No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Paula da Silva, Membro do Conselho de Administração do Banco de Fomento Sueco, SEK Svensk Exportkredit, e Conselheira do Núcleo Regional da Europa de Leste, foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE A LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
O meu pai conseguiu um contrato de trabalho como soldador no grande estaleiro sueco, Kockums, que construía navios petroleiros para exportação mundialmente. Eu tinha nove anos de idade e juntamente com a minha mãe e dois irmãos fomos todos para a cidade de Malmö, na Suécia. Mais tarde tiveram mais uma filha, já nascida na cidade de Malmö. Na época o que atraiu foi uma vida mais cómoda financeiramente, com escolas de alto nível gratuitas, assim como oportunidades de desenvolvimento, liberdade de expressão e uma sociedade igualitária. Para nós, crianças, ofereceu-nos uma oportunidade única de ter uma experiência extraordinária, um contacto com novas tradições e costumes. Deu-nos uma visão mais ampla, além da nossa cultura, a qual sempre mantivemos, e que nos fez mais fortes e resilientes.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUESA?
Ser portuguesa trouxe a vantagem de ter mais uma língua, o que facilitou aprender idiomas adicionais, um diferenciador positivo num contexto internacional. A experiência de mudança para outro país também trouxe uma mentalidade de resolução, resiliência e criatividade, as quais me foram muito úteis tanto na vida quotidiana como na carreira. Somos um povo com uma enorme facilidade de adaptação, o que é um grande valor. Como estrangeira do sul da Europa, sempre tive de lutar um pouco mais que os meus pares suecos, o que talvez tenha servido para conseguir escalar numa indústria com um legado muito tradicional.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
A Suécia sempre foi e continua a ser um país muito diferente de Portugal, mas há mais de 50 anos as diferenças eram abismais. O povo sueco é mais calado, uma sociedade muito mais amena e que não gosta de conflitos, tem uma mentalidade de liberdade, sempre. Como portuguesa tive de aprender e adaptar-me a uma mentalidade diferente. Mantendo a força de vontade portuguesa, mas com estratégias diferentes. Aprendi que para chegar ao resultado desejado nem sempre se pode caminhar pelo caminho mais curto, senão o mais eficiente duma maneira mais estratégica. É um benefício enorme ter as duas capacidades, mas nem sempre foi fácil. A seriedade, criatividade e paixão portuguesa fizeram toda a diferença. São superpoderes que, acredito, temos no sangue, os quais podemos continuar a desenvolver.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
A maneira de trabalhar em grupo e ouvir todas as perspetivas, leva a soluções e decisões mais informadas e mais fáceis de implementar. Organizações mais planas levam a decisões consensuais e implementam estratégias mais facilmente. Os suecos são muito bem vistos no mundo, por serem honestos, cumpridores de palavra e bons negociadores. Por isso muitas vezes são escolhidos para missões globais, difíceis que requerem conseguir ver opiniões fundamentalmente diferentes. Mantendo os próprios valores e respeitar os valores de outros, é uma coisa que observo diariamente e que admiro muito. Seria algo que penso nos beneficiaria também, se praticado mais frequentemente no nosso país.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Trabalhei na banca privada durante 4 décadas, com gestores engajados a longo prazo, com grande capacidade de adaptação aos câmbios geopolíticos e macroeconómicos de cada época. Esta estratégia tem estabelecido a resiliência, orgulho e paixão pelo trabalho em todos os níveis, e tem mantido a instituição no topo da gama durante dois séculos. O banco SEB é um banco internacional, gerido pela mesma família, Wallenberg, há seis gerações. Tenho uma grande admiração pela maneira como conduzem os negócios, não só do banco, mas também no grupo empresarial, desde sempre. Não é o último centavo nem os resultados do último trimestre que contam, senão a sobrevivência e prosperidade das empresas a longo prazo. Estes valores trazem lealdade e uma enorme admiração.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
O trabalho em rede (network) é muito importante e poderia ser muito mais explorado em Portugal. Estabelecer e cativar cadeias de mantimentos “end to end” é muito importante para o país. A inclusão de competências diversas e de fornecimentos e financiamento adequados, forma uma indústria mais sólida e resiliente. Portugal é muito mais forte do que a capacidade de cada empresa. Também, o modelo sueco de trabalhar em colaboração entre o estado e a vida empresarial sueco seria muito beneficioso para Portugal, e valeria a pena ser estudado mais profundamente. Portugal, sendo um país pequeno na Europa, precisaria colaborar mais intensamente com a comunidade europeia para assim beneficiar ainda mais de fundos acessíveis para projetos portugueses. Necessitamos de mais investimentos em infraestrutura, energia e crescimento da nossa indústria. Neste campo devemos ampliar a nossa forma de entender como funciona “o jogo” europeu. Necessitamos de mais indivíduos nos grupos de trabalho, nas comissões e nos conselhos onde se tomam estas decisões, para assim levar o nosso país a ser ainda mais competitivo e a liderar.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
A Suécia tem setores de defesa, telecomunicações e mineração mundialmente reconhecidos, que beneficiariam dos conhecimentos e competências portuguesas, especialmente se incluirmos todas as áreas lusófonas no mundo aonde Portugal tem qualificações e conhecimentos específicos. As nossas capacidades de liderança internacional, e espírito de aventura são únicos e benéficos em muitos setores ainda não explorados.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
No setor mineiro, defesa, energia e telecomunicação. O comércio entre a Suécia e Portugal ainda não é significativo e poderia crescer muito mais. Temos muito talento em Portugal, principalmente entre as novas gerações, e há muitas empresas suecas a usufruir deste mesmo, através de investimentos na área de serviços em Portugal. Temos oportunidade de aprender e gerar novos negócios basados neste talento para nosso próprio benefício. Na área digital, de programação, inovação e IA, é importante cuidar deste talento, oferecendo condições internacionais para crescer dentro do país. Esta área está a desenvolver-se muito rapidamente e precisamos de atuar já para não perder competitividade e ritmo. Com a nossa capacidade de adaptação poderíamos posicionar-nos como parceiro estratégico para as empresas que já nos escolheram e que já nos valorizam pelo nosso talento como uma plataforma para crescimento.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
A Suécia e Portugal são países com alta dependência de exportação/importação com cerca de 50% do PIB investidos nesta área. Os métodos suecos de trabalho, a capacidade de inovação assim como acesso à Banca de Fomento especializada como o Svensk Exportkredit (financiamento estatal) e o Exportkreditnämnden (garantias estatais), são frequentemente levantados como vantagens competitivas para projetos e negócios internacionais beneficiosos para exportadores suecos. Estas formas de trabalho assim como a colaboração estatal/privada poderia ser mais profundamente estudada e replicada em Portugal, ampliando assim o alcance da indústria portuguesa mundialmente. A Suécia está no top de países mais inovadores do mundo, é a matriz de muitas indústrias experimentais e de nova tecnologia avançada. O intercâmbio entre os dois países seria, sem dúvida, um benefício mútuo.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Talvez um dia. Atualmente, as vantagens do teletrabalho já me proporcionam formas de passar mais tempo em Portugal, o que adoro. Portugal tem um clima muito agradável, uma ótima cozinha e um povo simpático, muito aberto e prestável. É uma sociedade diversa com uma enorme capacidade. Gostaria de poder ajudar no crescimento e desenvolvimento do país. Estando fora do país há mais de meio século, estou a reintegrar-me e a reaprender muitos dos costumes portugueses, e admiro a forma como sempre há soluções e seguimos em frente. Coincide bem com a minha mentalidade e sinto que é muito apelativo.