9 de Setembro de 2025

Entrevista a João Silva: “Portugal é um país com ativos estratégicos muito relevantes” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, João C. Silva, Empreendedor, CEO da Digital Connection, e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente, Índia e Egito, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Saí de Portugal porque sentia a necessidade de explorar novos mercados, desafiar-me fora da zona de conforto e crescer, tanto a nível pessoal como profissional. Portugal é a minha casa, mas por isso mesmo, tornara-se demasiado confortável. Vir para o Dubai foi — e continua a ser — um verdadeiro desafio. Aqui tive a oportunidade de testar as minhas competências técnicas e sociais, desenvolvendo-me profundamente a nível interior. Esse crescimento refletiu-se diretamente nos resultados das minhas empresas. No fundo, vim à procura de algo que não sabia definir… e encontrei-me.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Ser português tem-me trazido várias vantagens. No Médio Oriente, o facto de sermos europeus associa-se a padrões elevados de qualidade, sofisticação e empatia. Portugal tem hoje uma visibilidade muito positiva a nível internacional. Somos reconhecidos como pessoas afáveis, bem formadas e competentes — o que me enche de orgulho. Não senti desvantagens reais, pelo contrário, acredito que a nossa identidade nacional tem sido um trunfo.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Sempre que alguém decide mudar de país, enfrenta obstáculos. No meu caso, mudar-me para o Dubai implicou aprender a conviver com uma enorme diversidade cultural — cerca de 200 nacionalidades. As normas sociais, os costumes e até a forma como se estabelece confiança variam bastante. O maior desafio inicial foi entender as referências culturais, inclusive no Marketing, como o significado das palavras e cores em cada cultura. Hoje vejo isso como a maior vantagem de viver aqui. Essa diversidade é um motor de crescimento pessoal e profissional — obriga-nos a questionar crenças, a reformular ideias e a fortalecer a nossa visão do mundo.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Sem dúvida, admiro a visão. O Dubai sabe para onde quer ir — tem uma estratégia clara, objetivos ambiciosos e mobiliza todos os recursos para os concretizar. É um país organizado, orientado para o futuro, onde tudo está desenhado para ser funcional e conveniente para residentes e visitantes.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Sou empreendedor e lidero as minhas próprias empresas, tanto no Dubai como em Portugal. O que mais admiro nelas é também a visão — bem como a multiculturalidade e o foco na inclusão. Acreditamos que a diversidade é uma força. Essa abertura tem sido essencial para crescermos de forma sólida e inovadora.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Portugal precisa de uma visão clara de futuro. O mesmo se aplica às empresas. Ter uma visão significa saber onde se quer chegar — e essa clareza permite tomar melhores decisões no presente, investir de forma mais estratégica, e preparar as equipas.

Sinto que, em Portugal, existe alguma resistência a pensar em grande. Há talento, há competência, mas também há uma cultura que por vezes nos trava — ouvimos demasiadas vezes “isso é difícil”, ou “estás a sonhar alto demais”. E a verdade é que é precisamente quando sonhamos alto que conseguimos alcançar novos patamares. Temos de deixar de lado o medo de errar, o receio de arriscar. É preciso cultivar uma cultura de ambição sustentada, com os pés na terra, mas os olhos no horizonte.

Outra recomendação essencial: pensar a médio e longo prazo. Vivemos num mundo obcecado com resultados imediatos — mas o verdadeiro valor constrói-se com consistência, com relações sólidas. No mundo empresarial, “semear para colher” não é só uma metáfora — é uma realidade. Os empresários precisam de estar dispostos a investir tempo e recursos em estratégias de relacionamento, parcerias estratégicas, inovação e diferenciação. Não se pode esperar retorno sem primeiro criar valor.

Além disso, destaco duas competências fundamentais para o sucesso atual e futuro: resiliência e agilidade. Vivemos numa era de mudança constante. Quem não se adapta à mudança, desaparece. E quem se adapta rapidamente, prospera. Já dizia Darwin — e no mundo empresarial é igual: a sobrevivência está na capacidade de adaptação. Os gestores portugueses têm de estar abertos à transformação digital e da AI, à reinvenção de modelos de negócio, à escuta ativa do mercado. E isso exige humildade, liderança e uma boa dose de coragem.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

O Dubai e o Médio Oriente são regiões em expansão, com economias que se têm vindo a diversificar e a sofisticar. Para as empresas portuguesas, há várias áreas com enorme potencial — e não apenas para grandes multinacionais, mas também para negócios de nicho, startups e marcas com identidade forte.

A primeira área óbvia é a tecnologia e inovação. A transformação digital está no centro da estratégia de desenvolvimento do país. Há programas governamentais focados em smart cities, blockchain, cibersegurança e inteligência artificial. Empresas portuguesas com soluções tecnológicas, mesmo que especializadas em nichos — desde software de gestão a automação, saúde digital ou edtech — podem ter aqui uma excelente porta de entrada.

A educação, sobretudo quando pensada de forma inovadora. O mercado de formação está em crescimento e valoriza conteúdos diferenciadores, ensino internacional, abordagens criativas ao ensino técnico, e tudo o que tenha ligação à capacitação para o futuro do trabalho.

Uma área em grande crescimento é a da saúde, beleza e bem-estar — um setor onde Portugal tem imenso talento, tanto em produto como em serviços. Clínicas, marcas de cosmética, dermocosmética, wellness e lifestyle de luxo têm aqui um público que valoriza qualidade e exclusividade. Há uma procura crescente por experiências que combinam bem-estar, estética e sofisticação, incluindo uma forte aposta na medicina regenerativa, estética avançada e terapias integradas.

Por fim, é importante destacar que as marcas portuguesas que apostam na sustentabilidade, na autenticidade e no design com identidade cultural têm um trunfo especial. O consumidor do Dubai está mais exigente e informado — e reconhece o valor da qualidade europeia quando é bem comunicada e posicionada.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Portugal é um país com ativos estratégicos muito relevantes — mas temos de saber promovê-los de forma mais inteligente e eficaz junto dos mercados internacionais, como os do Golfo.

O primeiro setor onde vejo um enorme potencial de investimento vindo do Dubai é o turismo, com enfoque em experiências de luxo, bem-estar, saúde e natureza. Os Emirados valorizam Portugal como destino seguro, com qualidade de vida,

gastronomia, paisagens únicas e cultura rica. Mas há espaço para transformar Portugal num destino mais estruturado para wellness retreats, turismo de saúde, experiências enogastronómicas e turismo residencial de segunda habitação — com foco no público de alta renda.

Outra área óbvia é a tecnologia e inovação. Há investidores e empresas do Golfo muito interessadas em participar em hubs tecnológicos, aceleradoras, ou projetos de I&D com base em Portugal. O nosso país pode e deve posicionar-se como porta de entrada para a Europa, oferecendo um ambiente de talento qualificado, boa infraestrutura e uma qualidade de vida invejável.

Um terceiro setor onde vejo oportunidade é a agroindústria e produtos alimentares premium. Há uma procura crescente por produtos autênticos, sustentáveis e com origem controlada. O azeite, o vinho, os queijos e outros produtos gourmet portugueses têm potencial para conquistar mais espaço, desde que tenham um branding forte e canais de distribuição bem definidos.

A chave para atrair este investimento está na criação de projetos bem estruturados, com propósito, retorno claro e diferenciação. Portugal tem a matéria-prima — precisa de se comunicar melhor e de atrair o capital certo com visão de longo prazo.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Há várias. Mas se tivesse de destacar apenas duas, seriam estas: agilidade e ambiente fiscal competitivo.

A agilidade do sistema no Dubai é fundamental: é rápido, digital, eficiente. Abrir uma empresa pode demorar apenas alguns dias. Tratar de licenças, contratos, pagamentos, vistos — tudo é feito online, e sem a burocracia que infelizmente ainda encontramos em Portugal. Essa eficiência não é apenas conveniência — é uma vantagem competitiva real. Liberta tempo e energia para o que realmente importa: criar, gerir, inovar.

Portugal ainda carrega um sistema demasiado lento e burocrático que trava a iniciativa, afasta investidores e dificulta o crescimento das empresas. É urgente simplificar processos, digitalizar verdadeiramente a administração pública e colocar o cidadão — e o empresário — no centro do sistema.

O segundo ponto é a questão fiscal. No Dubai, há uma abordagem pragmática à tributação. Os impostos são reduzidos ou inexistentes em muitas áreas, o que estimula o empreendedorismo e a retenção de talento. Não defendo que Portugal

deva copiar esse modelo — mas acredito que é necessário rever profundamente a carga fiscal sobre empresas e trabalhadores. Se queremos atrair e reter talento, promover o crescimento das PME e estimular o investimento, precisamos criar condições mais competitivas. Isso inclui não só impostos mais justos, mas também incentivos claros à inovação e à exportação.

Se Portugal conseguisse combinar a sua qualidade de vida, o talento humano e os seus recursos naturais com um ambiente mais ágil e menos penalizador, seria imbatível.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Claro que sim. Portugal é casa. E como se costuma dizer: o bom filho a casa torna. Gosto de pensar que um dia voltarei para contribuir com tudo o que aprendi — com mais visão, mais experiência e, espero, com um impacto ainda maior.