2 de Dezembro de 2025

Entrevista a Luís Almeida: “Portugal precisa de reforçar a sua vocação global” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Luís Almeida, Administrador-Delegado da Transcom – Sociedade de Formação e Consultoria SA, e Conselheiro do Núcleo Regional de África, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

A minha saída de Portugal foi menos uma decisão isolada e mais a consequência natural de um percurso que sempre procurei alinhar com uma visão internacional. A experiência em Macau, no quadro da cooperação China–Países de Língua Portuguesa, permitiu-me compreender como os fluxos económicos e geopolíticos se reposicionam a nível global. Foi nesse contexto que a liderança em Moçambique surgiu: um espaço onde se cruzam oportunidades de crescimento económico, uma forte necessidade de capital humano qualificado e a possibilidade de desenhar estratégias de transformação estrutural. Ao mesmo tempo, percebi que sair de Portugal me permitia testar a minha capacidade de liderança em cenários de maior incerteza e complexidade. Foi em ambientes menos previsíveis que pude desenvolver soluções inovadoras e ganhar uma leitura antecipada das grandes tendências globais, desde a centralidade da Ásia no comércio internacional até ao papel crescente dos mercados emergentes africanos.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Ser português é, em si, uma vantagem competitiva em diversos contextos. Portugal tem uma rede de influência histórica e cultural nos países de língua portuguesa, que ainda hoje facilita a criação de confiança. Acresce o facto de Portugal estar no coração da Europa, mas com uma ponte natural para África e América do Sul. Essa posição estratégica, combinada com a credibilidade internacional que o passaporte português proporciona, cria um capital simbólico valioso em mercados emergentes.

No plano pessoal, ter nascido em Moçambique deu-me uma ligação afetiva e cultural imediata ao país e às suas pessoas. Partilhar a língua e referências comuns tornou mais fácil criar relações genuínas e próximas, construídas sobre confiança mútua. Além disso, ser português colocou-me muitas vezes numa posição única de “ponte”: capaz de dialogar com a Europa e ao mesmo tempo entender os códigos africanos. Essa identidade híbrida deu-me flexibilidade para me mover entre culturas e fóruns distintos, algo que considero hoje essencial no campo da diplomacia económica e empresarial.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Os principais obstáculos não foram apenas conjunturais — crises financeiras, instabilidade regulatória, volatilidade cambial — mas sobretudo estruturais: a necessidade de alinhar culturas empresariais distintas, gerir equipas multicontinentais e manter foco estratégico num ambiente muitas vezes adverso. A forma de os ultrapassar foi sempre a mesma: visão clara, disciplina estratégica e foco em resultados sustentáveis. No plano pessoal, aprendi que a capacidade de ouvir, de compreender códigos culturais e de ajustar a liderança a diferentes sensibilidades é decisiva. Tive de desenvolver uma paciência estratégica — perceber que em alguns contextos a velocidade não é o mais importante, mas sim a consistência e a capacidade de construir confiança. Essa aprendizagem moldou-me como líder e como pessoa.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Moçambique tem uma escala e uma diversidade que o tornam singular: um território vasto, recursos naturais abundantes e uma população jovem, dinâmica, ávida de

oportunidades. O que mais admiro é precisamente essa vitalidade — a capacidade de um país que, apesar das dificuldades, continua a olhar para o futuro com ambição. É essa energia transformadora que torna Moçambique tão relevante no contexto africano.

Mas há também uma dimensão geopolítica que considero fundamental: a localização estratégica do país no Oceano Índico. A extensa linha costeira de Moçambique coloca-o no centro de importantes corredores logísticos internacionais, com potencial de ligação entre o Atlântico e o Índico, entre a África Austral e o mercado asiático. Esse posicionamento geoestratégico é um ativo de enorme valor no século XXI.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Na Transcom admiro a visão estratégica de investir naquilo que considero ser o verdadeiro motor de transformação de qualquer país: o conhecimento. A aposta numa educação exigente, que prepara quadros altamente qualificados em engenharia, gestão e áreas técnicas, é um investimento no capital humano e, por consequência, na soberania económica do país. É um projeto que não forma apenas profissionais — forma agentes de mudança capazes de acelerar o desenvolvimento.

Vejo a Transcom não apenas como uma empresa na área do ensino, mas como uma verdadeira incubadora de talentos. Muitos dos seus antigos alunos ocupam hoje posições de destaque em empresas e projetos estratégicos em Moçambique e fora dele. Esse impacto no ecossistema traduz-se numa contribuição direta para reduzir os défices de capital humano em áreas críticas, fortalecendo a competitividade do país e projetando o seu futuro.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Portugal precisa de reforçar a sua vocação global. Não podemos limitar-nos ao mercado europeu — é crucial olhar para os mercados emergentes com uma estratégia de longo prazo. Recomendo três eixos: internacionalização ambiciosa, investimento em inovação tecnológica e aposta na qualificação de recursos humanos. Portugal pode afirmar-se como hub de inovação entre Europa, África e América Latina, mas precisa de alinhar capital, talento e visão. É igualmente essencial potenciar as diásporas e os clusters empresariais. A internacionalização não deve ser apenas exportação de bens e serviços, mas também de modelos de gestão e soluções tecnológicas para desafios como a transição energética, a digitalização e a sustentabilidade. As empresas portuguesas devem ainda encarar a internacionalização como parte integrante da sua estratégia de crescimento, apostando em alianças com players locais e em parcerias público-privadas. Só assim poderão adaptar os modelos de negócio ao contexto cultural, económico e regulatório de cada mercado.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Moçambique oferece oportunidades em setores estruturantes: infraestruturas, energia, agricultura, transportes, educação e serviços. A chave está em entender que o investimento deve ser feito com visão de médio e longo prazo. O know-how português é reconhecido, mas é essencial adaptá-lo ao contexto local, estabelecendo parcerias e cultivando resiliência.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Mais do que investir diretamente, vejo um enorme potencial em parcerias estratégicas. Turismo e serviços são áreas óbvias, mas o verdadeiro valor estará no intercâmbio de pessoas, competências e know-how. Quando recém-licenciados moçambicanos em engenharia trabalham em empresas portuguesas, ambos os países ganham: Portugal reforça a sua ligação a África e Moçambique acelera o desenvolvimento do seu capital humano. É um círculo virtuoso de cooperação estratégica.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Moçambique tem vantagens únicas: vastos recursos naturais, terra arável, energia, uma costa estratégica e, sobretudo, uma população jovem. Isso não é replicável. Mas Portugal pode aprender com a resiliência moçambicana — a capacidade de fazer muito com poucos recursos, de encontrar soluções criativas em contextos de adversidade. Essa mentalidade é um ativo que pode reforçar a competitividade portuguesa em mercados globais incertos. Acrescentaria o espírito empreendedor da juventude moçambicana. Apesar das limitações materiais, muitos jovens revelam uma notável capacidade de iniciativa, criando negócios locais com grande agilidade. Esse dinamismo pode inspirar Portugal, sobretudo no fortalecimento do ecossistema de startups e PME, onde rapidez e criatividade são fatores decisivos de sucesso.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Depois de liderar um turnaround bancário em plena crise (2014-2020) e de duplicar, em quatro anos (2020-2024), a faturação de uma empresa de 25 anos em Moçambique, sinto que chegou o momento de devolver esta experiência ao meu país. Portugal precisa de gestores que compreendam mercados complexos, que saibam transformar adversidade em crescimento, que estejam preparados para projetar empresas portuguesas no mundo e que conheçam bem as dinâmicas e complexidade de gestão de Conselhos de Administração multiculturais, em especial com as exigências atuais de Corporate Governance e Sustentabilidade. No plano pessoal, há também uma dimensão emocional. Depois de tantos anos fora, é natural sentir a vontade de regressar e retribuir. Quero trazer comigo não apenas o conhecimento técnico e estratégico acumulado, mas também a resiliência, a visão global e a capacidade de encontrar soluções que aprendi em África. Regresso, portanto, não como um “fim de ciclo”, mas como o início de uma nova etapa ao serviço de Portugal.