspora, cuja experiência internacional pode renovar e modernizar as organizações.
Portugal deve afirmar-se com mais confiança no cenário internacional, superando a mentalidade defensiva ou modesta em relação ao seu potencial. Os líderes empresariais precisam comunicar com convicção as vantagens do país — como o talento qualificado, o bom ambiente de negócios e a estabilidade institucional. É essencial abandonar a visão de periferia e posicionar Portugal como um parceiro estratégico em cadeias de valor globais, especialmente em áreas como energias renováveis, tecnologia, mobilidade sustentável, turismo de excelência e serviços financeiros.
Por fim, a colaboração é um fator essencial para o sucesso. A articulação entre setor público e privado, bem como entre empresas de diferentes dimensões e setores, pode gerar sinergias valiosas. Exemplos como hubs tecnológicos e clusters industriais mostram esse potencial; mas é preciso expandir essa lógica colaborativa em áreas como formação, internacionalização, captação de investimento e transição digital. Desafios complexos — como sustentabilidade, demografia e transição energética — exigem soluções integradas e cooperação entre todos os agentes.
Portugal tem tudo para ser uma referência global em vários setores. Cabe a todos nós continuar a trilhar esse caminho com visão, ambição e confiança.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Espanha é o parceiro comercial mais próximo e estratégico de Portugal, com uma percentagem significativa das importações e exportações a ocorrer entre os dois países. Esta interdependência económica reflete uma integração já profunda entre as duas economias, tornando Espanha um mercado natural para as empresas portuguesas.
Temos assistido a histórias de sucesso recentes nos setores de retail e consumo, energia, indústria e tecnologia. A proximidade geográfica, cultural e linguística facilita a entrada e expansão nestes mercados, tornando Espanha um destino atrativo para a internacionalização das empresas portuguesas.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Portugal tem-se afirmado como um destino atrativo para o investimento espanhol, graças à sua estabilidade, qualidade de vida e talento qualificado. Setores como o turismo sustentável, energias renováveis, tecnologia — especialmente fintech e healthtech — agroindústria e centros de serviços partilhados são particularmente promissores. Existem diversos casos de sucesso nos últimos anos e esperam-se mais no futuro.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Espanha e Portugal partilham muitos traços comuns — desde uma forte base cultural e mentalidade internacional, até ecossistemas de inovação e talento em crescimento. De muitas formas, Portugal já está a seguir o caminho certo, com um foco crescente na transformação digital, internacionalização e colaboração público-privada.
O que se destaca no setor privado espanhol é a mentalidade de “grande mercado” — uma maior escala de ambição, sustentada por fortes capacidades de execução e cooperação estreita entre setores. Esta abordagem incentiva as empresas a pensar e operar com uma visão global. Ambos os países enfrentam desafios estruturais semelhantes, mas também partilham a resiliência e força necessárias para transformar esses desafios em oportunidades.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Tenho certamente essa esperança — no fim das contas, não há lugar como casa. Para além das razões emocionais e familiares, acredito que a experiência adquirida no estrangeiro pode ser uma mais-valia para contribuir para projetos com impacto em Portugal no futuro. Até lá, continuarei a voltar tantas vezes quanto possível!