Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que a levou a sair de Portugal?
A decisão que me levou a sair de Portugal, há alguns anos, foi motivada por uma oportunidade irrecusável de acrescentar valor ao meu percurso profissional. Esta oportunidade foi-me proporcionada pela Microsoft, na China. Esta mudança na minha vida marcou o início de uma jornada internacional que me levaria aos Estados Unidos da América, onde ainda hoje me encontro.
Mais tarde, concretizei uma transferência interna na Microsoft, desta vez para os EUA. Na altura, fiquei baseada em Seattle, onde depois fundei a minha empresa, a Defined.ai, no final de 2015. Mais recentemente, mudei-me para Washington, D.C. para estar mais perto dos órgãos do Governo americano.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Não encontrei nenhuma desvantagem significativa no facto de ser portuguesa, quando me mudei de Portugal para a China ou da China para os Estados Unidos da América.
No entanto, nos EUA existe uma sensação de mixed feelings em relação à emigração, pois o país apenas acolhe e aceita emigrantes qualificados. Nesse sentido, a minha entrada no país foi bastante facilitada, pois eu tive o privilégio de entrar através de um estatuto especial: transferência interna na Microsoft. Talvez esta sim tenha sido uma vantagem, mas não pelo fator nacionalidade.
Ainda assim, até obter a cidadania americana, posso afirmar que sentia que havia alguma discriminação social. No caso da China, sentia-me simplesmente um “alien”, pois não há muitas mulheres estrangeiras a irem para a China, viver e trabalhar, que sejam altamente qualificadas. Normalmente, este fenómeno é muito mais associado aos homens executivos que, em trabalho, levam as suas esposas e famílias consigo – não o contrário.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Os Estados Unidos da América sempre foram conhecidos por serem um país cheio de oportunidades interessantes para aqueles que trabalham bastante e possuem ambição e resiliência. E, por isso, também se torna um ambiente implacável e imperdoável para quem não se integra neste espírito trabalhador.
Não lhe chamaria propriamente um obstáculo, mas trabalho árduo e contínuo são sem dúvida os ingredientes para a receita ideal de como superar este desafio com que nos deparamos quando se entra no país. Diria que é mais um choque de realidade do que um obstáculo em si. É perfeitamente ultrapassável se se dedicarem e acreditarem convictamente na razão que vos fez querer, acima de tudo, entrar nos EUA.
4- O que mais admira no país onde está?
O que mais admiro nos Estados Unidos da América é a cultura de recompensa e reconhecimento pelo trabalho árduo e, consequentemente, pelo sucesso. Existe um certo ambiente de competitividade, promovido por esta cultura, que incentiva a inovação e a torna num dos pilares mais importantes da sociedade americana. Sem ela, o país não seria a potência que é hoje.
Além disso, também admiro o facto de, mesmo sendo um país bipolar em muitas áreas, ter menos preconceito em relação à diferença. Há uma maior abertura e aceitação em relação à diversidade e pluralidade, mesmo sendo um país dividido em diversos aspetos da sociedade.
Os EUA continuam a ser, desde a sua formação, o país onde as oportunidades são abundantes, mantendo-se desde então a potência económica mais desenvolvida no mundo.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
Sendo fundadora da minha própria empresa, a Defined.ai, tenho muito orgulho do nosso percurso e da nossa integridade. Um dos fatores que mais admiro na minha empresa é o facto de a nossa visão, desde 2015, continuar a ser mais relevante e atual do que nunca, em 2024.
A maior parte das startups acaba por morrer nos primeiros anos de existência. Nós temos lutado constantemente contra isso mesmo: somos um verdadeiro exemplo de inovação, resiliência e integridade de valores que se mantêm desde o início. Como qualquer outra empresa tecnológica, já sofremos muitas transformações ao longo do tempo e tenho muito orgulho no caminho consistente que temos percorrido até à atualidade.
Olhando para a concorrência, a maior parte dessas empresas não sobreviveu até hoje, algumas delas até com melhor financiamento do que nós, e a Defined.ai continua a crescer a olhos vistos no setor da Inteligência Artificial (IA) e a tornar-se na voz mais ativa de IA Ética em todo o mundo.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
As recomendações que daria a Portugal e aos seus empresários e gestores podem parecer até bastante simples, mas são verdadeiramente eficazes quando realmente postas em prática:
a) Sejam mais arrojados! Não tenham medo de arriscar e até mesmo de falhar, pois faz tudo parte do processo de crescimento profissional. Ser destemido é mesmo muito importante – é um fator diferenciador. Não deixem escapar nenhuma oportunidade por falta de coragem para avançar.
b) Olhem sempre para o mercado à escala global. Uma estratégia onde as empresas portuguesas olham apenas para o mercado à escala nacional é sempre um grande risco. Procurem oportunidades globais.
C) Estejam constantemente atualizados e preparados para mudar e adaptar-se consoante as necessidades do mercado em que estão inseridos. A necessidade de rápida adaptação é fundamental para garantir a competitividade e a sustentabilidade no cenário atual.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
O tecido empresarial de Portugal é composto na sua quase totalidade por pequenas e médias empresas, sendo que 96,1% são mesmo microempresas (INE, PORDATA, 2022). Este facto torna ainda mais difícil a possibilidade de escalabilidade global.
Seria muito difícil encontrar clientes nos Estados Unidos da América, sem a empresa fazer uma transição global e digital. Quando se perceciona o mundo dos negócios à escala global, aí sim há mercado para toda a gente. O mercado americano pode oferecer uma ampla gama de oportunidades para empresas portuguesas, caso estas estejam preparadas para essa transição.
No setor tecnológico, os EUA são o país mais avançado do mundo. Por isso, apesar de existir muita concorrência, ainda há espaço para entrar. É preciso é encontrar um ângulo diferenciador ou apresentar soluções inovadoras para se poder singrar entre tantos outros.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Portugal continua a ser um país com talento bastante atrativo para se montar um centro de operações de suporte para empresas tecnológicas – que é exatamente o que fiz com a minha empresa. Por estas razões, diria o setor tecnológico.
Já os EUA são muito diversos: na West Coast e em Seattle é muito comum criar centros de operações em Portugal. Em Washington, D.C., para onde me mudei recentemente, a maior parte das empresas prestam serviços ao Governo americano e são obrigadas a recrutar talento do país.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Os EUA têm um modelo completamente único no mundo, onde fazem uma separação muito forte entre o setor privado e o público. Eu considero este modelo uma vantagem competitiva que poderia ser replicada em Portugal.
Os portugueses e, consequentemente, as suas empresas, continuam a viver na dependência do Estado e esperam muito suporte. Nos EUA, existe uma separação muito nítida neste sentido, sendo o ambiente de inovação, que se reflete por todo o país, claramente alavancado pelo setor privado.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
De momento, não. Não penso voltar a Portugal porque ainda me encontro a escalar cada vez mais a minha empresa, e há muito por fazer e alcançar. E é aqui, nos Estados Unidos da América, que estão as oportunidades de negócio da Defined.ai: 99% do nosso mercado continua a ser o americano. Não podendo ignorar este facto, ainda não consigo pensar voltar a Portugal, de momento.
Consulte a entrevista original aqui.