No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Manuel Bento, Chief Operating Officer do Grupo Euronext e Conselheiro do Núcleo Regional da Europa Ocidental foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Entrei na Euronext com a missão de criar e desenvolver um centro tecnológico no Porto, uma iniciativa estratégica para o grupo. Esta foi uma oportunidade única de contribuir para a transformação tecnológica da empresa e reforçar o papel de Portugal como um hub de inovação e engenharia no setor financeiro.
Ao longo dos anos, fui assumindo responsabilidades cada vez mais amplas, liderando equipas em vários países e participando em projetos estratégicos, incluindo a coordenação de equipas internacionais a partir de Portugal.
Com o crescimento do grupo e a necessidade de reforçar a integração das operações e da tecnologia a nível internacional, surgiu a oportunidade de assumir funções globais como Chief Operating Officer da Euronext. Este novo desafio exigia uma visão transversal sobre os mercados financeiros europeus e um papel ativo na consolidação das infraestruturas tecnológicas e operacionais da empresa.
A mudança para França foi um passo natural nessa evolução, permitindo-me estar na sede do grupo, estando mais próximo das equipas distribuídas por vários países e contribuir de forma mais direta para a estratégia do grupo.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?
Acredito que as maiores vantagens vêm das competências e da experiência adquiridas ao longo dos anos, tanto na área da engenharia como na gestão. Portugal tem uma forte tradição em formação técnica e uma cultura de adaptação, o que nos prepara muito bem para enfrentar desafios internacionais.
No mundo corporativo global, o que realmente conta são o talento, a capacidade de entrega e a liderança. Quando as empresas valorizam o mérito e os resultados, a nacionalidade torna-se um fator secundário. No entanto, ser português trouxe-me uma mentalidade resiliente e uma abordagem prática para resolver problemas, algo que é muito valorizado em ambientes exigentes e de grande escala.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Mudar de país traz sempre desafios, desde a adaptação cultural até às questões logísticas e burocráticas. A transição envolveu não só ajustar-me às novas funções profissionais, mas também reorganizar toda a estrutura familiar e lidar com os processos administrativos que uma mudança internacional exige.
Temas como a procura de casa e escola exigem tempo e um bom entendimento do funcionamento do mercado local. Além disso, a parte administrativa, incluindo os procedimentos relacionados com a segurança social e o sistema fiscal, foi um processo complexo e moroso. No entanto, encarei esta mudança como um desafio natural de uma nova etapa.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?
A França é um país com uma história rica e uma grande diversidade cultural. Paris, além de ser uma grande cidade de uma beleza única, oferece inúmeras opções culturais, seja através de museus, espetáculos ou simplesmente explorando os seus bairros históricos.
Outra coisa que me surpreendeu foi a forte presença da comunidade portuguesa. Ao caminhar pela cidade, é raro passar um dia em que não ouça alguém falar português. Isso reflete o impacto e a influência da diáspora portuguesa em França.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
O que mais admiro na Euronext é o seu papel como um verdadeiro projeto europeu, com a missão de integrar e fortalecer o mercado de capitais na Europa. Ao longo dos últimos anos, a implementação desta estratégia tem permitido consolidar operações em vários países, promovendo uma maior integração, eficiência e resiliência nos mercados financeiros europeus.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
A minha principal recomendação seria valorizar o mérito e a performance. A única forma de tornar as empresas verdadeiramente competitivas e sustentáveis a longo prazo é garantir que o talento e os resultados sejam reconhecidos e recompensados.
Além disso, é fundamental apostar na inovação como motor de crescimento. Empresas que promovem uma cultura de inovação conseguem adaptar-se mais rapidamente às mudanças do mercado, diferenciar-se da concorrência e criar novas oportunidades de negócio. Isso passa por investir em tecnologia, fomentar a colaboração com universidades e startups e incentivar a experimentação dentro das próprias organizações.
Fomentar uma cultura empresarial baseada na meritocracia, inovação e digitalização não só motiva as equipas, como também impulsiona a eficiência e a competitividade – fatores essenciais para que Portugal continue a crescer num mercado global cada vez mais exigente.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
O setor tecnológico, de forma geral, e as fintech, em particular, são áreas com grande potencial de crescimento e onde ainda há muito por explorar. Já existem vários exemplos de empresas portuguesas de serviços tecnológicos a operar com sucesso em França, demonstrando a qualidade e a competitividade do talento nacional.
Além disso, o setor de produtos e soluções tecnológicas tem um enorme espaço para evolução, podendo criar um valor acrescentado significativo para a economia portuguesa. O desenvolvimento de soluções inovadoras e altamente especializadas permitirá que as empresas portuguesas se diferenciem e consolidem a sua presença em mercados internacionais como o francês.
Para além da tecnologia, há também oportunidades noutros setores onde Portugal já tem uma forte reputação, como a indústria, o setor do mobiliário e o design. A aposta na
qualidade, na inovação e na diferenciação pode ser a chave para captar mais clientes e reforçar a presença das empresas portuguesas em França e noutros mercados internacionais.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Tal como existem empresas tecnológicas portuguesas a operar em França, muitas empresas francesas já reconhecem o potencial do talento português e têm vindo a abrir centros de tecnologia em Portugal, especialmente devido às fortes competências em engenharia.
Acredito que ainda há um grande potencial para expandir essa colaboração, não só na tecnologia, mas também na indústria, nas energias renováveis e no turismo. Portugal oferece um ecossistema atrativo para o investimento estrangeiro, com um setor energético em crescimento, uma indústria moderna e um turismo cada vez mais sofisticado e sustentável.
O reforço dessas parcerias pode trazer benefícios mútuos, impulsionando a inovação, a criação de emprego e o crescimento económico em ambos os países.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Uma das grandes vantagens competitivas de França é a sua capacidade de estruturar e consolidar projetos de grande escala, tanto no setor público como no privado. O país investe fortemente na inovação, na industrialização e no desenvolvimento tecnológico, criando um ecossistema que favorece o crescimento sustentável das empresas.
Portugal pode beneficiar desta abordagem ao reforçar a ligação entre universidades, centros de investigação e empresas, promovendo um ambiente mais propício à inovação e à escalabilidade dos negócios. Além disso, deve apostar em políticas públicas que incentivem o investimento produtivo, tal como destacado no relatório Draghi sobre a competitividade. Criar condições mais favoráveis para o crescimento de empresas inovadoras e para a captação de capital será essencial para fortalecer a economia portuguesa a longo prazo.
Num contexto mais amplo, a Europa enfrenta desafios significativos para se manter competitiva face aos Estados Unidos e à China, especialmente no setor tecnológico e na independência industrial. A capacidade de desenvolver campeões europeus, consolidar mercados e reforçar a soberania tecnológica será determinante para garantir que o continente continue a ser um ator relevante na economia global. Portugal pode desempenhar um papel estratégico nesse esforço, atraindo investimentos e fortalecendo setores de alto valor acrescentado, como a tecnologia, a transição energética e a digitalização da economia.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Neste momento, não planeio regressar a curto prazo, pois estou totalmente focado nos desafios e responsabilidades que assumi. No entanto, a longo prazo, sem dúvida. Portugal é o meu país, e vejo com entusiasmo o meu regresso. Acredito que, no futuro, poderei contribuir com a experiência adquirida internacionalmente.