Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão as oportunidades de negócio e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1. O que a levou a sair de Portugal?
Estava à procura de um novo desafio. Como vivi fora do país na minha infância, a ideia de voltar a sair atraiu-me bastante. Gosto de trabalhar em meios interculturais e culturas diferentes sempre me atraíram. Por outro lado, sempre tive um interesse especial em lidar com relações internacionais e questões ligadas ao comércio internacional. Uma vez que a política comercial é uma competência exclusiva da União Europeia e o centro de decisão está em Bruxelas, a vinda para Bruxelas foi uma decisão lógica e natural. No contexto geopolítico atual, de muita incerteza e grandes tensões entre as principais potenciais mundiais, ainda faz mais sentido estar perto do principal centro de poder a nível europeu.
2. Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser portuguesa?
Portugal tem uma longa história e presença em muitas áreas do globo. A imagem do país e dos portugueses é em geral positiva e isso ajuda na minha área de relações internacionais. Não somos vistos como uma ameaça, mas antes como um país que é “bridge builder”. Por outro lado, os portugueses em geral têm de trabalhar mais para se afirmar, sobretudo em lugares de chefia. Ainda há certas ideias preconcebidas em alguns países europeus de que Portugal é um país de gente trabalhadora e “humilde”. Leia-se “humilde” como não ter muita ambição. A imagem está a mudar, mas temos que nós próprios, portugueses, ser mais assertivos a fazer valer os nossos interesses.
3. Que obstáculos teve de superar e como o fez?
O principal obstáculo, mesmo quando se está num país europeu, são as diferenças culturais. A adaptação a um novo país, novos costumes, nunca é fácil, sobretudo quando a mudança não ocorre no início da vida profissional. O importante é a perseverança e fazer um esforço na adaptação. No meu caso, vivendo em Bruxelas, o mais fácil é ficar na “bolha” e fazer a vida na comunidade de “expats”. Mas cedo decidi separar a vida profissional da minha vida pessoal, tentando, em relação à última, conviver sobretudo com cidadãos belgas. Em comparação com outras comunidades de “expats”, os portugueses estão menos organizados e o “networking” é menos estruturado. Acho que o trabalho dos Conselheiros da Diáspora Portuguesa aqui na Bélgica, juntamente com a Embaixada de Portugal, é fundamental para dar maior visibilidade aos interesses do nosso país, sensibilizar os mais jovens para a importância de Bruxelas como centro de decisão e motivá-los para se candidatarem a cargos europeus. Portugal é um país periférico em termos geográficos, mas não tem que o ser em termos de capacidade e poder de decisão política.
4. O que mais admira no país em que está?
A capacidade de inovar e crescer economicamente, apesar de a Bélgica ter um sistema de governança muito complexo, com uma partilha de poder entre o Governo Federal e os Governos Regionais que é bastante difícil. O país soube aproveitar ao máximo a sua situação geográfica privilegiada e tornou-se um centro logístico fundamental na Europa, com o porto de Antuérpia/Bruxelas a ter um papel preponderante no tráfico de mercadorias de e para a Europa. Bruxelas é o principal centro de decisão da Europa, mas também alberga a sede da NATO e isso tem aportado à Bélgica mais dinamismo e oportunidades económicas, mas também mais peso político. Este também tem sido um elemento importante na atração e retenção de talentos provenientes de todo o mundo.
5. O que mais admira na empresa/organização em que está?
Sou Vice-Diretora-Geral da organização que representa os interesses de toda a indústria europeia, mesmo para além dos 27 Estados-membros da União Europeia. A responsabilidade é imensa porque falamos em nome de mais de 22 milhões de empresas e nem sempre é fácil conciliar interesses que são em muitos casos divergentes. Por outro lado, é gratificante saber que quando defendemos uma posição ela é o resultado de um consenso entre os nossos associados e isso dá-nos força política não só na União Europeia, mas também em fóruns internacionais. Também é gratificante quando conseguimos ver na prática os resultados do nosso trabalho. Neste caso, os benefícios estendem-se a todos os cidadãos e empresas da União Europeia e em muitos casos a outros países. Por exemplo, quando conseguimos concluir um acordo comercial que vai permitir às nossas empresas entrarem em novos mercados sem pagar direitos aduaneiros ou quando concluímos um acordo que nos vais permitir aceder a matérias-primas que não temos ou não exploramos na Europa.
6. Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Que temos de apostar no talento e premiar os melhores. Esta cultura deveria ser dominante no setor privado, mas também no setor público, Muitos talentos deixam o país por questões financeiras, mas não só. Muitas vezes, a falta de aposta na diferenciação e na cultura de aprendizagem e melhoramento continuo também contribuem para a fuga de talentos. Para o país em geral, temos de ser mais claros a definir os nossos interesses estratégicos e mais assertivos na sua defesa. Estando em Bruxelas e perto do centro de poder e decisão europeu, a principal recomendação é que devemos assegurar-nos de que Portugal e os interesses portugueses estão bem representados, que conseguimos ter cidadãos portugueses colocados em lugares-chave e que os apoiamos no seu percurso profissional. Há que definir uma política clara neste sentimento, se não queremos perder poder e influência nos próximos anos – sobretudo se mais países vierem a integrar a União Europeia.
7. Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
Mesmo em setores mais tradicionais e menos tecnológicos, há possibilidades de crescimento e negócio. Penso que Portugal tem conseguido afirmar-se como destino turístico a nível mundial, mas acho que a cultura e os produtos portugueses ainda têm um mercado limitado: desde o vinho, até outros produtos agroalimentares. Claro que para isso é necessário ter níveis de produção consequentes.
8. Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?
A Bélgica é um país que se pode comparar em dimensão a Portugal, mas tem uma economia extremamente dinâmica em diversos setores da economia, desde produtos químicos e soluções de mobilidade até biotecnologia. Acho que há oportunidades para investimento em Portugal na área das energias renováveis, soluções de mobilidade, mas também em setores mais tradicionais como os têxteis técnicos ou o agroalimentar.
9. Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?
A cultura de aposta na inovação e o empreendedorismo privado. Acho que a Bélgica sabe aproveitar bem as suas vantagens comparativas – por exemplo, a sua localização geográfica. Portugal devia aproveitar melhor o que tem de diferenciador em relação a outros países: por exemplo, a sua localização entre o continente americano e o continente europeu, a nossa tradição marítima de séculos e as nossas relações com os Países de Língua Oficial Portuguesa.
Temos de ter uma estratégia mais clara de ponto de vista político e económico para o país, que passe por uma aposta e investimento nestes elementos diferenciadores. A competição económica a nível mundial vai aumentar e não devemos repetir modelos, mas antes encontrar o nosso.
10. Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Por enquanto não, porque a minha atividade está muito ligada aos centros de decisão na Europa. Mas não excluo voltar, porque gostaria de dar o meu modesto contributo para a economia do país. Até lá, espero poder ajudar Portugal onde estou, através do meu trabalho e da minha experiência profissional. Espero poder contribuir, juntamente com os colegas do Conselho da Diáspora que estão em Bruxelas, para a melhor representação e participação dos portugueses nos centros de decisão europeus.