9 de Janeiro de 2024

Entrevista com João Barbosa: “A periferia do país é mais mental do que geográfica”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Na realidade, fiz a maior parte da minha vida profissional, que já conta 34 anos, a viver, ou a viajar por vários países. Inicialmente, o viver fora foi impulsionado pela minha carreira internacional enquanto trabalhei para uma empresa multinacional. Mais tarde, quando me tornei empresário, a saída de Portugal teve a ver com a necessidade de estar mentalmente mais perto dos mercados internacionais onde eu pretendia operar. Houve também razões de ordem familiar, uma vez que sempre considerei ser importante dar mundo às minhas filhas e que elas pudessem beneficiar de uma educação internacional.     

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Quando se está respaldado por uma grande empresa ou uma grande organização, a nacionalidade não tem impacto (nem positivo, nem negativo). No entanto, quando essa proteção não existe, encontram-se por vezes estereótipos relacionados com a nacionalidade de origem. Portugal precisa de elevar a sua reputação para além das áreas do turismo, ou do futebol. Quando se vende conhecimento e serviços muito especializados, por vezes o esforço inicial para vencer a barreira do selo de origem pode ser maior se se estiver a competir com entidades de outros países cuja reputação seja percetivamente mais elevada. Se estivesse a vender viagens turísticas, talvez o selo de origem pudesse ter um impacto mais positivo.  No entanto, devo dizer que, até agora, não tive nenhum prejuízo com a origem. Aliás, em várias ocasiões, eu diria que a nacionalidade foi benéfica porque se associa o povo português a um povo pacífico, trabalhador e amigo de diferentes culturas.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Quer a vida empresarial, quer a vida pessoal, têm sempre altos e baixos. O mais importante é acreditarmos no caminho que traçamos e ter a resiliência necessária para vencer os obstáculos. Ao nível profissional, a estratégia foi delineada há vários anos e temos evoluído através de uma validação permanente da sua adequabilidade aos mercados onde operamos. Ao longo dos anos, tivemos projetos em países muito diferentes, desde a Guatemala até à China. As formas de trabalhar e as culturas de cada um deles são muito diferentes, e sempre tivemos a mente aberta para aceitar as diferenças.

Ao nível pessoal, a união da família e a sincronia de objetivos tem sido muito importante. Em casa estamos todos unidos numa visão abrangente do mundo e no entendimento de que quanto mais virmos, mais compreendemos e de que quanto mais compreendermos, mais facilmente nos adaptamos ao contexto onde estamos.        

4- O que mais admira no país onde está?

O Reino Unido é a sexta economia do mundo (medida em PIB nominal) e uma das democracias mais robustas do mundo. Isso, por si só, traduz-se num dia-a-dia com elevados níveis de cidadania e oportunidades. Mas, existem várias coisas que eu destacaria e que admiro.

A primeira, é a forma como os políticos são responsabilizados. Essa é uma diferença muito grande, que vejo, por exemplo, face a Portugal. Creio que o facto de existir um sistema eleitoral uninominal pode contribuir muito para isso.

A segunda coisa que admiro é o respeito pelo contribuinte. Ainda há pouco tempo,recebi uma carta do HMRC (as Finanças de UK) em que começava com ”Dear Customer”. O Reino Unido trata os seus cidadãos de forma justa e existe grande reciprocidade nas obrigações e direitos entre o governo e os cidadãos.

O terceiro aspeto que realçaria é a forma como as empresas são apoiadas e a existência, mais uma vez, de um sistema fiscal amigo de quem investe.

Um quarto aspeto está relacionado com a educação que, não obstante ter sofrido algum impacto com a saída da União Europeia, não deixa de ser uma referência a nível mundial. Por razões pessoais, tenho visitado muitas Universidades pelo Reino Unido e nunca deixo de ficar impressionado com a sua qualidade. Para além disso, a Academia tem uma ligação muito relevante com o mundo empresarial e é determinante na sociedade britânica. 

Por fim, diria que é um país muito aberto à inovação e à mudança. Desde a música e arte, até à ciência, é enriquecedor ver o quanto se produz e se realiza.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Ser juiz em causa própria não é muito apropriado, mas claro que há motivos de orgulho.

Temos uma enorme capacidade de alcance geográfico e já realizámos projetos em cerca de 40 países. O ser capaz de com uma microempresa alcançar mercados tão variados como os africanos, europeus e asiáticos, creio que é de louvar. Por outro lado, temos tido também êxito em muitas áreas de retalho distintas, desde o retalho de produtos de grande consumo a farmácias, ou, ainda, na restauração.

Outro motivo de orgulho é o termos inovado nas nossas próprias metodologias de análise e idealização de soluções, com desenvolvimento in house de algoritmia própria, com investimento em tempo e recursos na área da computação. A nossa área de Retail Design tem também evoluído muito, com enorme esforço na formação da nossa equipa.

Mas, de tudo o que possamos valorizar, o que mais destacaria é a enorme qualidade da nossa equipa, que tem uma vasta experiência nas áreas de computação, research, e design, bem como no seu nível de compromisso com a empresa.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Internacionalizar, internacionalizar e internacionalizar.

Oiço, muitas vezes, a queixa de que Portugal tem uma geografia periférica, mas não creio que seja bem esse o problema. Considero que essa periferia é mais mental do que geográfica, até porque hoje a barreira da distância esvai-se através das formas de comunicação digitais que estão disponíveis. Por outro lado, também sinto que por vezes a falta de dimensão das empresas parece ser uma barreira, mas, uma vez mais, essa barreira é muito mais mental do que real. Se nós na AIR&D conseguimos alcançar já 40 países, seguramente a dimensão da empresa não pode ser uma barreira para expandir o negócio.

A internacionalização também uma outra grande vantagem que muitas vezes está camuflada. Quando queremos entrar em mercados no exterior, somos obrigados a melhorar muito os nossos pontos de diferenciação porque a concorrência ao nível internacional é muito agressiva.

Por fim, gostaria de aconselhar a que houvesse uma enorme preocupação com a eficiência, que é um dos grandes problemas da economia e das empresas portuguesas – não obstante sermos dos povos que mais horas por dia trabalha. Trabalhar mais não se traduz necessariamente em produzir mais ou melhor. A melhoria dos processos de fabrico, de comercialização e de decisão, é talvez uma das grandes prioridades nacionais.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

Portugal produz dos melhores engenheiros em todas as áreas possíveis e imaginárias da engenharia, melhores médicos e outros profissionais de saúde, melhores criativos e melhores gestores. Desde a culinária à ciência, o que não falta são portugueses com enormes capacidades profissionais. O mundo está em grande mudança, e o Reino Unido é talvez dos países no mundo que melhor acolhe a diversidade, a inovação, a criatividade e qualidade. Talvez por isso eu diga que qualquer empresa poderia vingar no Reino Unido, desde que traga uma proposta inovadora, independentemente do sector em que se encontre, porque o Reino Unido é um país com um mercado muito aberto.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Mais uma vez, não creio que exista uma vontade (ou falta dela) específica de um determinado sector. Portugal tem de criar as condições ótimas e competitivas para os investimentos seja em sector for. Nós temos profissionais de excelência em praticamente todas as áreas, mas depois os contextos económicos e legais são desfavoráveis. O excesso de regulação, a falta de resolução rápida dos tribunais, uma fiscalidade pouco amiga do contribuinte, os impostos e taxas tão altos e atomizados, os licenciamentos demorados, etc., fazem com que, independentemente do setor, os investidores refreiem os seus ímpetos.

Na minha modesta opinião, Portugal poderia ser um paraíso empresarial se as condições de contexto fossem melhoradas substancialmente.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

Há várias que são reflexo do que já referi anteriormente. A relação da Academia com a sociedade e o mundo empresarial, a relação do Fisco com o contribuinte, a celeridade da justiça são, ao nível do contexto, muito relevantes.

Depois, há uma outra vantagem que me parece ser muito interessante e que é a capacidade competitiva que as empresas britânicas têm ao nível do Marketing, com uma enorme capacidade de alavancar o seu alcance internacional.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Na verdade, eu viajo muitas vezes para Portugal, onde mantemos com êxito parte das nossas operações e, claro, também por razões familiares. Gostaria, talvez um dia mais tarde, de voltar definitivamente, mas creio que por agora será mais útil para a empresa e para a família, que me mantenha no estrangeiro.

Consulte a entrevista original aqui.