1 de Agosto de 2025

Entrevista a Ricardo Vale: “Empresários portugueses devem ser mais ambiciosos” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Ricardo Vale, Diretor-Geral no Emaar Hospitality Group, e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente, Índia e Egito, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

A decisão de sair de Portugal foi motivada por uma combinação de ambição profissional e curiosidade cultural. Desde muito cedo, sempre tive uma grande paixão pelo setor da hotelaria e pelo contacto com pessoas de diferentes origens. Trabalhar fora do país surgiu naturalmente como uma oportunidade de crescimento. A hotelaria é, por natureza, uma indústria global, e percebi que, para atingir os meus objetivos de carreira e desenvolver uma visão mais abrangente da gestão hoteleira, seria fundamental viver e trabalhar em contextos internacionais.

O meu primeiro desafio internacional abriu-me os olhos para as enormes oportunidades que existem fora das nossas fronteiras — não só em termos de carreira, mas também no que diz respeito ao desenvolvimento pessoal. Sair de Portugal não significou um afastamento do país, mas sim uma forma de me enriquecer com novas experiências, que hoje levo comigo e aplico diariamente na liderança das equipas com quem trabalho.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Ser português tem sido, sem dúvida, uma mais-valia. A nossa cultura está profundamente enraizada em valores como a hospitalidade, a empatia, a capacidade de adaptação e a resiliência — qualidades fundamentais em qualquer contexto internacional. O profissional português é geralmente bem visto no estrangeiro por ser trabalhador, flexível e por ter uma abordagem equilibrada à resolução de problemas.

Por outro lado, uma eventual desvantagem poderá estar relacionada com a ainda limitada projeção internacional de Portugal enquanto “marca profissional”. Muitas vezes, temos de provar mais do que outros, vindos de países com maior presença internacional, mas isso também nos fortalece e obriga a sermos consistentes e a entregar resultados de forma sólida e sustentada.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Os obstáculos foram muitos, como é natural em qualquer percurso internacional, sobretudo quando se assume a responsabilidade de liderar operações complexas e culturalmente diversas. Um dos maiores desafios foi a adaptação a contextos culturais muito diferentes daquele em que fui formado, tanto na forma de comunicar como na gestão de pessoas. A liderança no Médio Oriente, por exemplo, exige um equilíbrio entre firmeza e sensibilidade cultural, algo que se aprende com tempo, humildade e muita escuta ativa.

Outro desafio foi construir credibilidade num ambiente altamente competitivo, onde os resultados falam mais alto do que o currículo. Superei esses obstáculos com foco, dedicação e um forte compromisso com os valores que sempre me guiaram: integridade, profissionalismo e respeito pelas pessoas. A formação contínua também foi essencial — nunca deixei de aprender, de me atualizar e de observar atentamente os modelos de sucesso ao meu redor.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

O Bahrain é um país surpreendente, que combina tradição e modernidade de forma harmoniosa. É um dos países do Golfo com maior abertura cultural e social, e isso sente-se no dia a dia, tanto na forma como se fazem negócios como na vida em sociedade. Admiro particularmente a forma como valorizam a educação, o investimento em inovação e o apoio ao empreendedorismo local.

Há também um espírito de hospitalidade muito genuíno, algo com que me identifico bastante. As pessoas são calorosas, respeitadoras e existe um forte sentido de comunidade. Além disso, o Bahrain tem uma localização estratégica, o que o torna um hub natural para negócios e turismo no Golfo. A ambição do país em se tornar um destino premium, tanto para o lazer como para o turismo de negócios, é clara — e é muito motivador fazer parte deste movimento de transformação.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Trabalho atualmente como Diretor Geral na cadeia de hotéis ADDRESS Hotels & Resorts, parte do grupo Emaar Hospitality, um dos mais prestigiados do Médio Oriente. O que mais admiro na empresa é a forma como combina uma visão de luxo contemporâneo com uma abordagem muito centrada nas pessoas — tanto clientes como colaboradores.

Existe uma cultura muito forte de excelência, onde a inovação é incentivada e onde os profissionais têm espaço para crescer e para contribuir ativamente com ideias. A empresa valoriza o detalhe, a experiência personalizada e, acima de tudo, a consistência. Trabalhar num grupo com esta dimensão obriga-me a estar sempre um passo à frente, a antecipar tendências e a garantir que a equipa está motivada e alinhada com os objetivos estratégicos. É uma cultura de exigência positiva, que potencia o melhor de cada um.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Portugal tem vindo a ganhar protagonismo nos últimos anos, mas ainda existe um enorme potencial por explorar. A minha principal recomendação seria apostar mais na internacionalização e na promoção da marca Portugal. Temos produtos e serviços de qualidade excecional, mas muitas vezes pecamos na forma como os comunicamos ou posicionamos lá fora.

É também essencial investir em formação contínua, sobretudo em áreas como liderança, inovação e competências digitais. A gestão moderna exige uma mentalidade global, capacidade de adaptação e um foco claro em resultados. Os empresários portugueses devem ser mais ambiciosos, pensar em parcerias internacionais, e olhar para mercados como o Golfo, onde há procura por qualidade e autenticidade — algo que Portugal pode oferecer como poucos.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

O Bahrain, tal como outros países do Golfo, tem um grande apetite por produtos e serviços premium, sustentáveis e com identidade. Vejo oportunidades concretas para empresas portuguesas em setores como Turismo e Hotelaria, Arquitetura e Design de Interiores, Tecnologias sustentáveis, Agroalimentar de qualidade e Moda e Lyfestyle onde marcas com identidade própria, que consigam contar uma historia, tem espaço para crescer nestes mercados.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Portugal é cada vez mais visto como um país atrativo para investimento, não só pelo clima e localização, mas também pela estabilidade e talento. Setores que despertam grande interesse no Médio Oriente incluem o Imobiliário residencial e Turístico, Turismo de saúde e bem estar , Startups tecnológicas e Educação e formação .

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Uma das grandes vantagens competitivas do Bahrain é a agilidade na tomada de decisões e o alinhamento entre o setor público e o privado. Existe uma clara visão estratégica de país, que é partilhada por diferentes instituições e que permite uma atuação coordenada. Os projetos avançam rapidamente, e os processos burocráticos são simplificados para atrair investimento.

Portugal poderia beneficiar de um modelo semelhante, com uma administração mais ágil, menos burocrática e mais focada em resultados concretos. Além disso, o Bahrain investe fortemente em inovação e tecnologia como alicerces do crescimento — algo que também poderia ser mais reforçado em Portugal.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Portugal é e será sempre casa. Penso muitas vezes em voltar, não apenas por razões pessoais e familiares, mas também pelo desejo de contribuir ativamente para o desenvolvimento do país. A experiência internacional deu-me uma perspetiva mais ampla e uma bagagem valiosa, que gostaria de colocar ao serviço de Portugal, nomeadamente na área do turismo e hospitalidade, onde acredito que podemos afirmar-nos ainda mais no contexto global.

Acredito que regressar um dia será uma forma de retribuir tudo aquilo que o país me deu — a base sólida, os valores e a formação que me permitiram chegar onde estou hoje.