No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Tiago Magalhães, Vice-Presidente de Bioinformática na G42 Healthcare e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Saí de Portugal por oportunidades de trabalho que foram aparecendo, e também pela vontade de conhecer o mundo. A minha primeira experiência internacional, foi em Bochum na Alemanha, via programa Erasmus. Depois fiz o doutoramento em Berkeley, nos Estados Unidos, e trabalhei no Brasil, Irlanda e agora UAE (e alguns meses em Timor Leste e Canadá). Também trabalhei em Portugal alguns anos, com experiências profissionais muito ricas. As oportunidades de trabalho dependem de um conjunto de variáveis; o país é uma delas, muito importante, mas não a única. As minhas escolhas profissionais tiveram sempre algum acaso, estive sempre aberto a ouvir propostas fora da minha zona de conforto. O atual emprego resultou de uma abordagem no LinkedIn, e aceitei este emprego porque seria imperdível dirigir a análise bioinformática do maior programa genómico do mundo, e a sua aplicação clínica a um país inteiro. O Emirati Genome Program (EGP) está a mudar o panorama das doenças raras na região e no mundo, o tratamento de cancro, e o modo como os medicamentos são aplicados (através da farmacogenómica). Para além de ser o motor de investigação que vai levar a novos medicamentos e novos diagnósticos.
2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?
Nunca senti muita diferença por ser português. Somos geralmente vistos com simpatia, e bem recebidos. Se alguém conhece Portugal, é uma ótima maneira de quebrar o gelo: falamos de Coimbra ou de Faro, Lisboa ou Porto. A comida, e a nossa história também é motivo de conversa. E aqui nos UAE já várias pessoas me pediram para apoiar mudanças para Portugal, e conselhos sobre empregos e vistos. O Cristiano Ronaldo é tema de conversa habitual. Há alguns anos Mourinho foi uma grande ajuda: deixámos de ser bonzinhos, mas inócuos, para sermos vistos como profissionais, mesmo se menos simpáticos. Durão Barroso, António Guterres e António Costa também já apareceram nas conversas. Desvantagens especificamente por ser português nunca senti. Por vezes há desvantagens em não se ser do país em que se está, por não se falar a língua, o que é natural. E por vezes quem fala inglês nativamente tem alguma vantagem.
3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Na minha vida profissional no estrangeiro, devido a culturas e modos de pensar diferente há situações difíceis de entender porque não se cresceu nesse meio cultural. Superar esses obstáculos envolve um método simples e aborrecido: bom senso, trabalho, mostrar a qualidade profissional, não estar muito ansioso de mostrar que se sabe, e não cair na tentação de inventar. E perceber que há assuntos que é melhor serem outros/as a tratar.
4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
Há 53 anos quando o UAE se formou, quase não havia escolas, nem estradas. Hoje o país é uma das referências económicas do mundo. Este progresso em 53 anos é extraordinário. Admiro a ambição de acreditar que qualquer projeto pode ser o melhor do mundo, e de avançar para esses projetos sem pensar muito nas consequências de falhar. Também admiro a vontade de progresso, e de tentar que este país e o mundo sejam melhores lugares no futuro próximo; há um certo idealismo e otimismo no futuro que o Ocidente perdeu (espero que rapidamente seja recuperado). Há também a capacidade de moderação e calma, numa região do mundo, onde calma e moderação não são evidentes o tempo todo.
5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Na M42, a empresa onde estou admiro a capacidade de querer fazer sempre mais, e querer ser sempre o melhor em cada projeto. A maneira como projetos se começam sem excessivo planeamento ou demoras. Esta atitude também acarreta um conjunto de problemas, e frustrações porque há detalhes que deveriam ter sido pensados atempadamente e não foram. Mas a vontade e a ambição de fazer coisas novas é fantástica. Também admiro todos os recursos que existem na M42: temos o maior laboratório de genómica do mundo, um departamento de ensaios clínicos, diagnósticos, os melhores hospitais da região, projectos de monitorização de esgotos. Isto permite-me conhecer muitos programas diferentes e aprendo muita coisa todos os dias. E finalmente as pessoas de muita origem diversa, mas com quem tenho muitas afinidades pessoais e profissionais.
6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
Que contratem mais gente de grande qualidade, que está disponível para trabalhar em Portugal, e que as universidades portuguesas (e não portuguesas) estão a formar há já largos anos. Que arrisquem mais em projetos não óbvios; e avancem, sem paralisar projetos por detalhes. Outra recomendação seria de trabalharem muito os príncipios das equipas e conseguir colocar toda a gente a perceber que só se chega lá com todos/as a remar para o mesmo sítio. Aconselharia a gastar menos tempo em tricas irrelevantes, ou a discutir o que deveria ter sido feito de outra forma depois dos projetos iniciados. O “era bom era se tivéssemos feito de outra maneira…” não ajuda nada.
7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Em todos os setores; e estão a fazê-lo, tenho encontrado muitos portugueses a conseguir fazer negócio por aqui. Mas na área que conheço melhor, a saúde, há oportunidades em serviços especializados, de nicho que os UAE querem e necessitam para evoluir ainda mais. Por exemplo, só nestes últimos dias estiveram cá o Gonçalo Leal, e Elsa Marta Soares do SpeechCare therapy, ou o José Leal da Ophiomics. Entrar no mercado do UAE não é fácil, exige conhecimentos e parceiros locais; há diferenças culturais significativas, e os ritmos são por vezes de tudo ou nada. É preciso ter paciência para aprender, ouvir, e dar o que os interlocutores estão realmente a pedir.
8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Turismo, saúde, energia. Os UAE têm bastante capital e estão muito interessados —é a sua missão aliás— em diversificar a sua economia, para estar menos dependente do setor da Energia. Têm-no feito com sucesso, em setores como turismo, serviços financeiros, mas querem ir mais longe. A AI tem tido um enorme interesse e projetos concretos e sólidos de AI serão de grande interesse. Outra área de investimento é na sustentabilidade; há muito motivação política em diminuir a dependência do petróleo, e a COP28 no Dubai reforçou ainda mais esse interesse. Não é fácil ser um país sustentável, com gasolina e petróleo barato, mas há um grande comprometimento político na sustentabilidade.
9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS ONDE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
São países muito diferentes, e os UAE têm uma situação muito particular. Algo que poderíamos aprender é na ambição e acreditar que é possível fazer coisas, e avançar para elas sem grandes medos. Outro aspeto é como os UAE olham para todos os países e todas as nacionalidades e sabem que toda a gente pode contribuir para a sua Economia. Portugal precisa de estrangeiros para fazer crescer a sua Economia (na realidade até para sobreviver, tendo em conta a nossa demografia…). Mas o medo parece ter tomado conta do nosso país; esperemos que o bom senso volte rapidamente, e se possa pensar em situações de atrair imigrantes, famílias, com condições para se integrarem, prosperarem e fazerem prosperar o nosso país.
10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Sim, no meu futuro profissional imagino voltar para Portugal. Gosto muito de Portugal, sou português, é aí a minha cultura, e é sempre um lugar onde me sinto muito bem. Portugal é um país com gente muito capaz, sólido, instituições fortes, seguro. Também tenho vontade de ajudar Portugal e a Europa no que puder. A genómica vai ser fundamental na resolução de problemas de saúde, e programas de larga escala vão acontecer mais cedo ou mais tarde. Medicina personalizada, novos medicamentos, cura de doenças raras, são tudo áreas onde Portugal pode ser competitivo. Outra opção interessante é iniciar uma empresa na área da genómica, retomando uma ideia antiga. Portugal não tem muito capital interessado ou disponível em ideias menos seguras e fora de investimentos certinhos, mas pode ser que os anos difíceis que aí vêm ao nível internacional, obriguem a uma mudança também nesse aspeto.