11 de Novembro de 2025

Entrevista a Márcio Brochado Correia: “Precisamos de audácia e ver empresas como um todo” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Márcio Brochado Correia, Chief Digital & Information Officer na DSM-Firmenich Animal Nutrition & Health, e Conselheiro do Núcleo Regional da Europa Ocidental, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Durante o programa Erasmus em 1999, em Inglaterra, percebi que apesar de Portugal ser o melhor país do mundo, a nível de trabalho ainda teríamos muito a aprender com outras culturas e países. Ainda mais numa altura em que, ao contrário de hoje, não era comum termos colegas de várias nacionalidades no escritório ou na faculdade — eram quase só portugueses. Esta experiência despertou em mim um desejo de mais cedo ou mais tarde sair de Portugal, o que aconteceu, em 2008, quando senti que tinha a maturidade pessoal necessária, e a ambição profissional de evoluir mais rápido, aprender com os melhores profissionais em outras geografias – competir e aprender em escala.  

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUES?

Nenhuma desvantagem. Talvez uma imagem pré-concebida do português: alguém trabalhador e de confiança, mas nem sempre aliado a tarefas de elevado valor acrescentado. Essa perspetiva e, porventura menor expetativa, trouxe-me vantagens: a nossa flexibilidade para tarefas variadas resultou numa versatilidade reconhecida, ao contrário de outras nacionalidades, mais especializadas e “formatadas”.  

Outra vantagem é o legado das gerações passadas de emigrantes, menos formados academicamente, mas muito valorizados pela técnica, valores, empenho, responsabilidade e confiança. Deixa-me muito orgulhoso ser um emigrante de gerações mais recentes, e sentir o respeito que os países para onde emigramos têm pelos portugueses.  

Recordo-me inclusive de uma situação na Suíça, ao registar um seguro automóvel: por ser português, pagaria uma anuidade inferior, semelhante a um suíço ou alemão. Isto porque, segundo a seguradora “O português vem aqui para trabalhar, ganhar algum dinheiro, que poupa e envia de volta para Portugal, portanto, usa menos o carro e é cuidadoso, tendo menos acidentes”.  

O meu obrigado a todas as gerações de emigrantes portugueses, pelo profissionalismo, cidadania e competência. Devemos ter orgulho!

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Um dos principais obstáculos foi o idioma. O alemão não é um idioma fácil de aprender, e em muitas zonas da Alemanha e Suíça nem toda a gente fala bem inglês ou faz o esforço para o fazer. Temos também o facto de dependermos apenas de nós. Perdemos a “rede” de suporte à nossa volta para nos apoiar em casa, no dia a dia e, sobretudo emocionalmente, pois apesar de atualmente a comunicação ser facilitada com smartphones/vídeo chamadas, quando estas terminam, voltamos a estar sozinhos. Crescer implica sair da nossa zona de conforto, forçar-nos a ficar em situações de vulnerabilidade e desconforto. Sensações novas às quais não estamos habituados, mas com as quais temos de lidar e que nos fazem evoluir.

Tive de me habituar aos costumes, estrutura e por vezes alguma “rigidez” das regras a que não estamos habituados em Portugal. Acho que temos de valorizar mais a forma espontânea como levamos a vida. Em muitos países, os costumes e as pessoas são muito mais estruturados, e devemos aprender com eles, mas sem perder a nossa espontaneidade, tão valiosa no trabalho e, sobretudo, na forma como encaramos a vida.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Sem dúvida a organização e estrutura, o rigor e a qualidade. Estou na Suíça há 14 anos, e aqui tudo funciona. Os transportes, os serviços públicos, a saúde. É uma sociedade que rapidamente percebeu que para serem os melhores, têm de ter os melhores profissionais e, portanto, a maior parte dos colegas de trabalho nem sequer são suíços, mas de todas as nacionalidades do mundo, pois no final o que importa é a excelência.   

É um país que soube manter a sua independência e soberania, mas sem com isso cortar laços e conexão. Pelo contrário, muitos encontros de líderes mundiais sobre temas sensíveis, como guerras ou acordos comerciais, acontecem frequentemente na Suíça. Ou seja, o país percebe que num mundo global, temos de estar conectados e ser relevantes, mas sem com isso perder a nossa individualidade, identidade e soberania.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Querermos ser os melhores, sem receio da responsabilidade e do risco de outros quererem ocupar o nosso lugar. Quando somos os melhores/primeiros, temos a responsabilidade de liderar uma indústria ou um segmento, e temos de ter o respeito pelos nossos concorrentes, parceiros e clientes, que esperam que inovemos, indo ao encontro das suas necessidades atuais e para os próximos 20 anos. Isto representa uma pressão e expetativa que só é possível gerir numa empresa com uma cultura de respeito pelas pessoas, pelo planeta, pelos resultados e pelo impacto que criamos.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Que tenham ambição e se posicionem sempre perto dos melhores. Não há razão para termos portugueses em cargos de chefia ou de especialização técnica nas maiores empresas em todo o mundo, e quando estamos em Portugal ainda nos sentirmos “pequeninos” e menos capazes. Somos e podemos ser os melhores naquilo que fazemos!

Essa foi também uma das razões por que saí do país. Nem sempre os empresários e gestores lideram com foco em ser melhores e numa estratégia a médio-longo prazo. Muitas vezes, a perspetiva é só operacional: garantir o sucesso hoje e deixar o amanhã para depois. Precisamos de audácia, desafiar o status quo, e ver as empresas como um todo, maior que nós próprios e a nossa ambição pessoal. Olhem lá para fora, vejam o que outras empresas do setor ou de outras indústrias fazem. Não tenham medo de copiar e melhorar o que já existe. 

Temos de desenvolver mais os nossos gestores/líderes. O mundo mudou — e muda cada vez mais rápido. As empresas passam por ciclos de crescimento e dificuldade, e em cada fase exigem gestores com competências diferentes, muitas vezes incompatíveis com as de quem as lidera na altura. Promovam as linhas abaixo, deem oportunidades aos mais novos, muitas vezes mais bem formados e preparados, e desenvolvam as pessoas, pois são elas que fazem a diferença.  

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Não excluiria nenhum setor onde não possamos gerar valor, mas não devemos apostar em produtos/serviços repetitivos e de baixo valor acrescentado, pois nunca conseguiremos competir em preço com outros países. Temos ótimas escolas e universidades, um ecossistema de startups que começa a ser reconhecido e profissionais ao mais alto nível em qualquer empresa, em qualquer parte do mundo. Devemos focar-nos em serviços e indústria onde possamos fazer melhor e com um custo mais competitivo do que a maioria dos outros países, e aí certamente sairemos a ganhar.  

Sendo Portugal essencialmente um país de serviços, acho importante que conscientemente desenvolvamos mais a nossa Indústria. Temos alguns casos de estudo ao nível da manufatura que devemos escalar, a nível industrial e de especialização, como o trabalho dos nossos artesãos, que não é muito diferente do trabalho de um mestre relojoeiro na Suíça. Temos arte e engenho para atuar em áreas que hoje não são muito exploradas. 

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Acho que áreas relacionadas com as alterações climáticas, como veículos elétricos e energias renováveis, microprocessadores, são áreas com grande potencial. Poderão existir oportunidades em outros setores, como o agroalimentar, construção, saúde, tecnologias de informação, sobretudo se apostarem na qualidade e inovação, dois fatores fundamentais para a Suíça.  

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Existem várias, mas volto a referir a mentalidade de quererem e sentirem-se os melhores, pois isso também atrai os melhores para trabalhar com eles. 

Outro aspeto importante, e sem querer entrar em qualquer componente política, é o papel do Estado. O serviço público é altamente diferenciado na Suíça, e tudo funciona de forma célere, sem burocracias e com funcionários competentes nas mais diversas funções. Antigamente os serviços públicos atraiam muitos e bons funcionários porque “era um emprego para a vida”. Esse critério já não existe. Qualquer jovem talento quer um salário justo, oportunidades de crescimento e valorização.

Acho que Portugal tem muito a aprender neste aspeto, a máquina do Estado, nomeadamente os serviços públicos, deve funcionar para que as pessoas e empresas queiram ficar aqui, e em áreas onde achemos que os privados possam fazer melhor, que tenhamos a coragem de fazer essas parcerias público-privadas.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Claro. Já trabalhei em muitos países, e em virtude da minha profissão viajo regularmente pelos quatro cantos do mundo, mas só há um país a que chamo “casa”: Portugal.  

Eventualmente será quando me reformar…ou antes, como empreendedor e com a minha própria empresa. O futuro o dirá. Até lá, continuarei a contribuir para o meu país, do exterior, e ajudando expatriados como eu, e empresas que queiram expandir para outros países, ou empresas suíças que possam investir no nosso país, porque essa faz parte da minha responsabilidade de retribuir, agradecer, a um país que me deu a cultura, a educação, a família e os valores!