7 de Novembro de 2023

Entrevista a Paulo Silva: “É importante cumprir prazos de pagamento”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

A decisão de deixar Portugal surgiu numa fase muito jovem, aos 23 anos, impulsionada pela curiosidade que sempre tive em conhecer e aprender com outras culturas e mentalidades, aliada à ambição de adquirir uma formação profissional o mais abrangente possível. Considerei que era o momento propício para perseguir este objetivo, ainda sem responsabilidades familiares. Foi para mim uma decisão fácil e instintiva, embora, naquela época, os meus amigos expressassem algum ceticismo, sugerindo que estava a arriscar a minha formação num país supostamente subdesenvolvido e com privações … O apoio incondicional da família foi crucial para concretizar este passo.

2- Que vantagem ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Com exceção da barreira linguística, que foi ultrapassada com aulas, não experimentei qualquer desvantagem por ser português, pelo contrário. Recuando a 1997, a Polónia encontrava-se na fase de pré-adesão à UE, e Portugal era percebido como um caso de sucesso de integração e desenvolvimento económico. Desde o início, senti um grande interesse dos polacos em compreender a nossa mentalidade, a nossa cultura e as razões do êxito português. Decorridos 26 anos, considero muito sensato que nós, portugueses, tenhamos a humildade de procurar compreender os fatores e políticas que têm contribuído para as distintas trajetórias de desenvolvimento que ambos os países seguiram, e daí extrair lições. Neste contexto, os Conselheiros da Diáspora, espalhados pelo mundo, podem dar um contributo relevante.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Os obstáculos que enfrentei foram numerosos, resultantes do período de transformação que a Polónia atravessava , carregando resquícios do passado, como elevada burocracia e ineficiência dos serviços públicos, com problemas emergentes, como o conflito entre a legislação polaca e comunitária. Superei esses desafios combinando a ousadia e o pragmatismo (vulgo espírito de “desenrascanço”) de um jovem português que acreditava, e continua a acreditar, que o impossível não existe, aliado ao forte espírito de cooperação e solidariedade manifestado pelos interlocutores polacos, que estiveram à altura da responsabilidade. Cientes de que não havia tempo nem margem para falhar, os problemas que iam surgindo eram efetivamente encarados como desafios coletivos.

4- O que mais admira no país em que está?

Sem dúvida, o inquestionável sucesso do processo de transformação económico-social do país, de economia fechada e planificada para uma economia de mercado aberta e dinâmica que ameaça tornar-se uma potência proeminente no seio da UE. Admiro em particular a transição para atividades de alto valor, a diversificação da base de exportações, a capacidade de atrair capital estrangeiro e criar contextos favoráveis ao desenvolvimento de negócios, a desburocratização dos serviços e o desenvolvimento do capital humano. Relativamente ao povo polaco, a ambição, a capacidade de execução e, sobretudo, a vontade de assumir o seu próprio destino. As eleições de outubro com uma adesão de 74% são demonstrativas do nível de intervenção cívica e envolvimento da sociedade polaca nos destinos do país.

5- O que mais admira na empresa/organização em que está?

Em 2018, concretizei o sonho de desenvolver um projeto próprio na área da hotelaria, abrangendo a conceção, financiamento, construção e operação de um resort de montanha de 5 estrelas no Sul da Polónia, composto por 490 quartos. Os valores que integrei nesta organização refletem, em grande medida, os meus 20 anos de experiência profissional no grupo Mota-Engil, no qual “bebi” diariamente dos princípios de ambição, rigor, sustentabilidade, espírito de equipa, inovação contínua e de prestação de serviços de excelência. Sinto um enorme orgulho em fazer parte de uma organização que incorpora de forma exemplar estes princípios, permitindo que o jovem Crystal Mountain Resort ocupe uma posição de destaque entre os resorts de montanha da Polónia.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Os países devem ser capazes de crescer e gerar riqueza de forma sustentável. Sem crescimento, não há rendimento para reinvestir (criar círculos virtuosos de crescimento), distribuir pelos cidadãos e prestar serviços públicos de qualidade. No contexto atual, recomendo, sobretudo, maior eficiência na implementação de reformas que eliminem barreiras ao desenvolvimento da atividade empresarial e promovam a capitalização e competitividade das empresas. Aos empresários, recomendo ambição exportadora com reforço do investimento na marca, na inovação, na aposta em produtos e serviços de qualidade e elevado valor acrescentado. Atendendo à reduzida dimensão do mercado interno português, a contínua aposta na internacionalização, não apenas para mercados próximos geográfica ou linguisticamente, é crucial. Sei por experiência própria que nos mercados em crescimento há espaço e disponibilidade para acolher as fortes competências que Portugal tiver para oferecer. O desenvolvimento económico-social e incremento da competitividade do país é um desígnio nacional no qual todos nós portugueses, sem exceção, temos uma responsabilidade a assumir.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

O crescimento do investimento e consumo privado, impulsionado pelo aumento do poder de compra, juntamente com o plano de investimento público vinculado ao PRR, cria oportunidades em vários setores. No entanto, é crucial considerar a evolução do perfil de consumo e investimento dos polacos, que são hoje mais exigentes em relação à qualidade e à marca dos produtos que adquirem. Destaco o dinamismo nos setores das energias renováveis, transição energética, mobilidade e IT. Nos serviços, as infraestruturas (exemplo do novo aeroporto central), “outsourcing”, saúde e serviços financeiros. Sublinho ainda o notável crescimento no turismo e hotelaria, área em que Portugal pode exportar competências. Os empresários portugueses contam com o apoio da Câmara de Comércio Polónia-Portugal, AICEP e Rede da Diáspora para os auxiliar neste esforço.

8- Em que setores de Portugal poderias as empresas do país onde reside querer investir?

A Polónia tem-se orientado cada vez mais para o exterior, ampliando as relações comerciais com países da UE e fora da UE (as exportações polacas superam já 60% do PIB). Algumas empresas polacas investiram já em Portugal em serviços de IT, “outsourcing”, banco de células estaminais, energias renováveis e turismo. Penso que o futuro pode passar pelo incremento dos investimentos na área de IT e na saúde preventiva, além de investimentos de cariz industrial. Acredito que Portugal tem potencial por explorar como destino de investimentos que buscam expansão para outros países de língua portuguesa. Realço ainda os 270 mil turistas polacos que visitaram Portugal em 2022, o que coloca a Polónia entre os seus 10 maiores emissores de turistas.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

Destaco o ambiente propício aos negócios, em particular a competitividade fiscal, prazos de licenciamento e digitalização dos serviços públicos. Um exemplo concreto: Portugal encontra-se entre os países da Europa com menos empresas a cumprirem os prazos de pagamento, com apenas 21,1% de empresas cumpridoras. O país parece aceitar este fenómeno quase como sendo cultural, apesar de ser um obstáculo ao crescimento económico, fortemente penalizador das empresas (sobretudo PME) e de óbvio impacto social. O Estado polaco abordou este problema em 2010, introduzindo regulamentação de partilha de informação económica e de criação dos denominados registos nacionais de devedores. Estes registos, criados pela banca e iniciativa privada, proporcionam a possibilidade a qualquer credor, que tenha uma fatura em atraso há mais de 30 dias e mediante aviso prévio ao devedor, de colocar a dívida no registo. Sendo os registos monitorizados pelos atuais ou potenciais “stakeholders” do devedor (banca, seguradoras de crédito, fornecedores e clientes), o mesmo funciona como um instrumento dissuasor extremamente eficaz. A Polónia lidera o “ranking” de países com empresas mais cumpridoras, com 85.5% a pagar nos prazos contratados, performance apenas superada pela Dinamarca.

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Já passei mais de metade da minha vida na Polónia, pelo que tenho a consciência de que sempre manterei um pé em cada país e o coração dividido. Em 2018 estudei a hipótese de investir em Portugal, sendo que com grande pena minha, o conteúdo desta entrevista lista as razões pelas quais optei por desenvolver o projeto na Polónia. Não perdi a esperança sendo que no contexto atual da minha vida profissional, a minha perspectiva é de regressar a Portugal para desfrutar da reforma. O motivo é muito simples: as minhas raízes mantêm-se em Portugal.

Consulte a entrevista original aqui.