14 de Outubro de 2025

Entrevista a Octávio Simões: “Portugal precisa de criar um mercado de trabalho aberto” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Octávio Simões, Advisor na área de Energia e Conselheiro do Núcleo Regional dos EUA, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Eu saí de Portugal em 1977 para entrar na Universidade. Quando acabei o liceu em 1976, passei um ano no serviço cívico, ou seja, não fiz nada, pois estava tudo muito desorganizado. Parti para tirar o curso de engenharia numa situação mais estável do que em Portugal, mas com intenção de regressar após completar o curso; só que me apaixonei pelo país, pelas oportunidades, pela abertura, e fiquei até hoje, já lá vão 47 anos.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Ser português no estrangeiro desperta uma atitude de resolver sempre as coisas, nunca descartando qualquer opção, uma abertura sem preconceitos a todas as culturas, e uma vontade enorme de me afirmar com muito orgulho em ser português. Não sendo o inglês a minha primeira língua, cedo descobri que tinha uma vantagem em reuniões de negócios que consistia em ler acima de tudo a linguagem corporal. Mais tarde, quando a minha carreira se tornou muito internacional com parceiros que não dominavam bem a língua inglesa, demonstrei uma grande capacidade de entender bem a vontade dos meus interlocutores. Além disso, os portugueses não são vistos como um povo ameaçador ou com ideias de superioridade, de modo que o contacto sempre foi fácil e sem dificuldades.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Estudar nos EUA foi financeiramente muito complicado pois os meus pais não podiam enviar divisas no fim dos anos setenta, devido a regras do governo da altura. De modo que fui eu que, através de empregos vários, paguei pelos meus estudos e custos de vida. Ao agarrar todos os trabalhos que podia, isso acabou por me ajudar imenso a desenvolver capacidades que nunca teria desenvolvido na Universidade, nomeadamente a venda de ideias e produtos, iniciativa empresarial, aprendizagem de “encaixar” a palavra “não”, e a tomada de riscos.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Até recentemente, os EUA tinham uma cultura de mérito, trabalho árduo para atingir objetivos, e celebração do sucesso independentemente da atividade. Barreiras para obter crédito eram muito poucas e a ajuda dos serviços do governo era uma constante. Este meio viciava-nos a atingir sempre algo mais. Esse ambiente foi um grande catalisador para mim e encorajou toda e qualquer iniciativa que me passava pela cabeça. Foi uma cultura em que nada era impossível. Infelizmente, para pessoas que vivem fora dos EUA, existe uma perceção errada do povo americano e como o governo e sociedade funcionam, talvez devido à imagem que Hollywood fornece ou uma visita casual a Nova Iorque ou a Los Angeles. É pena, pois a generosidade e abertura dos americanos é cativante e a falta de protocolo cerimonial no trato e no uso de títulos é algo que eu também sempre apreciei.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Nos últimos doze anos como CEO de duas empresas dedicadas a uma atividade global no ramo de energia, tive a oportunidade de exercer funções no mundo inteiro numa área critica à prosperidade e bem-estar dos povos. Participar ativamente na construção de soluções pragmáticas que desenvolvam o bem-estar, eliminar a pobreza energética, e dar condições a gerações que sem energia continuariam num défice obsceno de qualidade de vida foi a chama que todos os dias me levava a trabalhar com mais afinco do que no dia anterior. Poder juntar paixão à parte intelectual é uma receita que recomendo a todos. Profissionalmente e pessoalmente, não podia desejar mais e foi extremamente aliciante.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Fazer parte da União Europeia traz muitos benefícios, mas também “amarra” Portugal a uma cultura europeia que, na minha opinião, está um pouco desligada da realidade no resto do Mundo. Em 2050, o registo demográfico indica que as regiões do Mundo liderando o desenvolvimento e crescimento não incluem a Europa. Portugal tem capacidade histórica e cultural para se virar mais para a Ásia e África e ter um papel muito importante no fomento e desenvolvimento daquelas regiões, criando, ao mesmo tempo, imensas oportunidades para empresas portuguesas. Recomendaria também que o modelo de gestão e funcionamento das empresas em Portugal seguisse uma direção de menos protocolo, mais abertura a ideias novas, uma estrutura mais horizontal e com delegação efetiva de poderes e decisão, e um compromisso inabalável de combater a eliminação de normativos governamentais e estruturas fiscais contraproducentes.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Primeiro, Portugal tem de identificar os sectores e produtos com capacidade para servir um mercado de 350 milhões de pessoas. Que indústrias e atividades podem produzir algo em grande escala? Depois, é questão de criar algo diferenciador. Ao longo dos anos, observo com alguma preocupação que Portugal, de um modo geral, não tem feito um esforço significativo para identificar os pontos fortes e de seguida planear e criar apoios para que certas indústrias e atividades cresçam e sejam mais eficientes e produtivas. Por exemplo, os nossos vinhos têm um espaço muito interessante no mundo, mas podiam ser mais conhecidos e respeitados – o vinho do Porto é uma exceção. A nossa cerâmica e outras indústrias transformadoras também poderiam ter um impacto maior nos mercados internacionais se conseguissem ter uma dimensão maior. Portugal tem alguns produtos fantásticos, mas não conseguimos criar a imagem necessária para que esses produtos alcancem os níveis de vendas que decerto poderiam ter devido à sua qualidade. Estes são somente alguns exemplos, mas há mais.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Investir em Portugal é complicado devido ao pequeno tamanho do mercado. As dificuldades logísticas e burocráticas aumentam o problema e certos aspetos da regulamentação laboral não atraem o investimento. No sector do turismo e imobiliário, esse investimento faz-se hoje de forma regular. No entanto, ao nível industrial, acredito que haveria uma série de oportunidades se Portugal tivesse uma abertura maior ao investimento estrangeiro e uma maior competitividade no sector laboral. Essencialmente, Portugal tem de oferecer estabilidade a vários níveis para que o investimento possa ser feito com uma certa segurança – o que nem sempre tem acontecido. É de salientar que países que conseguem criar essas condições atraem o investimento com relativa facilidade.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

São várias as vantagens que Portugal precisa de criar. Entre elas, destaco um mercado de trabalho aberto sem limitações de movimentos, um regime fiscal que incentiva o investimento de pequenas e médias empresas, e uma cultura de celebração do sucesso. O número de pequenas empresas que se formam todos os anos nos EUA é enorme; e muitas delas não são bem-sucedidas. Mas o meio é tal que outras oportunidades são iniciadas. Esta constante fluidez e mobilidade fomentada pelo acesso fácil a crédito da banca e a estrutura fiscal são o “sangue” deste país. 70% das empresas nos EUA são pequenas empresas, muitas delas com um proprietário e trabalhador singular – por exemplo, o canalizador ou eletricista. Trabalhar por conta própria é o objetivo, mesmo com a insegurança que tal acarreta. Esta cultura é uma vantagem competitiva enorme.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Durante a minha carreira, tentei desenvolver vários projetos em Portugal, infelizmente sem sucesso. Os projetos eram relativamente pequenos quando comparados com o que eu estava a fazer noutras partes do globo, mas a nostalgia de fazer algo em Portugal fazia com que eu tentasse. Os obstáculos foram imensos. Toda a minha atividade profissional foi exercida numa cultura corporativa muito diferente da de Portugal, de modo que nunca pensei que trabalhar em Portugal fosse uma boa ideia. No entanto, mantive sempre uma ligação muito estreita e colaborei sempre que tive oportunidade com companhias e individualidades portuguesas. Em junho eu terminei a minha atividade como CEO e não tenho apetite para continuar uma carreira executiva. Neste momento a ideia é continuar a minha atividade profissional participando em conselhos de administração que estou a avaliar. Alguns em Portugal? Tudo é possível e teria muito gosto.