16 de Dezembro de 2025

Entrevista a Ladislau Batalha: “A economia do futuro será a da empatia e do propósito” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Ladislau Batalha, CEO Global do International Customer Experience Institute (ICXI) e Fundador e CEO da LAB Experience, e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente, Índia e Egito, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Eu, na verdade, já saí de Portugal em 4 ocasiões e para 4 continentes diferentes. Em todas as ocasiões, a minha saída de Portugal foi motivada pela vontade de crescer em contextos internacionais e de compreender diferentes culturas de serviço e modelos de negócio. Sempre acreditei que a excelência na experiência do cliente e na gestão de pessoas só se atinge com uma visão global. A passagem e residência em países como Egipto, Alemanha, Brasil e Emirados Árabes Unidos, e a passagem por vários mercados líderes ou emergentes deu-me uma perspetiva única sobre a forma como diferentes sociedades valorizam a experiência humana — seja de cliente, cidadão ou colaborador. Hoje, essa visão é a base do meu trabalho como CEO Global do International Customer Experience Institute (ICXI) e Founder da LAB Experience. A juntar à componente profissional tenho de referir a minha própria natureza e considerar-me uma espécie de “cidadão do mundo”, nascido em Moçambique com raízes em Goa e uma família que se espalhou pelo mundo. Cresci com o mundo.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Tenho de o dizer: ser português é uma vantagem competitiva em si mesma. Temos uma capacidade rara de adaptação, de construir pontes e de gerar empatia intercultural. A nossa história e língua dão-nos uma base de humanidade e diplomacia que o mundo reconhece. A desvantagem, por vezes, é a tendência de subestimar e não potencializar o nosso próprio valor — falta-nos a autoconfiança e a assertividade com que outras nacionalidades defendem o seu mérito. Falta-nos também alinhamentos e crescimentos em comunidades no exterior. Por vezes parece que temos medo e vergonha de ser ambiciosos. No entanto, quando o fazemos com convicção, Portugal brilha em qualquer cenário global.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

O maior obstáculo foi aprender a transformar a diferença cultural num ponto de força. Trabalhar no Brasil, Europa ou Médio Oriente exigiu compreender contextos altamente diversos — religiosos, sociais e empresariais — e equilibrar inovação com respeito por tradições. Também foi necessário provar, vezes sem conta, que a liderança portuguesa pode ser global, tecnológica e estratégica. Superei isso com consistência, resultados e uma mentalidade de serviço: liderar é servir, e servir é criar impacto.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Nos Emirados Árabes Unidos admiro a capacidade de execução e a ambição sem medo. Aqui, visão e velocidade andam de mãos dadas. Existe uma mentalidade de “por que não?” “vamos fazer!” em vez de “será possível?”, o que cria um ambiente fértil para desenvolvimento, inovação e transformação digital. O país investe fortemente em experiência do cidadão, inteligência artificial e excelência no serviço público — temas que, curiosamente, se alinham com o trabalho que desenvolvemos no ICXI e na LAB Experience e que poderiam inspirar Portugal.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

No International Customer Experience Institute (ICXI) admiro o propósito e a escala de impacto. Criámos um ecossistema global que define normas, forma líderes e profissionais e certifica organizações em mais de 60 países. É inspirador ver como uma ideia — a de transformar a experiência do cliente e do colaborador num campo científico e padronizado — se tornou referência internacional. No ICXI, a colaboração transcende fronteiras, e cada projeto é uma oportunidade de elevar a experiência humana a um novo patamar. E o que sinto, quando ando pelo mundo, é que os ecossistemas são uma forma fantástica de os indivíduos e as organizações colaborarem de forma efetiva, ágil mas também sólida.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Portugal precisa de transformar a sua visão de serviço e experiência para competir globalmente. O mundo já não valoriza apenas o produto, cada vez mais globais e semelhantes nas features, mas a emoção e o impacto que esse produto gera. Recomendo que as empresas portuguesas invistam mais em Customer Experience e Employee Experience, não como departamentos, mas como pilares estratégicos de diferenciação. Temos talento e criatividade; falta-nos apenas a coragem de escalar essa ambição e de exportar uma marca nacional de excelência em experiência e inovação.

Acredito também que é tempo de Portugal apostar mais na medição do valor gerado pela experiência — quantificando o retorno da satisfação, da lealdade e da confiança. A economia do futuro será uma economia da empatia e do propósito, e o país tem todos os ingredientes para se posicionar como referência nesse novo paradigma. Devemos ainda reforçar a ligação entre empresas, academia e setor público, criando ecossistemas de inovação centrados no cidadão e no colaborador. O sucesso de Portugal virá da capacidade de alinhar a nossa genialidade criativa com uma cultura de execução e de serviço verdadeiramente global.

Portugal precisa também de se posicionar como um hub de excelência em experiência e inovação para a Lusofonia e para o mundo. Temos uma rede cultural e linguística única, que nos permite construir pontes entre Europa, África, América do Sul e Médio Oriente. É um ativo estratégico que permanece subvalorizado e que poderia colocar Portugal como o “centro emocional” da experiência humana em língua portuguesa.

Além disso, o país tem de apostar mais na liderança inspiradora, em líderes que compreendam que a experiência é o novo valor económico e social. O futuro das organizações dependerá da capacidade de unir tecnologia, empatia e propósito. Portugal tem talento, criatividade e reputação — agora precisa de escala, ousadia e uma narrativa global que mostre ao mundo que o serviço e a experiência também são parte da sua identidade nacional.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Os Emirados Árabes Unidos são um mercado maduro e em constante reinvenção, com uma procura crescente por tecnologia, AI, customer engagement, data science e sustentabilidade. Há espaço para empresas portuguesas em áreas como digital transformation, artificial intelligence, formação executiva, smart cities e turismo experiencial. Portugal tem know-how e reputação para ser parceiro estratégico num país que valoriza soluções humanas com base tecnológica.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Vejo enorme potencial em setores ligados à inteligência artificial, energia renovável, turismo sustentável, tecnologias de saúde, educação digital e gestão cultural e desportiva. O ecossistema de inovação português — universidades, startups, e centros de investigação — é cada vez mais competitivo. Para investidores do Médio Oriente, Portugal representa um ponto de entrada natural para a Europa, com estabilidade, talento e uma cultura de confiança. Falta-nos, talvez, comunicar melhor este potencial e criar pontes institucionais mais sólidas.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

A vantagem competitiva dos Emirados está na visão sistémica e na execução coordenada entre governo, empresas e parceiros internacionais. Aqui, políticas públicas e estratégia empresarial caminham juntas, o que acelera resultados. Portugal poderia beneficiar de uma abordagem semelhante, criando programas nacionais de transformação de experiência do cidadão e de capacitação de líderes em serviço público e privado. A agilidade no processo decisório são aspetos a replicar.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Portugal está sempre presente, independentemente da geografia. A minha ligação ao país é constante — através da LAB Experience, de parcerias com universidades e de eventos como o CX Summit Portugal. Voltar, no meu caso, não é um regresso físico, mas uma continuidade de propósito: contribuir para que Portugal se afirme como referência mundial em experiência, inovação e humanização da gestão. O verdadeiro regresso é ver o país a ocupar o lugar que merece no mapa da excelência global.