15 de Julho de 2025

Entrevista a Artur Duarte: “Angola possui uma riqueza natural e cultural inexplorada” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Artur Duarte, CEO Tranquilidade Angola, e Conselheiro do Núcleo Regional de África, foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

A saída de Portugal foi enquadrada no contexto do programa de internacionalização do grupo financeiro no qual trabalhava em 2010. Era assessor do Conselho de Administração para esse programa e escolheram-me para iniciar o percurso de criação de empresas de raiz (start-ups), ou aquisições, ou joint ventures em mercados que fizessem sentido na estratégia do grupo.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Sempre considerei ser português como um ativo valioso, desde logo porque diplomaticamente Portugal tem boas relações com a maioria dos outros Estados. Adicionalmente, os portugueses têm uma boa imagem no exterior, sendo-lhes reconhecida a capacidade técnica e a elevada produtividade.

Os portugueses são igualmente reconhecidos como pessoas com ética, sem arrogância e confiáveis, algo que senti das partes terceiras em todos os processos de negociação ou de instalação com as autoridades de supervisão locais. Fomos sempre muito bem “recebidos”.

Por tudo isto, acredito firmemente que os quadros portugueses representam um ativo estratégico para a projeção internacional e reforçam o soft power de Portugal no estrangeiro.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Ao longo da minha carreira internacional, enfrentei vários desafios, mas recorri sempre a duas ferramentas fundamentais. A primeira foi manter-me fiel aos meus princípios. Acredito que, no fim do dia, uma pessoa é uma pessoa — independentemente do país ou da empresa — e que o sucesso organizacional depende sobretudo das pessoas e da cultura em que estão inseridas. Nunca cedi nos meus valores apenas para ser mais facilmente reconhecido. A segunda foi a curiosidade: procurei sempre entender o “alfabeto” de cada país — a sua cultura, o seu passado e como isso molda comportamentos. Não mudei as minhas crenças, mas adaptei a forma de comunicar, ajustando o caminho ou a linguagem para chegar ao mesmo destino, sempre com foco no propósito.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

O que mais me impressiona é, sem dúvida, a capacidade de resiliência das pessoas e das empresas. Existe uma força interior notável, uma capacidade de se manterem firmes e determinadas mesmo perante os maiores obstáculos.

O modo como enfrentam as dificuldades – com otimismo, coragem e uma fé inabalável no futuro – é verdadeiramente inspirador. Mesmo quando os contextos são altamente adversos e as soluções parecem distantes, há uma atitude de “não desistir”, de seguir em frente com convicção.

Esta forma de estar, tão marcada por esperança ativa, contrasta com realidades onde o desânimo se instala com facilidade. Aqui, sente-se que a adversidade é encarada como um catalisador para encontrar soluções — muitas vezes com poucos meios, mas com uma enorme vontade de fazer acontecer.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Falando da organização como um todo, o que mais se destaca é a forma como tem os processos estruturados e o seu core business solidamente consolidado, permitindo-lhe uma atuação simultaneamente inovadora na distribuição e rigorosa na gestão do risco. Esta combinação garante uma evolução sustentada nos resultados, com impacto visível e consistente.

A capacidade de atrair, integrar e desenvolver novos talentos é igualmente notável. A organização consegue substituir e renovar competências de forma harmoniosa, promovendo um ambiente de aprendizagem contínua, refletido numa evolução clara do nível médio das competências internas. Este processo de crescimento humano não é imposto — é natural e orgânico, com o envolvimento de todas as equipas, traduzindo-se numa verdadeira cultura de partilha e desenvolvimento coletivo.

A força da marca e os valores que a sustentam são, por si só, elementos que inspiram orgulho e motivação. São facilmente reconhecidos e interiorizados pelos colaboradores, reforçando o sentido de pertença e alinhamento com o propósito da organização.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Recomendo, em primeiro lugar, que se inspirem nos muitos exemplos positivos de empresas, empresários e gestores portugueses que conseguiram afirmar-se de forma consistente em mercados internacionais. São casos que provam que Portugal tem capacidade, talento e visão para competir ao mais alto nível, quando existe estratégia, preparação e persistência.

É essencial que os mercados externos sejam encarados numa lógica de médio e longo prazo, e não como oportunidades pontuais ou ações táticas. Internacionalizar é, acima de tudo, construir relações duradouras, investir na adaptação local, respeitar os contextos culturais e desenvolver propostas de valor ajustadas a cada realidade.

A internacionalização oferece oportunidades que vão muito além do crescimento financeiro. Permite evoluir enquanto organização, desafiar os modelos internos, adquirir novas competências, ganhar escala e robustez. É um processo que, bem gerido, enriquece a empresa a todos os níveis — estratégico, humano, tecnológico e cultural.

Por isso, o meu apelo é para que Portugal e os seus empresários não cedam ao imediatismo. Que evitem decisões reativas, motivadas apenas por ganhos rápidos ou conjunturas favoráveis, e apostem antes em modelos sustentáveis e estruturados, assentes em conhecimento, confiança e presença no terreno.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Angola continua a apresentar enormes oportunidades de negócio, particularmente para empresas que tragam know-how, soluções adaptadas à realidade local e uma abordagem de médio-longo prazo.

Os setores produtivos, nomeadamente o agrícola e o industrial, surgem como prioritários. O país tem vindo a apostar de forma crescente na diversificação da sua economia, reduzindo a dependência do petróleo e valorizando a produção local de bens alimentares e transformados. Aqui, Portugal pode acrescentar valor significativo, tanto pelo conhecimento técnico acumulado ao longo de décadas como pela experiência em projetos de pequena e média escala, com forte impacto territorial.

Outro setor com enorme potencial é o turismo. Angola possui uma riqueza natural e cultural inexplorada, com paisagens, biodiversidade e património que rivalizam com os destinos mais procurados de África. A experiência portuguesa em hotelaria, restauração, formação turística e gestão de destinos pode ser decisiva para apoiar o desenvolvimento sustentável deste setor, tanto na vertente interna como no posicionamento internacional de Angola como destino turístico.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Apesar da atual instabilidade global das relações internacionais, acredito muito na contínua evolução da deslocalização das pessoas e da economia gerada por esses movimentos, como tudo o que sejam relacionados com exportação de produtos alimentares e nas áreas de imobiliário. Sendo que também podem fazer esse investimento através de parcerias partilhadas de capital em iniciativas que se desenvolvam em ambos os países, reforçando assim as relações empresariais e criando um ambiente de negócios mais favorável.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Embora se tratem de realidades distintas e economias em estágios de desenvolvimento diferentes, acredito que existe uma vantagem competitiva em Angola que Portugal poderia valorizar e integrar mais ativamente na sua estratégia de futuro: o potencial da sua população jovem.

Angola distingue-se por ter uma população maioritariamente jovem, dinâmica, com crescente acesso à formação e com uma enorme vontade de evoluir e contribuir para o desenvolvimento do país. Este capital humano, quando devidamente capacitado, representa uma força de trabalho com grande margem de crescimento, adaptabilidade e ambição.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Sim, vai depender muito do projeto onde estou e das oportunidades que surjam. Mas ser português “pelo mundo” é algo que me dá uma enorme satisfação, quiçá algo que está realmente no nosso ADN.