No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Jorge Barbosa, CFO na GPC Groupe na Guiné (Conacri), e Conselheiro do Núcleo Regional de África foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Sempre quis desenvolver uma carreira internacional, mas não tinha definido um caminho claro para o fazer. A crise de 2012 em Portugal, sob intervenção da troika, acabou por ser o empurrão decisivo. Surgiu a necessidade de reforçar a equipa em Cabo Verde, na empresa onde trabalhava, e mudei-me com a família.
Essa mudança não só redefiniu a minha trajetória, mas também abriu novas perspetivas profissionais, permitindo-me desenvolver uma visão mais ampla do mercado global.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?
Ao longo da minha experiência em África, onde já vivi em sete países e tive a oportunidade de conhecer alguns outros, senti que os portugueses são associados a competência e seriedade, o que facilita a construção de relações de confiança. Em todos esses contextos, fui sempre muito bem recebido e percebi que a nossa reputação profissional nos abre muitas portas.
Além disso, surpreendeu-me a relevância histórica de Portugal na costa leste africana, particularmente no Quénia, onde nomes como Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque ainda são conhecidos e respeitados. Mas, mais do que a história, o que realmente conta é a forma como os profissionais portugueses se posicionam hoje: a nossa capacidade de adaptação, a abordagem pragmática e a capacidade de apresentar resultados fazem a diferença num ambiente onde as relações interpessoais são fundamentais.
Naturalmente, num meio tão relacional como África, a qualidade do nosso trabalho é o nosso maior cartão de visita. Ter um perfil profissional sólido e uma abordagem comprometida torna-se uma vantagem real, e ser português acaba por reforçar essa credibilidade.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
O contexto cultural é muito diferente do nosso em Portugal e, no âmbito profissional, o seu impacto é muito grande no dia-a-dia. Tive a vantagem de começar em Cabo Verde, um país com grande proximidade a Portugal, o que tornou a adaptação inicial mais fácil. No entanto, ao mudar para países como Senegal e Camarões, deparei-me com realidades bastante distintas, desde a língua e a religião, até às dinâmicas sociais e profissionais.
Aprendi a ajustar a minha abordagem, desenvolvendo um ‘modo África’ e um ‘modo Portugal’ no meu mindset, permitindo-me navegar melhor entre diferentes formas de trabalhar e de me relacionar. Esse processo exigiu uma grande flexibilidade, pois cada país tem as suas particularidades.
Mas a adaptação nunca está concluída – ainda hoje continuo a aprender e a ajustar-me. Com o tempo, percebi que essa capacidade de adaptação não é apenas um desafio, mas também uma vantagem competitiva.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
Neste momento estou na Guiné, em Conacri. Mas, mais do que um país em específico, aquilo que mais me impressiona em África é a resiliência das pessoas e a forma genuína como cuidam umas das outras. O lado relacional e os laços afetivos estão sempre presentes no dia a dia, refletindo-se não só na vida social, mas também no ambiente de trabalho.
Esse espírito de entreajuda fortalece o sentido de comunidade, onde a cooperação e a adaptação são essenciais. Mesmo em condições adversas, o otimismo e a capacidade de superação são notáveis – algo que considero inspirador. Essa mentalidade resiliente e enraizada na cultura local é um verdadeiro motor de coesão social, sobretudo em contextos onde as estruturas de apoio social não existem ou não estão suficientemente preparadas para atuar.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Trabalho desde maio do ano passado na GPC Groupe, uma empresa fundada e detida por três irmãos guineenses, que atua na construção, mineração e logística. Não só a empresa é jovem, como a esmagadora maioria dos seus 1.500 trabalhadores. Em 2025, deverá atingir 160 milhões de dólares de volume de negócios, praticamente tendo-o duplicado a cada ano. O crescimento da GPC Groupe tem sido impressionante, fruto de um espírito empreendedor e de determinação dos seus fundadores. Além disso, a visão de sustentabilidade da empresa não se limita a palavras: está presente nas decisões estratégicas e no investimento em capital humano. Poder participar decisivamente numa tal transformação organizacional foi uma oportunidade quase singular, e a prática ainda irá mostrar até onde poderemos fazer desenvolver este potencial!
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
A economia portuguesa está já muito internacionalizada, e hoje muitas empresas já exportam e até trabalham no estrangeiro. Mas penso que ainda há muitas fronteiras por explorar, e em países distintos da CPLP. Refiro-me, muito concretamente, à sub-região da África Ocidental, com uma população muito jovem e em franco crescimento e desenvolvimento.
O know-how e o engajamento portugueses são muito bem-vindos e apreciados por estes lados!
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Nos últimos sete anos, a Guiné tem mantido um ritmo de crescimento impressionante, com uma taxa média anual de 6,7%, impulsionada essencialmente pelo setor mineiro. A mineração representa mais de 90% das exportações do país, com a bauxite, o ferro e o ouro a ocuparem um lugar de destaque.
Atualmente, decorre a implementação de um dos maiores projetos de mineração do mundo, com um investimento superior a 20 mil milhões de dólares num horizonte de quatro anos e a criação de cerca de 40 mil empregos diretos. O impacto deste projeto é tão significativo que as projeções das instituições internacionais apontam para o triplicar do PIB guineense na próxima década.
Mas as oportunidades não se limitam à mineração, e vão muito além das infraestruturas e investimentos multimilionários. O crescimento populacional e a necessidade de diversificação da economia criam espaço para investimentos em outros setores como a agricultura, comércio, indústria, ensino e saúde. Todos estes setores ainda enfrentam muitas lacunas e desafios, mas são, ao mesmo tempo, mercados com grande potencial para empresas que queiram trazer conhecimento e soluções sustentáveis.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAIS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Penso que faz todo o sentido as empresas guineenses se aproximarem de Portugal, mas ainda não tanto numa perspetiva de investir no nosso país. O desenvolvimento de parcerias entre empresas portuguesas e guineenses, poderia abrir oportunidades não apenas na Guiné, mas também na sub-região da África Ocidental, um mercado em forte crescimento e com uma população jovem.
A experiência e o know-how das empresas portuguesas podem ser altamente valorizados, facilitando a modernização e o desenvolvimento de soluções adaptadas ao contexto local.
Mais do que simples transações comerciais, estas parcerias podem representar um modelo de crescimento sustentável e mutuamente benéfico, permitindo a transferência de conhecimento, a diversificação de mercados e o fortalecimento das cadeias de valor regionais.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
As generalizações são sempre injustas e encontramos sempre casos que contradizem a regra geral. Mas diria que em Portugal tendemos a ser pessimistas e a desvalorizar o que já alcançamos e o que temos como competências. Penso que o arrojo e a vontade de fazer, o quase desprendimento africano, seria revigorante para Portugal.
Um maior foco na ação e na experimentação poderia dinamizar setores estratégicos. Seria benéfico mais juventude, mais pulsar e mais capacidade de desafiar as normas, tudo isto características que estão sempre presentes em África.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Do ponto de vista profissional, tive um crescimento enorme em África, fruto da exposição a sucessivos desafios, pelo que nessa matéria continuaria indefinidamente em África.
Mas também sinto saudade, esse sentimento tão português, da minha família, das nossas pessoas, do nosso modo de vida.
Não tenho data marcada, mas espero conseguir perceber qual o momento para voltar.
Este é um contexto em que nunca há nada que esteja bem determinado à partida, e há que ter sempre uma enorme resiliência e plasticidade mentais para fazer as coisas acontecerem.
Quando regressar, pretendo transformar esta experiência numa ponte entre mercados, conectando oportunidades e promovendo um mindset mais global, inovador e aberto, beneficiando tanto Portugal quanto os países com os quais tenho colaborado.