17 de Abril de 2024

Entrevista com Carlos Cid Álvares: “Sugiro às nossas empresas que usem e abusem da pontualidade”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Bom, eu mudei para um país diferente porque a empresa onde eu estava a trabalhar foi comprada, e, quando deixei essa empresa, as alternativas que eu tinha em Portugal não eram tão atraentes como esta que, entretanto, surgiu: a de ser o CEO do Banco Nacional Ultramarino em Macau, uma entidade com 122 anos de história, pertencente ao Grupo Caixa Geral de Depósitos e ainda um dos bancos emissores da moeda local – a célebre pataca. Aceitei vir para Macau depois de ponderar bem a situação com a minha mulher, que também me acompanhou nesta aventura, há já cerca de seis anos, e onde ela tem um papel de destaque como a Diretora da delegação de Macau da Fundação Oriente/Casa Garden.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Português?

Há uma grande vantagem em ser português, que é a língua, pois ainda existem muitas coisas que funcionam e estão obrigatoriamente traduzidas para português. O enquadramento legal é baseado na lei portuguesa e uma das línguas oficiais é o português. Há ainda uma comunidade importante, com pelo menos 3000 portugueses a viverem aqui, o que nos faz sentir mais “em casa”, apesar da distância. Por outro lado, existem muitas tradições em Macau que nos ajudam a estabelecer-nos e a sentirmo-nos mais próximos de Portugal.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Suponho que o mais importante tenha sido a distância. Estamos a 12.000 quilómetros de casa e, claro, sentimos a falta da nossa família e dos nossos amigos. Mas também tem a vantagem de chegarmos a um país diferente com formas distintas de se fazer negócios e diferentes formas de socializar, o que nos obriga a sairmos da nossa zona de conforto e a aprender: diferentes culturas e pessoas. Temos de investir tempo em como lidar com uma nova realidade e podemos tirar muita vantagem desse facto, pois podemos usar experiências passadas aprendendo com novas pessoas e, claro, usar o que há de bom em ambos os sistemas e culturas no futuro. É fantástico aos 65 anos poder ter esta experiência que nos faz rejuvenescer.

4- O que mais admira no pais em que está?

Há muitas coisas! Em primeiro lugar, a pontualidade. Todas as pessoas têm um enorme respeito pelas restantes. Todos chegam às reuniões ou eventos com 5 ou 10 minutos de antecedência. Chegar atrasado não existe no dicionário. Nunca se perde tempo esperando pelos outros. Em segundo lugar, a cidade de Macau é totalmente segura. Vivemos numa região onde se pode deixar coisas em qualquer lado e elas aparecem. É incrível o quão seguro é o local onde vivemos. A cidade é multicultural e os estrangeiros são muito bem recebidos. Também admiro o pragmatismo na forma de fazer as coisas e a capacidade de execução. Vemos coisas novas a acontecer com grande velocidade. Desde o momento em que se pensa em alguma coisa até ao momento em que a mesma é colocada em prática, não medeia muito tempo. E isso é extremamente motivador!

5- O que mais admira na empresa / organização em que está?

O BNU tem uma marca fortíssima. Estamos aqui há 122 anos, e a população vê-nos como um banco responsável, próximo e seguro, que apoia a economia, suportando clientes particulares e empresas, nos seus projetos. Trabalhamos em estreita colaboração com as autoridades locais e centrais, com o objetivo de diversificar a economia e garantir o seu crescimento futuro, em prol da população. É incrível a força da marca, conquista realizada ao longo dos anos com o apoio dos diferentes stakeholders: colaboradores, clientes, acionista, autoridades e fornecedores. Algo surpreendente também é que ainda somos um dos dois bancos emissores das notas em circulação em Macau. Estamos muito orgulhosos desse facto pela confiança que os governos local e central têm no BNU, no grupo CGD e no Estado Português. Pessoalmente, tenho muito orgulho em assinar as notas que todos usamos diariamente em Macau!

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

A Portugal, se me é permitido, recomendaria a redução da burocracia e a simplificação das leis e regulamentos, que atrasam os investimentos tão necessários para a criação de emprego e para o crescimento económico, que permita ao País ombrear com os melhores. Importa, igualmente, acelerar o funcionamento da justiça, que nos faça também melhorar a imagem do País junto dos nossos compatriotas e junto de terceiros. Para as empresas, sugeria que todos usem e abusem da pontualidade. Tem-se muito menos stress porque a gestão do tempo permite uma melhor planificação e gestão das tarefas diárias. Em Portugal, temos uma qualidade única que é a capacidade de improvisação e de “desenrascanso”. No entanto, abusamos dessa capacidade por falta de planeamento e organização, o que se reflete na capacidade de execução.

Diria também às empresas em Portugal que deveriam olhar para Macau não como um território pequeno com 30 quilômetros quadrados, mas sim encarar Macau como uma porta de acesso à grande baía. Trata-se de um projeto desenhado pelo governo central chinês, onde se incluem nove cidades vizinhas, Hong Kong e Macau, região com cerca de 50.000 quilómetros quadrados, que representam cerca de metade da área de Portugal, e onde há 80 milhões de habitantes, com um PIB de USD 1,5 triliões. Temos neste “ponto da China” oito vezes a população de Portugal e oito vezes o seu PIB, uma região que está em rápido crescimento, onde as empresas poderão potencialmente realizar negócios, se investirem na abertura de escritórios em Macau. Aqui fala-se português, inglês, cantonense e mandarim, e existem bancos portugueses para apoiar essas empresas e, a partir daqui, olharem para o continente chinês como uma forte oportunidade, mas iniciando numa fase piloto negócios aqui na região da grande baía.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

Apesar da crise existente em diversas partes do mundo, onde a China também se inclui, ainda mantemos um dos maiores crescimentos económicos mundiais – na ordem dos 5%. Existe uma classe média com um elevado poder de compra. Existem muitos produtos que podem ser vendidos aos consumidores locais que apreciam a qualidade. Acredito que as empresas portuguesas que estão habituadas a competir noutros mercados internacionais podem também aqui vender os seus produtos. A ilha de Hengqin, com três vezes a área de Macau e que tem uma cogestão das autoridades da província de Guangdong onde nos encontramos, com as autoridades de Macau, numa lógica de diversificação da economia, pode ser uma porta de entrada para as empresas portuguesas habituadas a competir no mercado internacional nos sectores da cortiça, vinho, azeite, café, moldes, farmacêutica, ambiente e IT.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Existe já um stock acumulado de investimento de empresas chinesas em Portugal de quase 4 biliões de euros, em setores tão diversos como energia, bancos, seguros, saúde, construção, obras publicas, ambiente e produção de vinho. Portugal é uma porta de entrada para as empresas chinesas fazerem negócios na Europa e também em África, via países de língua portuguesa e mesmo na América do Sul. Eu suponho que no setor automóvel e no sector portuário (associado ao investimento chinês no projeto “Faixa e Rota”) ainda existam boas oportunidades para as empresas chinesas equacionarem investir. As empresas portuguesas são um veículo excelente para a internacionalização das empresas chinesas na Europa e em África como anteriormente referi.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em portugal?

Uma vantagem competitiva que observo aqui é a rapidez de entrada no mercado: entre a geração da ideia, a execução e o lançamento do produto ou serviço no mercado. Existe uma capacidade de execução muito forte e os portugueses também o fazem quando são motivados e bem dirigidos para tal. Ao observarmos o que se passa no Luxemburgo, que tem um dos maiores PIB per capita do mundo e em que a sua população é composta por 15% de portugueses, vemos que também somos capazes. Com um bom planeamento, organização, mecanismos de controlo e com um governance adequado, podemos ambicionar a fazer como os melhores,  dada também a nossa capacidade inata de improvisação, que como disse há pouco, não deveremos utilizar em excesso… Deveríamos reduzir a burocracia e implementar coisas que todos sabemos que deveriam e podem ser feitas em Portugal para melhorar a nossa competitividade e passar a ter uma economia mais pujante, para que os nossos filhos e netos possam encontrar empregos que lhes permitam realizar os seus sonhos, vivendo com dignidade e sem necessidade de emigrarem.

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Claro que irei voltar para Portugal! Gosto muito de estar em Macau, onde me sinto em casa e onde fui muito bem acolhido. Mas eu amo o meu país. Acho que Portugal é um dos melhores lugares do mundo para se viver. Visitei muitos países em trabalho, e, no final, não tenho grandes dúvidas sobre o facto de Portugal ser um dos melhores lugares para se viver. Muitos estrangeiros já descobriram isso. Há muitas coisas no nosso país que, em conjunto, são inigualáveis. O multiculturalismo, a simpatia, a segurança, o custo de vida, a alimentação, o clima, a qualidade das infraestruturas e o sistema de saúde, são fatores que os levam a escolher Portugal como um destino de eleição. Com toda a certeza, também voltarei ao meu País!

Consulte a entrevista original aqui.