27 de Fevereiro de 2024

Entrevista com Carlos Leiria Pinto, Conselheiro do Núcleo Regional do Brasil e Gerente Geral no Brasil da IFC – International Finance Corporation, membro do Grupo Banco Mundial.

“Para aceder ao Brasil importa agir com humildade”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1. O que o levou a sair de Portugal?

No meu caso, a decisão de ter uma experiência internacional aconteceu já numa fase tardia da minha carreira professional, passada essencialmente em Portugal. Bem diferente, pois, das razões que têm motivado os nossos jovens a partir nos últimos anos. Diria que foram essencialmente dois motivos. Em primeiro lugar, o desejo de crescimento professional através de uma experiência professional de gestão num ambiente internacional, com horizontes mais amplos e desafios de diferente natureza. Adicionalmente, e depois de ter desenvolvido a maioria da minha carreira em diversas posições no sector da banca, a última das quais como Administrador-executivo no Banco Montepio, tive o ensejo de poder dar um contributo professional que não fosse centrado exclusivamente na rentabilidade das operações, mas que contivesse um propósito maior. E, para tal, considerei que a melhor opção seria fazer parte dum banco de desenvolvimento com impacto em países emergentes. Foi assim que me decidi candidatar à IFC International Finance Corporation, o banco, dentro do Banco Mundial, que tem por missão investir e financiar o sector privado e os projetos que promovem o crescimento sustentável. Nesse processo de candidatura, tive a felicidade de ser escolhido para gerente geral do banco no Brasil.

2. Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Na verdade, acho que tenho principalmente sentido vantagens, resultantes da reconhecida versatilidade e fácil adaptabilidade a outros ambientes e culturas que, em geral, caracteriza os portugueses no estrangeiro. Atualmente, a qualidade dos gestores e técnicos portugueses tem grande reconhecimento internacional, e isso facilita a integração. Por outro lado, a opinião que os brasileiros têm de Portugal melhorou muito nos anos mais recentes, havendo maior sentimento de proximidade e respeito.

3. Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Diria que o primeiro obstáculo foi aquilo que se costuma chamar por “sair da zona de conforto”, i.e., ter o atrevimento e coragem para mudar e partir para o desconhecido. O segundo embate foi conseguir adaptar-me a um novo ecossistema. De repente, tudo é novo, desde a organização aos colegas, passando pelo país e sua cultura. No meu caso concreto, um dos desafios mais importantes foi adaptar-me a uma instituição que tem um modelo de gestão e cultura moldadas muito ao estilo das organizações norte-americanas, em particular onde o relacionamento pessoal tem menos relevância que nas culturas latinas. Esta experiência profissional forçou-me a rever padrões de comportamento e fazer mudanças para poder navegar e ter sucesso. No fundo, trata-se de incorporar o que dizia Charles Darwin sobre a evolução das espécies “as que sobrevivem não são as mais fortes nem as mais inteligentes, mas as que tem maior capacidade de adaptação”. Estar sempre pronto para aprender e ajustar-se torna-se essencial.

4. O que mais admira no país onde está?

Em breve vai fazer quatro anos que cheguei ao Brasil e muito rapidamente compreendi que tinha de pôr de lado os (pre)conceitos que tinha do país e dos brasileiros, se de facto queria ter uma melhor compreensão do país real. Um dos primeiros impactos é perceber que o Brasil, mais do que um país, é um verdadeiro continente, em dimensão geográfica (o Brasil tem 3 fusos horários), populacional e diversidade. Essa dimensão gigantesca muda todas as perspectivas, desde logo porque as dimensões espaço e tempo são outras. Nos negócios, costumo dizer que o Brasil é um país onde as coisas acontecem e se tornam realidade, sempre e quando se tenha um business case sólido e credível. Os brasileiros têm uma forte cultura de empreendimento e gosto por realizar, são curiosos e inovadores e não temem o risco. Na medida em que há menos restrições do que na Europa, o interesse gerado rapidamente evolui para algo de mais concreto. Noutra dimensão, o Brasil é um colosso em termos culturais, de diversidade social e ambiental sem paralelo no mundo.

5. O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Posso dizer que já conheço bem a casa onde estou e admiro sobretudo cinco pilares: (i) em primeiro lugar, ter como missão promover a prosperidade compartilhada num planeta sustentável; (ii) ser um banco que investe sempre com um objetivo de gerar impacto relevante em termos de desenvolvimento sustentável, quer em termos económicos, sociais ou ambientais; (iii) ser uma organização que também é uma power house em termos de conhecimento e experiência, onde posso ir buscar exemplos de sucesso na Índia ou China, mas também exportar os casos de sucesso aqui do Brasil para outras geografias; (iv) o modelo organizacional e a eficiência de processos, a clara definição estratégica, o foco nos resultados e no impacto; e, finalmente, (v) uma cultura corporativa que promove o crescimento pessoal e professional sempre assente na meritocracia.

6. Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Os portugueses tendem a olhar o mercado brasileiro como uma extensão de Portugal, proporcionando uma falsa sensação de facilidade, o que não é bem verdade. A entrada no mercado brasileiro é tão desafiadora como qualquer outro mercado emergente. Desde logo, para ter sucesso deve-se estruturar o negócio num horizonte de longo prazo, assente em premissas razoáveis e credíveis. Investir na governança, eficiência e numa cultura de inovação da empresa, é um fator competitivo relevante. Para aceder ao Brasil, é importante agir com a humildade de perceber que o Brasil tem muito para ensinar, e, nessa medida, dever-se-á investir em desenvolver um profundo conhecimento do mercado e das idiossincrasias do país e, eventualmente, considerar encontrar um parceiro local que permita a implantação e desenvolvimento do negócio de forma segura.

7. Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

Seguramente nos sectores do agronegócio, infraestruturas, energias renováveis, turismo e consultoria. Devo dizer que, no exercício das minhas funções professionais, tenho sempre procurado guiar e ajudar as empresas portuguesas que procuram posicionar-se no mercado brasileiro.

8. Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

O Brasil tem vindo a aumentar os seus investimentos em Portugal nas áreas do imobiliário e turismo, aeronáutica, vinícolas, mas creio que facilmente se pode estender a outras áreas. Há já muitos anos que se fala de posicionar estrategicamente Portugal como um hub para entrada na Europa de empresas de países latino-americanos e africanos. Em minha opinião, este desígnio faz todo o sentido, mas encontra-se ainda por cumprir. Portugal tem agora uma nova oportunidade assente na temática da transição energética. O Brasil começa a posicionar-se como grande produtor e exportador de energia verde (hidrogénio verde, amónia e biocombustíveis), sendo a Europa um dos importadores de eleição. Portugal deveria apostar em criar as plataformas necessárias à entrada destas novas fontes de energia vindas do Brasil para a Europa, à imagem do que a Holanda já começou a fazer.

9. Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

Destacaria a existência de um mercado de capitais desenvolvido e dinâmico que promove e apoia o investimento privado. O governo brasileiro montou um sistema de incentivos fiscais para investidores privados ou institucionais que comprem obrigações de empresas com projetos de infraestrutura e energia, o que tem gerado um grande crescimento e diversificação das fontes de financiamento para as empresas e seus projetos.

10. Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Ainda tenho alguns anos de atividade professional pela frente, mas está nos meus planos regressar e com vontade de alavancar esta experiência internacional para melhor contribuir para o desenvolvimento de Portugal. Como bem disse o presidente norte-americano J.F. Kennedy, nenhum de nós se pode demitir de pensar o que pode fazer pelo nosso país.