6 de Junho de 2024

Entrevista com José Cláudio Silva: “Singapura é porta estratégica de entrada no sudeste asiática”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O QUE O/A LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Quando completei o curso de Arquitetura, em 2003, o mercado para a profissão de arquiteto não era bom. Acho que se formavam bastantes mais arquitetos do que o que a nossa economia podia eventualmente absorver… As oportunidades que tive pareceram sempre pouco ambiciosas ou estavam ancoradas no facto de os meus pais continuarem a financiar o meu dia a dia como se eu ainda fosse estudante.
Tive então uma conversa com um dos meus professores universitários de projeto – Manuel Vicente -, e este desafiou-me a trabalhar com os seus sócios em Macau. Achei então que seria uma oportunidade singular – um bom começo – e aceitei. Trabalhei em Macau dois anos e meio, seguindo-se um ano em Hong Kong e 16 anos em Singapura. E continua..

2. QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS/A?
Não acho que tenha tido nenhuma vantagem ou desvantagem óbvias, ou extraordinárias, devido à nacionalidade. Sendo português poderei ter tido facilidade em obter o visto de trabalho em Macau, mas não posso afirmá-lo categoricamente. Da mesma forma que, quando me mudei para Hong Kong para trabalhar no projeto de ‘resorts’ integrados para serem construídos em Macau, o facto de falar a língua portuguesa e potencialmente entender melhor os códigos locais de Macau, poderá ter sido um pequeno fator favorável.
Em termos de perfil profissional, acho que o arquiteto português está predisposto ou até habituado a um certo nível de sacrifício. É uma profissão de começo muito difícil em Portugal. Neste sentido, acho que a reputação em geral da mesma, pelo menos em Hong Kong e Singapura, é de um profissional de qualidade, com boa formação e bastante trabalhador.
A equipa para a qual fui contratado em Hong Kong era enorme – cerca de 150 arquitetos – e havia gente de todo o mundo – China, Hong Kong UK Canadá USA, Portugal, França, México, índia, Indonésia, Nova Zelândia, Austrália, etc. Era um ambiente bastante internacional e muito exigente profissionalmente. Não senti que nenhuma nacionalidade específica tivesse prioridade em relação a outra; mas apercebi-me de como os portugueses eram olhados, em termos de responsabilidade, confiança, dedicação e até capacidade de liderança pelo exemplo (leadership by example’).

3. QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Pessoalmente, a integração no contexto social de Macau – primeiro, Hong Kong, de seguida e, por último, Singapura – foi sempre muito fácil. Desenvolvi amizades rapidamente em qualquer um dos ambientes. Em Macau existia uma comunidade jovem portuguesa, intensa socialmente, e daí que a integração tenha sido mais fácil e rápida Os maiores obstáculos ou desafios que encontrei foram profissionais e relacionados com a linguagem de projeto e construção internacionais, nomeadamente em relação os acrónimos/siglas associados… Nos ambientes anglo-saxónicos usam-se abreviaturas para tudo. Tive de desenvolver o meu próprio dicionário de siglas para conseguir comunicar. Com o tempo, este desafio foi superado, e hoje até uso e abuso das siglas e acrónimos.
Outro desafio foi o de trabalhar em grandes grupos, com grande número de consultores e em calendários muito apertados. Lembro -me de que nos primeiros 18 meses em Macau participei em mais de 25 projetos e alguns foram desde o conceito até à abertura do projeto e posterior utilização. Simplesmente incrível!
De seguida, em Hong Kong, trabalhei no maior projeto de sempre em área de construção até então – “Sands Cotai Central” – e o cliente – “Sands” – tinha como estratégia começar a construção ainda com o projeto em fase de design e coordenação. Em todo opro- cesso houve inúmeras mudanças e versões do design e, igualmente, inúmeras demolições sempre que algo evoluía e era diferente daquilo que já tinha sido construído. Com esta estratégia, o cliente conseguia poupar pelo menos um ano no processo de “design e construção” e, consequentemente, ganhar um ano extra de faturação da exploração do casino, convenções e hotel.

4. O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
Singapura é um país extremamente organizado, funcional, planeado e seguro. Eu admiro todas estas qualidades pois conferem-me grande liberdade de movimentos. Este alicerce tão sólido permite-me ter grande confiança, por exemplo, na rotina dos meus filhos, mesmo que me tenha que ausentar por uns dias em viagem de trabalho.
Numa outra dimensão, que me atrai igualmente, Singapura tem uma sociedade em geral sofisticada, educada, relativamente culta e que dá valor a um quotidiano sustentável. Embora o território seja pequeno – cerca de 20 por 40 km -, tem um sistema de parques, reservas naturais e ‘green connectors’ que fomentam o desporto, a conectividade pedonal, etc. Existe também uma grande oferta de museus, restaurantes internacionais e locais, infraestruturas desportivas, etc, que tornam o país confortável para viver, com uma oferta diversa para o desenvolvimento de rotinas saudáveis.

5. O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA/ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
A 10 Design é uma firma internacional de vanguarda em arquitetura e planeamento urbano e que tem uma perspetiva verdadeiramente global. Embora opere a partir de vários ateliês, funciona de forma bastante coesa, de colaboração e partilha intensas, como se fosse um escritório só. Esta é uma excelente qualidade que confere enorme resiliência ao grupo.

6. QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
Não me considero necessariamente um empresário de particular sucesso que possa aconselhar, por currículo, empresários e gestores portugueses. Sou um arquiteto que tem tido responsabilidades de gestão, há vários anos. No entanto, acho que, numa perspetiva relativamente simples, recomendaria incentivar/patrocinar a experiência internacional, por um determinado período – 2 ou 3 anos -, a jovens talentos portugueses. Fá-lo-ia criando, por exemplo, um vínculo mais longo onde estariam previstos um regresso e uma continuidade na empresa/entidade promotora. Desta forma, amais valia criada, aliada ao talento e qualidades originais, retornariam a Portugal.
Uma experiência no estrangeiro confere-nos uma visão ampla dos contextos, das culturas, dos conflitos, das religiões, das perspetivas e até das oportunidades de negócio, o que acho ser fundamental para uma sociedade moderna e culturalmente elevada- como a que idealizo que a portuguesa seja na arquitetura, por exemplo, acho que essa visão universal é muito valiosa, fundamental até.

7. EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Essencialmente, penso que Singapura deve ser vista como uma porta estratégica de entrada no sudeste asiático ou mesmo na Ásia-Pacífico. Julgo que nos setores de IT, de energias renováveis, turismo personalizado e de exportação de produtos alimentares de grande qualidade, são setores em que Portugal é muito forte e com possibilidades de sobressair – algo, que até certo ponto, já faz com algum sucesso. Penso também que no setor logístico deveríamos poder evoluir em cooperação com Singapura

8. EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Da mesma forma que eu vejo Singapura como uma porta estratégica para o sudeste asiático, Portugal pode ser uma porta estratégica para a Europa e até uma ponte para as américas. Já existe um investimento significativo de Singapura em território português no setor logístico – Porto de Sines e vejo este como um setor-chave para Portugal. De certa forma, os dois países têm as suas semelhanças nos contextos geográficos e estratégicos, nas regiões onde se localizam. Penso também que existe um certo fulgor económico e liquidez para investimentos nesta região e, daí, poderá ser atrativo para empresas do sudeste asiático investir na formação e especializações profissionais em ‘hi-tech’ e sustentabilidade, na produção alimentar e, outra vez, na exploração de energias renováveis, onde Portugal parece estar entre os países líderes nesse setor.

9. QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Singapura tem algumas vantagens em relação aos seus países vizinhos, das quais destacaria a estabilidade política, a solidez bancária e financeira, a situação geográfica estratégica (no contexto do Sudeste Asiático), a aparente situação geográfica privilegiada – protegida de desastres naturais – e o facto deter uma rede de infraestruturas e transportes de eleição. Portugal, podendo servir como pais-charneira entre a Europa e as Américas, entre a Europa e o Noroeste Africano e mesmo entre a Europa e a Ásia – em ligações marítimas – deveria ter uma rede de aeroportos, portos e transportes aéreos, marítimos e ferroviários igualmente de eleição. Passaria a potenciar a sua posição geograficamente estratégica e privilegiada, para fortalecer a sua economia e resiliência.

10. PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Sem dúvida. Portugal é onde a minha família direta e os meus amigos de infância e juventude se encontram. Aliado a este contexto, Portugal é um país privilegiado em termos de segurança, clima, gastronomia, etc. Voltará a ser, mais tarde ou mais cedo, a minha residência.