5 de Dezembro de 2023

Entrevista a João Graça Gomes: “Recomendo um planeamento minucioso e rigor nas tarefas”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Primeiro, senti a necessidade de enriquecer o meu currículo e envolver-me em projetos de engenharia mais impactantes. A China destaca-se como líder de investimentos em energias renováveis, implementando anualmente centenas de gigawatts (GW) em centrais eólicas, solares e hidroelétricas. Para contextualizar, enquanto Portugal possui uma capacidade total de aproximadamente 22 GW em centrais elétricas, a China apresenta um total de quase 2500 GW, com cerca de 1030 GW dedicados exclusivamente a fontes renováveis. Estar na China proporciona uma oportunidade única de estar na vanguarda da ação climática e colaborar em projetos com impacto real na transição energética global.

A segunda razão que contribuiu para minha decisão de sair de Portugal foi o aspeto de desenvolvimento pessoal. Viver num país tão distinto de Portugal em termos culturais, políticos e socioeconómicos, como a China, permitiu-me obter uma visão mais holística sobre a natureza humana e os desafios enfrentados no desenvolvimento das nações. A convivência com as nuances culturais e a observação direta das dinâmicas sociopolíticas chinesas têm sido catalisadores essenciais para o meu crescimento pessoal, abrindo horizontes que vão além do âmbito profissional.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Portugal possui uma história vasta e profunda, destacando-se o longo período de administração de Macau por Portugal. Ao revelar a minha nacionalidade a um cidadão chinês, percebo frequentemente um elemento de admiração pela rica história que compartilhamos. Essa conexão histórica facilitou consideravelmente o meu processo de integração na China.

No entanto, é importante notar que as crises políticas e económicas que Portugal enfrentou nas últimas décadas deixaram marcas na imagem dos portugueses pelo mundo. Comentários de líderes da União Europeia, que associaram o sul da Europa a uma cultura de facilitismo, contribuíram para uma visão menos favorável. Essa perceção inicial, no entanto, foi superada quando os meus colegas observaram a notável capacidade de trabalho, adaptação e até mesmo o perfeccionismo que caracteriza muitos portugueses, especialmente aqueles que vivem no estrangeiro. Essas qualidades têm desempenhado um papel crucial na redefinição da imagem dos portugueses, superando estereótipos negativos e reforçando a reputação de competência associada à nossa nacionalidade.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Os desafios mais significativos que enfrentei residiram nas diferenças culturais e linguísticas. No que diz respeito às barreiras linguísticas, procurei superá-las por meio de uma preparação cuidadosa antes da minha mudança para a China. Investi quatro anos na aprendizagem de mandarim no Instituto Confúcio, o que me proporcionou uma base linguística sólida.

No entanto, o maior obstáculo revelou-se a disparidade cultural. Observo que na China não há uma divisão clara entre a vida profissional e a pessoal. A cultura profissional é profundamente hierárquica, exigindo um delicado equilíbrio entre ética pessoal, competência técnica e “guanxi”. Este termo chinês, traduzido literalmente como “relação”, vai além de simples networking no mundo empresarial. Lidar com o “guanxi” pode impor obrigações morais e requerer a troca de favores, o que para um ocidental representa um dos maiores desafios.

Enfrentar essas adversidades exigiu não apenas habilidades técnicas, mas também uma adaptação constante e uma compreensão das nuances culturais e empresariais chinesas.

4- O que mais admira no país onde está?

Na China, destaco a agilidade nas tomadas de decisão, algo que representa um contraste marcante em relação a Portugal. Enquanto Portugal se discute há décadas a localização do novo aeroporto de Lisboa, na China, uma vez decidido avançar com um projeto nacional, todos os esforços nacionais convergem rapidamente para atingir esse objetivo.

Essa rapidez estende-se também ao ambiente empresarial, onde a tomada de decisões é notavelmente eficiente. A capacidade de implementar mudanças de forma ágil é algo que admiro profundamente, representando uma característica distintiva da dinâmica chinesa que, em muitos aspetos, contrasta com a abordagem mais deliberada e gradual que observamos noutros contextos.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

A China Three Gorges destaca-se pela sua imponente dimensão, reunindo um vasto conhecimento técnico que a transforma numa verdadeira referência no setor. Adicionalmente, a empresa destaca-se como uma escola de engenharia, graças à envergadura dos projetos que desenvolve.

Além disso, a empresa exibe uma dinâmica notavelmente jovem. Recentemente, incorporou um considerável contingente de jovens engenheiros, muitos dos quais possuem formação em universidades classificadas entre as top 50 do mundo. Para alguém dedicado à pesquisa e desenvolvimento, como eu, a oportunidade de colaborar com uma equipa jovem e motivada representa um fator crucial. Essa sinergia entre conhecimento consolidado e uma força de trabalho jovem e dinâmica contribui significativamente para o ambiente inovador e estimulante da empresa.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Apesar de ser relativamente jovem, encaro esta questão com a perspetiva de liderar pelo exemplo. Recomendo que se dê um enfoque especial ao planeamento minucioso das atividades, garantindo o rigor nas tarefas realizadas. Cultivar um ambiente de trabalho positivo e motivador, mantendo um espírito de equipa sólido, é crucial.

No que diz respeito à liderança, é essencial transmitir aos colegas a importância da humildade ao reconhecer que não temos todas as respostas. Estimular uma cultura empresarial onde procurar ajuda para superar as nossas fraquezas deve ser visto como uma força.

Reconheço que Portugal já conta com gestores de excelência, alguns com reconhecimento a nível mundial, como demonstra o Conselho da Diáspora Portuguesa. Acredito que a promoção desses valores pode contribuir para o sucesso contínuo de Portugal no cenário empresarial.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

A China é um dos maiores investidores em energias renováveis, e o país destaca-se por pretender obter a total neutralidade carbónica até 2060. Assim, as empresas portuguesas, especializadas em energias renováveis, gestão de resíduos e transportes públicos sustentáveis, poderiam encontrar clientes nos setores relacionados a essas áreas na China, especialmente ao estabelecer parcerias com os governos municipais chineses.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Vejo interesse das empresas chinesas em participar de projetos de energias renováveis, especialmente na área de energia eólica offshore. A China está rapidamente a alcançar a liderança global em número de projetos nesse setor. Além disso, no setor de baterias elétricas, vislumbro várias oportunidades, uma vez que a China possui uma extensa experiência na extração e refinação de minerais raros essenciais para essas baterias. Colaborar nesse contexto poderia resultar em uma situação de benefício mútuo.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

A agilidade na tomada de decisões é uma vantagem considerável, embora esteja ciente de que esse benefício na China vem acompanhado de um custo elevado, devido à ausência de uma consulta ampla a todos os intervenientes. Apesar dessa ressalva, considero crucial que Portugal otimize seus processos decisórios.

Na China, há um provérbio que diz: “quando se rema contra a corrente, parar significa voltar para trás”. Portugal não pode manter um crescimento económico anémico. O país enfrenta o risco real de perder talento. A China adota programas ambiciosos para atrair talento, proporcionando financiamento estatal durante três anos para doutorados de universidades top 100 em áreas estratégicas como energia e computação, representando um acréscimo de 50 a 100% nos seus salários médios. Portugal poderia, com relativa facilidade, replicar esse modelo para atrair uma nova geração de talentos promissores.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Sim, a médio prazo, tenho a intenção de regressar a Portugal e aplicar o conhecimento adquirido no exterior para impulsionar o desenvolvimento do país. A hospitalidade do povo português, o clima agradável e a rica história que estabelece pontes entre a Ásia, Américas e África tornam o nosso país singular.

Contudo, é lamentável que a imagem de Portugal no exterior não seja mais ativamente promovida, e falta uma estratégia clara para posicionar o país internacionalmente. Acredito que Portugal tem o potencial de se tornar uma média potência com influência global, mas para isso, é crucial alcançar estabilidade política e combater a perceção de facilitismo e corrupção. Desejo contribuir para a melhoria desses aspetos em Portugal e participar ativamente na construção de um futuro mais robusto e promissor para o país.

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