20 de Fevereiro de 2024

Entrevista com Inês Caldeira, “Portugal é um país atrativo para serviços partilhados”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que a levou a sair de Portugal?

Inicialmente a curiosidade e sentido de aventura. Tinha 25 anos e queria aprender novos idiomas, conhecer novas culturas e viajar. Não foi um ato calculado ou um gesto de ambição. Foi bastante mais naïve.

Depois, a aceleração de carreira num contexto multinacional. Percebi o efeito de trampolim que a passagem pelo estrangeiro proporcionava e que é determinante numa empresa como a L’Oréal. A expatriação implica uma grande agilidade e adaptabilidade.

Finalmente, a aquisição de novas competências e vantagem financeira. A minha passagem pela Tailândia expôs-me a um mercado emergente, a decidir num contexto de informação imperfeita e com equipas culturalmente muito distantes.

Agora estou de regresso a Paris, numa posição Global, o que me permite ter impacto numa muito maior escala.

Para resumir: curiosidade, espírito de aventura, aceleração de carreira, progressão financeira, impacto.

Acho importante mencionar que este caminho foi feito de idas e voltas profissionais a Portugal, o que me permitiu guardar contacto e, de alguma forma, contribuir parar o desenvolvimento do país.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Sou fruto a 100% do sistema educativo publico português. Tenho muito orgulho nisso, e considero ser uma boa demonstração da qualidade do mesmo. Nos meus desafios profissionais, tenho levado as minhas competências técnicas e interpessoais e tem sido uma vantagem. Por outro lado, a facilidade que os portugueses têm para falar novos idiomas tem-me ajudado na conexão com povos distintos.

Acrescentaria, igualmente, o espírito de aventura e descobrimento que nos caracteriza e que, aplicado aos negócios, é altamente vantajoso.

No início da minha carreira, muitas pessoas não sabiam onde ficava Portugal, sobretudo na Ásia. Mas até isso mudou, com fenómenos como o Cristiano Ronaldo, símbolo de esforço e resiliência, sinónimo de alta performance e superação de si mesmo.

No fundo, somos todos um pouco Cristianos, por essência ou por colagem (risos).

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Ao longo de 22 anos de carreira, são múltiplos os obstáculos com que nos cruzamos. Aprendemos muito com a adversidade, crescemos e desenvolvemos resiliência.

Em determinado momento da minha carreira, tive de me desprender da escala de Portugal. É normal que os nossos pontos de referência sejam os que conhecemos e isso pode limitar o impacto das nossas ações. “Pensar em grande”, acreditar que tudo é sempre possível, são formas de pensar que nem sempre nos são naturais. Tentei sempre inculcar nas minhas equipas que “somos do tamanho dos nossos sonhos”, e o meu modelo de gestão tem sido pautado por uma boa dose de equilíbrio entre visão e meios de suporte. Creio que um líder deve ser um enabler e derrubar barreiras para que as equipas sejam mais eficientes.

Em termos de gestão humana, quando estive em Bangkok, tive igualmente de me adaptar a uma cultura que tem uma noção de tempo e ambição distintas. A importância do coletivo é fundamental, e por isso aprendi a rodear-me de grandes talentos, mas sobretudo a formar equipas de alta performance. No fundo, a dicotomia entre individuo e coletivo.

4- O que mais admira no país onde está?

Neste momento estou de volta a Paris. Conheço bem, uma vez que é a terceira vez que vivo na cidade da Luz. Gosto da ambição, do espírito critico e da extrema sensibilidade estética. Paris é o berço da moda, do luxo e da beleza. Para quem trabalha no meu sector é um privilégio.

Admiro igualmente o papel que França teve, e continua a ter, no projeto europeu e na defesa da democracia. França foi, historicamente, berço de muitos progressos sociais, na causa feminina, mas não só. A força dos sindicatos no país, que do exterior pode parecer excessiva, tem permitido defender muitos direitos dos trabalhadores, provocando debates que são críticos em momentos de avanço tecnológico ou inflação. Como em (quase) tudo, os excessos não são desejáveis, claro.

Tenho uma certa admiração por um país que parece conciliar bem o equilíbrio socioecónomico. Estou evidentemente lúcida quanto à fratura social existente hoje em dia em França, mas essa realidade não é antagónica com o descrito acima.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Os seus valores. A L’Oréal tem no seu ADN princípios fortes de inovação, diversidade e igualdade. Acredita que a beleza não é superficial, mas uma forma de fazer avançar o mundo.

Contudo, talvez o fator mais diferenciador da L’Oréal seja a forma como gere talento. A empresa acredita profundamente que a experiência é necessária, mas não suficiente. Ensina os seus gestores a identificarem talento nos mais jovens e a arriscarem. Estamos sempre atentos ao que está a nascer, a começar e, enquanto líderes, temos a missão de tornar esse início mágico e dá-lo a conhecer ao mundo. Aplicamos isso ao nosso processo de inovação e também a recursos humanos.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Tenho uma profunda admiração por Portugal e o caminho percorrido na última década. A abertura ao exterior, ao turismo, às energias renováveis, a continua aposta na educação (o projeto da Universidade NOVA é notável) são passos importantes para melhorar a nossa posição na Europa. Acredito que existem ainda oportunidades na nossa relação com o Brasil e os PALOP, e a nossa exposição marítima deve também ser uma vantagem competitiva para Portugal.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

As relações luso-francesas são conhecidas e históricas. A relação entre os dois países é muito saudável. A agricultura, a restauração, o calçado, a moda. Temos um savoir-faire incrível que podemos (e devemos) exportar.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Acho que a indústria mais evidente neste momento é o turismo, mas Portugal é um país atrativo igualmente para shared services. A AICEP tem desenvolvido estratégias várias para divulgar as vantagens competitivas de Portugal, e as Câmaras do Comércio e a Diáspora têm sido redes importantes na divulgação das mesmas.

Também na área da saúde e do envelhecimento, creio que Portugal poderá dar cartas no futuro. Quem não se quer reformar num país com médicos incríveis, onde o Sol brilha mais de duzentos dias por ano? Venham os projetos e as infraestruturas e seremos certamente a Califórnia da Europa.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

França consegue conciliar um enorme orgulho na marca “França”, com uma capacidade de escala e de exportação notáveis. Metade do valor do CAC-40 está associado ao sector do Luxo, desde a criação até ao marketing. França consegue animar toda a cadeia de valor. Portugal tem a cortiça, o vinho, e capacidades tecnológicas incríveis que poderia explorar de forma global e integrada.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Gostaria de voltar um dia mais tarde e poder contribuir com a experiência adquirida e a minha rede de contatos. Será importante poder retribuir o investimento em educação que Portugal fez em mim.

O meu marido, francês, tem uma empresa em Portugal, o que facilitará o regresso, com certeza.

A título pessoal, a minha família vive aqui e gostava que, um dia, o meu filho disfrutasse da liberdade, da segurança, do sentido de amizade e do estilo de vida portugueses. Na transmissão de valores, há a parte teórica e a vivência. Tento todos os dias inculcar-lhe o gosto pela língua portuguesa, pela natureza e pelas pessoas, mas em Portugal tudo isso é absorvido de forma natural, sem esforço.

Enquanto falo, apercebo-me que os projetos de regresso são longínquos… e isso tem a ver com a falta de atração financeira para regressar. Em Portugal, como em outros países, trabalha-se muito, mas recebe-se, proporcionalmente, muito mal. A capacidade de poupança é diminuta, o que levou muitos jovens a emigrar. As recentes medidas tomadas pelo Governo, farão com que muito poucos regressem.

Consulte a entrevista original aqui.