18 de Novembro de 2025

Entrevista a Miguel Duarte: “Ser português tem a vantagem enorme de não ter desvantagens” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Miguel Duarte, Sócio da EY-Parthenon, e Conselheiro do Núcleo Regional dos EUA, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Sempre acreditei que o meu desenvolvimento pessoal e profissional dependeria de trabalhar em mercados de maior dimensão (em volume e valor), onde se compete com o melhor talento. Trabalhei no mercado ibérico no início da minha carreira e conheci Portugal e Espanha corporativos; mas o fascínio pelo Novo Mundo foi incomparável. Após a crise de 2008, houve um novo olhar para os países emergentes (BRIC mania), e o Brasil estava no topo da lista para quem era português. Quando a Europa enfrentou a crise da dívida soberana em 2010, a consultoria onde trabalhava nessa altura – Strategos, empresa especializada em inovação estratégica – desafiou-me para ir para o Brasil e iniciar o negócio lá. Foi a oportunidade e o timing perfeitos. Percebi imediatamente com as primeiras experiências que no Novo Mundo não importa de onde se vem, mas sim o tamanho da ambição e o valor a agregar. Esse traço cultural aguçou-me o ímpeto para sair da Europa. Passaram 15 anos e não saí do Novo Mundo. Vivi no Brasil 11 anos e durante esse tempo trabalhei por toda a América Latina. Em 2021, vim para Nova Iorque dedicar-me ao mercado americano.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

No geral, ser português tem a enorme vantagem de não ter desvantagens. Não somos estereotipados como ameaça ou conotações negativas, mas reconhecidos como neutros no panorama internacional, simpáticos e trabalhadores. Essa conceção generalizada é positiva. Acho que o traço mais importante e que gera vantagens relevantes é a nossa capacidade de integração cultural em quase qualquer contexto. Acho que sermos poucos nos obriga a desenvolver esse instinto de conseguir “fazer parte”. Por outro lado, nos últimos 10 anos, Portugal virou um ícone de simpatia, hospitalidade e destino de eleição. Isso cria uma aura muito positiva em qualquer contexto social – as pessoas querem saber, perguntar, falar sobre. Ser português virou um fator de conexão.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

O maior obstáculo que tive de vencer foi o mindset que levava na bagagem. Ganha o jogo fora de Portugal quem se desamarra dos condicionamentos impostos – somos do tamanho dos nossos sonhos, como dizia Pessoa. O “sonho grande” não está no nosso DNA (já esteve no passado) e é preciso entender que os limites que nos colocaram no nosso sistema social e educacional de país pequeno e conservador têm de ser radicalmente desafiados. Leva uns anos mudar a perceção que temos de nós próprios e do que somos capazes. O Brasil ampliou a minha visão e os meus sonhos 100x e os EUA 1000x.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Nos EUA, admiro a capacidade generalizada de empreender e inovar. Crescer e empreender são valores enraizados, não apenas opções de minorias. O círculo virtuoso entre empreendedorismo e investimento torna a economia americana imbatível. A alocação de capital é extremamente eficiente e promove crescimento continuo. É notável que o mercado de capitais americano represente 60% do global, mesmo num mundo com tantos polos de riqueza, e que as Magnificent 7 representem 30 a 35% desse mercado. Por outro lado, se olharmos estas empresas e seus fundadores, vemos que este não é um mundo de herdeiros e crony capitalists mas de indivíduos (muitos deles imigrantes) que trabalharam arduamente para conquistar o seu lugar na sociedade e na economia.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Sou Partner na EY desde 2014. Comecei no Brasil, tive vários papéis na América Latina e desde 2021 estou em Nova Iorque. A razão pela qual estou há 11 anos na empresa é a permanente renovação de desafios e espírito empreendedor. Não me lembro de ter estado mais de dois anos sem um novo desafio, uma nova agenda, um novo tema estratégico para ajudar a nossa trajetória de crescimento. Apesar de sermos uma organização global de 51 Bi de Doláres, continuo a sentir a EY como uma empresa em construção permanente e com inovação constante.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Tive o privilégio de trabalhar como consultor de estratégia com as maiores empresas do mundo em vários setores e em 4 continentes. Pela minha experiência e o que conheço do Portugal empresarial, as minhas recomendações seriam em quatro vetores:

Ambição de liderar nichos no mercado americano – ganhar o mercado americano onde é possível apostar em crescimento e diferenciação, elevando a marca Portugal e marcas dessas empresas deveria ser uma prioridade. A maior Economia do mundo tem espaço para players que trazem alta qualidade a nichos de volume e valor (ao contrário do que se passa nos países emergentes). Para além disso, os EUA beneficiam de um bónus demográfico só ultrapassado pela Índia para as próximas décadas, com um rule of law imbatível e acesso a investidores ambiciosos que buscam oportunidades de alto valor agregado. No geral, vi muitos empresários portugueses nas últimas décadas em busca de mercados com escassez de oferta e proximidade linguística, em vez de procurar ganhar grandes mercados altamente competitivos, com crescimento estável e rule of law. Jogar campeonatos mais competitivos elevará a fasquia das empresas e trará a pressão certa para inovação.

Adoção de AI para leapfrog competitivo – partir à frente na execução de AI como oportunidade para eliminar desvantagens de custo ou acesso a mercados, deveria estar no topo da agenda. AI não é uma ferramenta, é uma utility que mudará radicalmente as cadeias produtivas. Uma oportunidade que está ao dispor de todos, em todo o mundo, a custos similares. O momento é agora. A capacidade de execução neste ponto de inflexão que vivemos ditará os vencedores.

Abrir Capital a investidores ambiciosos e a trabalhadores – muitas das empresas mais pequenas não gostam de novos sócios nem repartir equity pelos seus colaboradores. Essa cultura tem de mudar, a expansão e o “sonho grande” exigem investidores ambiciosos e força de trabalho agressivamente comprometida com o valor do equity. Isso transformará a cultura e resultados das empresas em Portugal.

Governança Aberta – qualquer empresa, independente do tamanho, precisa de criar estruturas como Conselhos Consultivos globais, Boards com footprint internacional, Comitês de inovação para permitir pensar grande e executar grande. Os empresários precisam de ser mais desafiados por quem vem de fora, com novas ideias, novos desafios de expansão e quem conhece os mercados de destino. Continuar a contratar Board members trazendo mais do mesmo establishment português não serve para ganhar este jogo.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Acredito que há oportunidade para ocupar nichos de mercado de alto valor nas cadeias produtivas do setor automotivo e aeronáutico. Portugal criou um cluster automotivo e competências que seguramente permitirá abrir portas nos EUA. No setor de materiais de construção talvez haja oportunidades relevantes para trazer materiais de elevada qualidade, uma vez que as oportunidades em imobiliário e infraestruturas continuarão em níveis recorde. Também poderia fazer sentido liderar alguns espaços na cadeia têxtil de alta qualidade, onde Portugal tem muito a oferecer no segmento premium, e a oferta desse nível nos EUA é valorizada (ver impacto do Made in Italy).

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Considerando a perspetiva de investidores americanos, entrar em empresas de manufatura e equipamentos que apresentem fatores distintivos, inovação e capacidade de ganhar nichos de mercado de alto valor seria bastante atrativo. Muitas empresas têm um tamanho pequeno, mas competências e qualidade muito distintivas – precisamos de democratizar o acesso de capital estrangeiro a essas empresas e seguramente para investidores americanos seria uma oportunidade pela escalabilidade das mesmas.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

A principal vantagem dos EUA está no Mercado de Capitais e no círculo virtuoso do empreendedorismo – investimento que falava acima. Essa vantagem não é replicável. Contudo, reorganizar a governança e preparar as empresas para serem investidas pelo capital certo pode ser replicada em Portugal. Há bastante a ensinar aos segmentos das empresas que podem fazer este movimento, mas será necessário reconhecer que o desenho de estruturas de governança e de capital é bastante diferente do atual para o sucesso global.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Pensamos voltar, mas sem clareza de quando. Hoje, para além da oportunidade profissional estar sempre em evolução, estamos muito felizes por poder dar às nossas filhas a possibilidade de crescer e viver em Manhattan, onde tudo acontece e as probabilidades de ter fantásticas oportunidades futuras são radicalmente superiores.

Acreditamos que Portugal oferece uma excelente qualidade de vida e gostamos de tudo o que tem para oferecer. A nossa família e amigos de infância estão aí e será um prazer voltar em algum momento para ajudar também essa agenda de evolução do Portugal empresarial.

Disclamer: As opiniões expressas neste artigo são as opiniões e perspetivas exclusivamente do autor e não refletem necessariamente as opiniões e perspetivas da Ernst & Young LLP ou outros membros da organização global EY.