20 de Maio de 2025

Entrevista a Daniel Guedelha: “Sucesso deve ser visto como forma de abrir caminho” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Daniel Guedelha, Fundador e CEO da GenH, e membro da Direção do Conselho da Diáspora Portuguesa foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Começar por dizer que adoro Portugal e que sempre tive uma enorme curiosidade em conhecer o mundo. Saí de Portugal por opção, porque quis. Tinha várias oportunidades de emprego no meu país, mas sentia que precisava de explorar novas sociedades, novas culturas e de perceber como funciona uma grande empresa farmacêutica a nível global. Foi essa inquietação e desejo de aprender que me levaram a sair de Portugal e a abraçar o desafio de trabalhar numa das maiores farmacêuticas do mundo, a Novartis.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Muitos falam da nossa capacidade de nos “desenrascarmos”, de fazer muito com pouco. Eu vejo isso como um verdadeiro sinal de inovação. Sempre que comparo a cultura portuguesa com outras que fui conhecendo ao longo da vida, percebo que esta nossa habilidade de encontrar soluções criativas e olhar para os desafios de forma diferente é uma força incrível.

Mas estar fora não é fácil! A saudade da família, dos amigos, da nossa cultura, dos cheiros e da comida aperta o coração mais vezes do que se imagina. E, sim, somos imigrantes. Ao longo dos últimos 16 anos, tive de trabalhar 1,5 vezes mais que os meus colegas suíços, alemães ou franceses. Esta foi a realidade com que me deparei. Nada me foi dado de “mão beijada”. Mas nunca deixei que isso me travasse. Se há algo que me define, e que considero essencial para quem escolhe este caminho, é o foco, a determinação e a vontade.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

No início, os desafios são sobretudo logísticos e podem consumir muita energia e tempo. Falo de coisas simples, mas essenciais, como encontrar casa, tratar dos seguros de saúde, e, quando se tem família, garantir uma boa escola para os filhos e ajudar o(a) parceiro(a) a sentir-se bem no novo país. Passei por tudo isso.

Mas, para mim, a grande questão, para além da língua, é sempre a adaptação à cultura. Apesar de me identificar muito com a organização suíça, o profissionalismo, a dedicação e o rigor nos horários, há sempre a necessidade de ajustamento. São pequenas diferenças que exigem abertura, paciência e, acima de tudo, vontade de aprender e evoluir.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Vivo há mais de 16 anos na Suíça e tenho um enorme respeito e admiração por este país. A minha carreira tem sido desenvolvida, sobretudo, na área da saúde e na indústria farmacêutica, e a Suíça consegue equilibrar um tecido industrial fortíssimo com uma natureza e paisagens absolutamente deslumbrantes.

Admiro o rigor e o foco na qualidade, algo que está profundamente enraizado na cultura suíça. Mas o que mais me impressiona é a capacidade de criar pontes. Muitas vezes olhamos para a Suíça como um país neutro, mas os suíços são, acima de tudo, negociadores excecionais. Têm uma visão estratégica muito clara, fazem acontecer e sabem escolher os melhores talentos do mundo para trabalhar nas suas empresas.

Sim, porque muita da força intelectual e dos trabalhadores das empresas suíças são imigrantes. E não é por acaso; eles escolhem ativamente quem querem ao seu lado, e essa capacidade de atrair e integrar talento é algo que admiro muito.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Passei quase 16 anos da minha carreira na Novartis, uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Foi uma experiência extraordinária, onde tive o privilégio de trabalhar com alguns dos melhores talentos do mundo, em diversas áreas. A capacidade da Novartis atrair e desenvolver essas mentes brilhantes sempre me impressionou. É uma empresa altamente competitiva, com uma cultura muito focada em resultados e performance, à imagem das grandes organizações anglo-saxónicas.

Hoje, sou CEO da empresa GenH (Generation Health) também com base na Suíça e trago comigo muitos dos ensinamentos dessa jornada, aplicando-os na construção de algo novo, com a mesma paixão e ambição. Queremos olhar para a área da saúde, em particular da indústria farmacêutica de forma diferente e fresca, nomeadamente ligando a energia das start-ups com o rigor das grandes empresas farmacêuticas.

6 – QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Antes de dar recomendações, quero assumir a minha responsabilidade. Porque, mais do que dizer o que deve ser feito, importa mostrar o que já estou a fazer para contribuir para Portugal. E sim, é possível contribuir mesmo estando fora.

Tenho liderado várias formações executivas em Portugal na área da saúde e indústria farmacêutica, ajudando a preparar líderes para os desafios do setor. Tenho feito a ponte entre talentos portugueses na Suíça e em Portugal, nos dois sentidos, criando valor, emprego e oportunidades. Também tenho ligado instituições suíças e portuguesas para fortalecer a economia de ambos os países. Levanto a mão, assumo esse compromisso e quero continuar a fazê-lo.

Quanto a recomendações, acredito que precisamos de trabalhar mais em conjunto. Em Portugal, há uma tendência para criar barreiras, as chamadas “quintinhas”. Temos de construir juntos. Se alguém está a fazer algo bem, devemos apoiar em vez de criticar. E há um ponto que quero deixar muito claro: o sucesso é bom. Precisamos de celebrar mais as conquistas dos portugueses, cá dentro e lá fora. Temos de mudar a mentalidade neste ponto. O sucesso inspira e deve ser visto como uma forma para abrir caminho para outros serem bem-sucedidos.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

A área da saúde, especialmente a indústria farmacêutica, é um desses sectores. Conheço-a em profundidade e sei que há um enorme potencial para empresas portuguesas. Já temos várias empresas de excelência a operar nesta área e muitas, com ADN português, já estão a explorar o território suíço.

Mas, mais do que clientes, há uma oportunidade única de acrescentar talento. Temos portugueses absolutamente fenomenais a trabalhar nesta indústria e, na Suíça, facilmente mais de mil profissionais altamente qualificados nesta área. As empresas portuguesas podem não só oferecer serviços e produtos, mas também aproveitar esta rede de talento para crescerem. E, quando crescem, essa base de clientes naturalmente expande-se.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Vou continuar focado na área da saúde e no cluster farmacêutico, porque esse movimento já está a acontecer. Duas das maiores empresas do mundo e que têm origem e sede na Suíça, a Novartis e a Roche, têm também estruturas em Portugal.

No entanto, há espaço para dar passos maiores na cadeia de valor. Já vemos algumas farmacêuticas a investir em Centros de Excelência no nosso país, mas há ainda um grande potencial para expandir essa aposta, nomeadamente com Centros de Investigação e Desenvolvimento e em produção de tecnologias avançadas (como, por exemplo, anticorpos monoclonais). Estamos a começar a ver movimentos nessa direção, e, para mim, esta é uma área absolutamente essencial.

Continuar a investir em Investigação e Desenvolvimento, tanto na fase pré-clínica como na fase clínica (por exemplo, através da realização de mais ensaios clínicos em Portugal) é um passo estratégico muito importante. Temos talento, conhecimento e condições para atrair mais investimento e consolidar Portugal como um país relevante nesta área, o que aliás já é visível em muitas start-ups a escolherem Portugal para as suas atividades.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Poderia listar muitas vantagens, como um sistema financeiro sólido, uma rede de transportes altamente eficiente e pontual, especialmente os comboios; um país pacifico, ou uma impressionante capacidade de inovação e infraestruturas tecnológicas muito superiores a alguns países europeus.

Mas há um aspeto que quero destacar acima de tudo: as pessoas. A Suíça tem uma habilidade extraordinária para atrair os melhores talentos do mundo para as suas empresas e integrá-los nos seus quadros, sendo a meritocracia muito importante neste processo. Essa capacidade de diálogo e atração de talento é, na minha opinião, o que torna a Suíça a potência económica que é hoje.

Se há algo que Portugal pode e deve replicar, é esta mentalidade. Criar um ambiente onde os melhores queiram estar, trabalhar e crescer connosco faz toda a diferença.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Toda esta jornada internacional, feita também de muitos sacrifícios, sempre teve um objetivo muito claro: Contribuir para Portugal. Uso a palavra contribuir porque acredito que podemos ter um impacto enorme no nosso país mesmo estando fora. E, em muitos casos, esse impacto pode até ser maior.

Mas sim, daqui a alguns anos, desejo voltar a Portugal permanentemente. Vou assumir a minha responsabilidade e continuar a contribuir, de forma intensa e, espero, cada vez maior. E um dia voltarei, porque quero continuar esta jornada de perto, aqui no nosso país.