7 de Maio de 2024

Entrevista com Luís Cunha: “África tem casos de excelência global que devem ser admirados”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Olhe, nunca tinha pensado em emigrar. Contudo, a minha família tem histórico. Bisavôs, avós e pai, que somente com 14 anos emigrou sozinho para o Brasil. Mas, como disse, estava confortável em Portugal. Tinha uma carreira profissional preenchida e, trabalhando numa empresa global, conseguia, a partir de Lisboa, trabalhar em locais tão diversos como Boston, Santiago do Chile, Brasília, Madrid, Barcelona, Luanda, Atenas, etc.. Contudo, tudo é até um dia. Esse dia chegou aquando da minha substituição como Managing Partner da McKinsey em Lisboa. De forma não pensada, lancei a provocação à minha esposa para mudarmos de ares. Foi algo tão inusitado como perguntar se jantávamos fora ou em casa…. Esperava que ela, também com uma carreira profissional, me perguntasse o que é que andaria a fumar? Na altura todos os nossos filhos estavam em idade escolar. Não sei se por entusiasmo genuíno ou para “call o meu bluff” ela perguntou “Onde?”. E assim foi. Somos imediatamente “bombardeados” com várias opções, e vários colegas a querem “puxar-nos” ora para uma geografia ou para outra. Mais uma vez, ela interveio. Teve a capacidade de ver para além do óbvio. Escolheu a África do Sul. Basta fazer uma pesquisa online para ver que nada de positivo é dito, em particular no que se refere à violência. Contudo, ela não se assustou. Achou que seria uma experiência “anglo-saxônica tropicalizada”. Assim, em 2015, lá fomos todos de armas e bagagens viver para Joanesburgo. Passámos sete dos melhores anos da nossa vida nesse país fantástico. Fizemos amigos também “tugas” e foi lá que todos os meus filhos se tornaram adultos. Consideramo-nos “sul-africanos adotivos”. Só não deu foi para perceber as regras do rúgbi, apesar de nos sentirmos campeões do mundo! Ainda bem que a minha esposa viu para além do óbvio. Há quase dois anos, decidimos pôr fim ao nosso período de Joanesburgo, e fixámo-nos em Casablanca, uma vez que os nossos filhos estudam agora na Europa.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Português?

Desvantagem? Nenhuma! Muitos podem não concordar comigo e até achar arrogante o que vou dizer – muitas vezes essas desvantagens estão na cabeça e em mais lado nenhum. Sendo Portugal, como já ouvi, “um dos mais pobres dos países mais ricos”, isso pode gerar estereótipos. Mas se isso nos atingir já começamos o jogo a perder. Assim, onde quer que esteja, faço questão de dizer que sou português e mostrar orgulho nisso. Vantagens? Acho que sermos um país aberto ao exterior nos dá uma vantagem competitiva na emigração. Temos um genuíno interesse em conhecer, em aprender os hábitos e tradições dos povos que nos acolhem e não temos problema em nos adaptar, sem ter a pretensão de impor. Por último, e acredito que isto aconteça a todos, é uma enorme vantagem ser invariavelmente, invariavelmente mesmo, associado ao Cristiano Ronaldo, cada vez que mostro o meu passaporte num posto fronteiriço, mesmo dos mais recônditos.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

O principal desafio foi o de reconstruir o meu portefólio de clientes. Na McKinsey, quando um Sócio Senior se muda para um novo escritório, deixa de servir os clientes na sua anterior geografia, para libertar tempo para investir na nova centralidade geográfica: no meu caso, setor financeiro em Africa com epicentro na África do Sul. Apesar do entusiasmo de começar do zero, é mais fácil dizer do que fazer. Chegar a uma geografia em que não conhecemos ninguém e ter de desenvolver um novo conjunto de clientes não é fácil. Torna-se ainda mais complexo quando se trata de uma atividade que se baseia em relações de confiança com os executivos que servimos. Só superei este obstáculo com a enorme generosidade dos meus sócios do escritório de África. Seja partilhando comigo alguma das relações que tinham e onde eu poderia acrescentar valor, seja juntando-se a mim para, em conjunto, partilharmos o desafio. Foi nesses momentos que me apercebi que na McKinsey mais do que simples “sócios”, na verdade somos parceiros.

4- O que mais admira no país onde está?

Apesar de ter estado em Joanesburgo e agora em Casablanca, tenho o privilégio de trabalhar em praticamente todas a principais economias africanas. Contrariamente à vox populi, o continente é muito diverso. Em Portugal temos alguma presunção de conhecer África, mas na realidade não conhecemos. A África lusófona talvez. Mas África como um todo não. Nem nela somos muito conhecidos. Africa são 54 países com tradições, culturas e níveis de desenvolvimento díspares. Diria, assim, que admiro a ambição dos nigerianos, o calor dos angolanos, o orgulho dos etíopes, o profissionalismo dos sul-africanos, a simpatia dos quenianos e a vontade dos egípcios. No mundo empresarial, há em África casos de excelência global que devem ser admirados. São exemplo disso a indústria de seguros de saúde e de retalho na África do Sul ou mesmo a “invenção” do “Mobile Money”, originária do Quénia mas neste momento espalhada muito para além, com centenas de milhões de pessoas a terem acesso a serviços financeiros e de seguros por via exclusiva do telefone.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Uma já referi: o apoio e generosidade entre colegas. Entender que somos mais fortes quando jogamos em conjunto. A segunda é o sermos orientados pelos nossos valores. Não são para estar somente na parede, mas para os vivermos no dia-a-dia, mesmo que isso seja difícil. Orgulho-me do facto de me perguntarem “o que é que está certo?” e não “o que é melhor para nós?”. Somos, no presente, a maior partnership verdadeiramente global. Contudo, mantemos na essência os valores de independência, de impacto e de primazia dos clientes que nos norteiam há quase 100 anos.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

É uma pergunta um tanto ingrata pois as generalizações são perigosas. Correndo esse risco, diria que em geral precisamos de mais ambição. Ficamos contentes com “somos os melhores, somos uns desenrascados”, mas depois somos ultrapassados por todos os lados por países que até há pouco tinham performances inferiores. E para se ter ambição não é necessário ter recursos, nem capital, enfim, ser “rico”. Normalmente é ao contrário: os recursos aparecem quando há ambição. Voltando ao Ronaldo, todos sentimos muito orgulho nos golos dele, mas se calhar devíamos focar mais na ambição que ele sempre teve. No meu ponto de vista, tudo começa aí.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

No seu conjunto, África é uma região com um enorme desenvolvimento e em grande transformação.  Há oportunidades em todas as áreas: Retalho, Infraestruturas, Tecnologias de Informação, etc.. Só para citar algumas em que o nosso país tem alguma tradição. Agora, é também uma região de enormíssima volatilidade. Só se deve avançar caso se tenha capacidade para fazer frente a estes desafios. Se não, é melhor nem tentar.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Com a exceção do turismo que é muito procurado e onde somos um dos países da moda, não estamos propriamente no radar dos investidores. Provavelmente, exceção feita aos países lusófonos, estes investidores procuram geografias de grande crescimento ou de grande dimensão. Nós, neste momento, não oferecemos nenhum destes atributos. Acho que deveríamos olhar para a Irlanda que conseguiu “vender” o acesso à UE desde Dublin. Temos felizmente alguns casos destes, mas são mais a exceção do que a regra. Acredito que a regra ainda seja o de investidores olharem para a Península Ibérica como um único mercado, e nós não sermos capazes de evitar a centralidade de Madrid ou Barcelona. Reduz-se assim a oferta de postos de trabalho bem remunerados em Portugal e indiretamente contribui-se para a emigração. 

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

A vantagem competitiva mais conhecida do continente são os recursos naturais. Todos conhecem o petróleo e o gás, mas mesmo para a transição energética, África é crítica. É lá que se encontram as principais jazidas de materiais essenciais, como magnésio, cobalto, platina, etc.. Menos conhecido é o facto de África, em poucas décadas, ultrapassar a China e a India como base da maior população ativa do mundo com 1,2 mil milhões de pessoas. Contudo, estas vantagens não são replicáveis.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Sim. Claro. Sempre tive isso claro. A família e o sentirmo-nos entre os nossos não tem preço. De qualquer forma, quando emigrei pensei que seria por 5 anos, e já lá vão 9… Como se diz – “o futuro a Deus pertence!”.

Consulte a entrevista original aqui.