3 de Junho de 2025

Entrevista a Nuno Varandas: “Precisamos de trabalhar no nosso posicionamento” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Nuno Varandas, Consultor Executivo em Operações a nível internacional, e Conselheiro do Núcleo Regional da Ásia foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Foi uma oportunidade de carreira, parte do meu percurso profissional para ser o primeiro responsável português de toda a Ásia Pacifico, Japão e China na área de Operações da Cisco, empresa na qual já tinha uma carreira de 16 anos quando me mudei de Lisboa para Singapura.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Uma mudança para a Ásia encerra sempre uma questão do que é ser português e é impressionante o “reach” que Portugal e ser português representa nesta região. A influência portuguesa sente-se e serve como um excelente ice breaker pela perceção da simpatia a memórias que Portugal deixou nesta região do mundo. Fomos e seremos sempre “The First Global Village”!

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

A adaptação a Singapura foi como partir numa nova expedição – não com as velas e astrolábios, mas de mapas mentais, uma grande curiosidade e sensibilidade cultural. A redescoberta e adaptação onde tudo parece perfeito e coreografado e mesclar o ser português onde o improviso, a alma, a conversa e a emoção são o nosso ADN, foi uma experiência fascinante. Mas creio que a capacidade de resiliência e o nosso espírito “navegante” tornou tudo mais fácil para mim e para a minha família. Não mudei quem sou, mas observei e escutei com mais atenção e fui encontrando o meu lugar, como português no oriente, com respeito por normas e culturas, humor e sempre, mas sempre com a saudade bem guardada no meu bolso.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Singapura para mim apresenta aquilo a que chamo ordem com ambição. (Quase) tudo funciona – não só porque é eficiente, mas porque apresenta e tem uma visão clara e partilhada do que o país quer ser e oferecer ao mundo.

Enquanto o mundo se vira para relações comerciais e geopolíticas mais transacionais e mais nacionalistas, Singapura apresenta uma proposta de valor que aposta no talento, na inovação e nas relações de longo prazo. E talvez por isso, apesar de pequena em dimensão, tem um papel desproporcionalmente grande nas decisões globais. Cresce com princípios, atrai sem barulho e lidera com consistência.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Sai recentemente da Cisco, depois de 24 anos em Portugal, Europa e Ásia, e onde tive a sorte de viver experiências muito marcantes a nível profissional e sobretudo pessoal. O que continuo a admirar e valorizar nestas grandes multinacionais é a capacidade de criar pontes entre países, culturas, pessoas e ideias. Trabalhar numa organização global com a Cisco permitiu-me contribuir para o desenvolvimento de equipas e operações em diferentes continentes e testemunhar como a tecnologia, o talento local podem ser alavancas e catalisadores de crescimento e desenvolvimento real nos países onde atuamos.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Muito do que se diz sobre Portugal e o seu potencial já é sobejamente conhecido: talento, criatividade, qualidade de vida, clima, boa formação. Mas o verdadeiro desafio não esta na constatação – esta na capacidade de transformar essas qualidades e vantagens competitivas em impacto estruturado e estratégico. Com base na minha experiência na Ásia e no meu papel como Vice-Presidente da Associação Portuguesa em Singapura (APS), partilho quatro reflexões:

  1. Falta-nos cultura de associativismo e visão coletiva na criação de valor. Quase todos querem exportar a sua marca, o seu serviço, mas poucos estão dispostos a construir a marca Portugal como conceito e representação de uma identidade e maneira de viver. Pensar em património coletivo e não apenas a “minha” marca.
  2. Continuar a expandir a nossa Diáspora Portuguesa como um verdadeiro ativo estratégico para Portugal. Temos uma rede global de portugueses com acesso, conhecimento e experiências. Parte deles (onde eu me incluo) sermos ainda mais ativos e participativos na criação desse valor estratégico. Julgo que teremos de sentir essa “responsabilidade”. Conectar os pontos, criar pontes e arriscar.
  3. Exportar presença, não apenas produto ou serviço. Posicionar Portugal no mundo exige continuidade, investimento em reputação e inteligência cultural. Num mundo Hiper conectado, estar nos contextos certos — com uma proposta clara, posicionamento consistente e ambição internacional — é o que distingue quem simplesmente exporta de quem influencia.
  4. Dotar um mindset de influência, não de dependência. Temos de nos posicionar por mérito e valor, não por necessidade ou expectativa de apoio. A diplomacia económica começa com conteúdo, não com pedidos.

Portugal pode — e deve — assumir um papel mais ativo na construção da sua imagem externa. Para isso, precisamos de sair da lógica do ‘meu produto’ e começar a trabalhar no ‘nosso posicionamento’. Só assim deixaremos de ser descobertos pontualmente… para passarmos a ser procurados estrategicamente.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

  1. Tecnologias e soluções digitais – existe grande procura por soluções de ciber-seguranca, SaaS especializados e tecnologia aplicada à sustentabilidade e eficiência operacional
  2. Agroalimentar premium e vinhos – produtos com identidade e história, têm espaço num mercado que valoriza e paga por qualidade, autenticidade e story telling – mas toda a cadeia logística de embalamento, distribuição e certificações são crucias para o sucesso
  3. Serviços de hospitalidade, design e lifestyle – Portugal tem uma estética e abordagem à hospitalidade que pode ser valorizada aqui, sobretudo em boutique hotels, design de interiores e experiências de luxo com propósito.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

  1. Saúde e Biotecnologia – forte investimento de Singapura em serviços de saúde de ponta e biotecnologia. Portugal apresenta um sector farmacêutico e de biomedicina emergente e pronto para crescer
  2. Agricultura e Industria Alimentar – Singapura importa 90% dos seus alimentos e tem acordos de livre comercio com a EU o que no atual ambiente de geopolítico deve ser explorado para reduzir dependências do mercado Americano.
  3. Imobiliário e Turismo – forte capacidade com fundos imobiliários para explorar áreas em Portugal para turismo de luxo, hotéis com foco em turismo sustentável.
  4. Logistica e Portos – Portugal tem portos estratégicos que ligam Europa à América Latina e Africa. Singapura continua a ser um hub logístico global capaz de investir na modernização de Portos Portugueses e na ligação marítima com a Asia.
  5. Energias renováveis e sustentabilidade – sendo Portugal um líder europeu de energias renováveis, Singapura devido à sua dimensão e geografia apresenta desafios em geração de energia limpa e por isso necessita investir forte em sustentabilidade e novas tecnologias de energia. O recente investimento do Governo de Singapura com a EDP Renováveis é um bom exemplo da oportunidade que este sector tem para Portugal
  6. Tecnologia e Digitalização – sendo Singapura um dos maiores hubs tecnológicos do mundo com presença em fintech, AI e cibersegurança aliado a um ecossistema de start-ups em crescimento em Portugal, devera ser uma área a ter em conta. Atrair investimento para este sector, com uma rede de incentivos atrativa pode permitir a Portugal posicionar-se também como um hub tecnológico estratégico a nível mundial.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Pondo de parte aspetos políticos e no modelo de governança do Estado de Singapura vejo claras vantagens no ecossistema empresarial em Singapura que Portugal poderia tentar adotar. Havendo vários, gostaria, no entanto, de salientar 3 que acho serem bastante pertinentes:

Planeamento urbano e Infraestruturas – Singapura, embora mais pequena que a Ilha da Madeira em termos de área geográfica, tem cerca de 6M habitantes e 77% da população vive em habitações publicas subsidiadas pelo governo. O excelente planeamento urbano, um sistema de transporte publico de classe mundial e habitação acessível para os locais cria a receita perfeita no desenvolvimento de Singapura

Educação e desenvolvimento de talento – focado principalmente em áreas na Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática permite preparar, educar e reter talento para indústrias de alto valor acrescentado

Digital e Governo – Singapura deve ter aos dias de hoje um dos governos mais digitalizados do mundo, o que permite mais produtividade e mais eficiência no acesso a serviços públicos.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

O regresso a Portugal faz parte dos meus planos, por duas razoes simples. O regresso a casa para estar perto dos meus e também poder trazer aquilo que aprendi como gestor global e poder contribuir para o desenvolvimento, como outros nossos gestores, das nossas empresas apoiando o seu crescimento e sucesso.