29 de Maio de 2024

Entrevista com Miguel Caeiro: “Admiro a veia empreendedora e a vontade de ter sucesso”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Em 2011, ao fim de 20 anos a trabalhar na Europa, com base em Portugal, e numa fase da carreira em que estava a empreender como consultor de Marketing e Estratégia, tive um convite para implementar uns projetos extremamente interessantes no Brasil, pelo que decidi experimentar. Ao longo de todas as posições anteriores, sempre tive uma grande exposição ao mercado da América Latina, nomeadamente ao Brasil, pelo que não me era totalmente estranho, ainda que mudar de armas e bagagens foi toda uma nova etapa. Vim primeiro sozinho, e, depois de validar algumas premissas, a minha mulher e os meus três filhos juntaram-se, em janeiro de 2012.

Hoje, e nos últimos 5 anos, lidero a presença na américa latina de uma empresa norte americana na área de software e inteligência artificial para a publicidade (Vidmob – the Creative data company), com vários escritórios e servindo os maiores anunciantes do mercado digital em mais de 6 países.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Tenho de confessar que em 2011, no Brasil, Portugal e os Portugueses não tinham a melhor imagem ou reputação, tendo que lidar diariamente com muitos estereótipos e preconceitos, situação que se viria a alterar positivamente ao longo da última década.

Como, ao longo da carreira tive bastante interação com o mercado brasileiro, e coincidentemente nessa época estavam muitíssimos amigos e conhecidos também a morar em São Paulo, foi relativamente fácil a integração.

Curiosamente a maior desvantagem foi o idioma, o português. Ao parecer tão similar, transforma-se numa armadilha. Ao acharmos que entendemos o que dizem, e que eles entendem o que nós dizemos, essa falácia transforma-se num bloqueio para efetivamente fazer um esforço maior para entender o contexto, cultura, diferenças e sentidos tão dispares que simples expressões acarretam. Desde o início que prometi a mim mesmo efetuar um esforço tão grande de “tropicalizar” como se estivesse a ir para a Suécia, de modo a de facto tentar rapidamente entender a cultura, as diferenças, as expressões os rituais e as formas de conviver e trabalhar, sem preconceitos, estereótipos ou julgamentos de valor inerentes à comparação instintiva com o espelho direto da língua portuguesa mãe.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

A adaptação a um regime fiscal, leis trabalhistas, mercado bancário dinâmico e de ambiente de negócios completamente diferente levaram a uma necessidade de aprendizagem intensa e de abertura a novas realidades. A escala das operações, a dimensão dos mercados, do Pais e a diversidade existente exigem uma vontade e uma necessidade de aprendizagem diária.

A decisão de “tropicalizar” desde cedo, entendendo de forma profunda as formas, os porquês e os como fazer levou a aprendizagens rápidas, algumas dolorosas, mas excelentes para permitir uma curva de aprendizagem e evolução. Hoje, passados 13 anos, sinto-me muito em casa e extremamente bem acolhido.

4- O que mais admira no país onde está?

A alegria e otimismo contagiante deste povo maravilhoso que nos acolhe como uma mãe que abraça cada filho que chega. As energias vibrantes e alegres do Samba contrastam em muito com a carga mais derrotista e pessimista do Fado que me tinha acompanhado até então.

É um povo que chora com facilidade em momentos de enorme alegria amorosa, afetiva, profissional ou social, mas que, na adversidade, é guerreiro, crente, acredita que amanhã vai ser melhor e se levanta e trabalha para isso. É um povo que não tem preconceitos de largar uma carreira de “gravata” para agarrar um projeto de empreendedorismo, seja de Uber, serviços ou de jardinagem, para ter uma melhor qualidade de vida – não pensa sequer no que “os outros” vão pensar.

Admiro muito a veia empreendedora e a vontade de ter sucesso de toda a população, a alegria e informalidade que se vive no ambiente de trabalho, a abolição dos “Drs” e “engenheiros” e a proximidade entre as pessoas.

Admiro muito a diversidade deste povo que me ensina todos os dias a ser melhor, mais tolerante, mais humano, mais feliz.

Admiro muito a alegria com que é vivida a fé católica (neste caso a minha), a forma alegre, apaixonada e comprometida das cerimónias, das missas com lotação esgotada várias vezes por dia, do discurso desempoeirado e humano, da vivencia dessa fé no dia a dia e não apenas ao Domingo.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

A Vidmob é uma empresa com sede em Nova Iorque, com presença em 5 continentes, e tem como missão principal ajudar os grandes anunciantes do mercado digital a otimizarem os seus investimentos e a qualidade da criatividade através de uma ferramenta de inteligência artificial que identifica as áreas de melhoria de performance e de adequação em critérios como Diversidade, Acessibilidade e Sustentabilidade.

No entanto, ao fazermos isso para grandes anunciantes como a L’Oréal, Coca-Cola ou Heineken, fazemos também uso da mesma tecnologia, de forma totalmente gratuita, através da fundação Vidmob Gives, para ONG’s espalhadas pelo mundo, para que também elas possam atingir, através das plataformas de rede social, os seus objetivos, sejam eles de angariação de fundos, de sensibilização e informação, mobiliação de recursos ou mesmo de visibilidade.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Com a humildade e a perspetiva mais pragmática de quem está mais distante da realidade quotidiana, eu apostaria em alguns pontos chave:

  1. Talento – Acreditarem mais na qualidade incrível do talento e qualificação dos Portugueses.
  2. Mapeamento de Oportunidades – Olhando para as tendências de mercado nos vários setores da economia onde podemos, devemos e conseguimos agregar valor e fazer a diferença, desenhar um mapa de apostas estratégicas.
  3. Internet/tecnologia – Português como idioma é um dos mais utilizados no ambiente da internet, sendo, no entanto, pouco explorado. A tecnologia permite hoje operar em uma séria de negócios, sem olhar as fronteiras que sempre nos definiram como “mercado pequeno”.
  4. Midlife Chrysalis – Ao invés de ficarmos deprimidos com as estatísticas que evidencia uma idade média avançada no continente europeu, com destaque para Portugal, vamos reverter e olhar isso como uma fenomenal oportunidade de crescimento e diferenciação, quer no mercado de oferta de produtos e serviços, quer no mercado de talento e emprego. É hoje o segmento do mercado trabalho que mais cresce nos EUA, entrando cada vez mais como critério de Diversidade e Inclusão, no contexto do Etarismo, e existem cada vez mais estudos que demonstram que, perante expectativas de vida cada vez mais longevas, é de facto por volta dos 54 anos que começa a segunda metade da nossa vida produtiva. É, acima de tudo, uma segunda metade muito mais qualificada, assertiva, com conhecimento e experiência acumulada, com outras prioridades e objetivos, em que de facto o give back para a sociedade e para os outros domina, bem como a construção de legado e de mudança quer em relação à sua cidade, ao seu país ou aos seus similares.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

Dada a dimensão da população de mais de 210 milhões de habitantes, da economia florescente em variadíssimos setores, e das oportunidades gigantes de desenvolvimento, acredito que são inúmeras as possibilidades.

Existem ainda uma série de dificuldades de reconhecimento mútuo de algumas categorias profissionais, que impossibilitam um olhar pleno para as possibilidades, mas também aí acredito que se possa, a curto prazo, encontrar soluções que beneficiem os dois países.

Apenas ilustrando com um exemplo, Portugal tem um setor de turismo de qualidade bem mais estruturado e preparado do que a realidade brasileira. Acredito que é um setor ondes os grupos portugueses, alguns já cá presentes, podem fazer parte desse crescimento inevitável do turismo no Brasil, ainda muito longe do seu potencial.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Identificando os setores de enorme desenvolvimento no Brasil, acredito que nas áreas de agro-negócio, indústria, e mercados financeiros, que são áreas onde já existem exemplos reais de grande sucesso.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

O Brasil tem uma cultura de empreendedorismo em todas as suas dimensões, desde o micro empreendedor até ao investidor de larga escala, tem uma cultura que admite, e até incentiva, o erro, como peça fundamental para aprendizagem e evolução mais rápida, e tem uma admiração positiva pelo sucesso, o que incentiva o progresso económico e a aposta em vários setores.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Tendo três filhos jovens adultos, a minha prioridade e da minha mulher é ficarmos num raio de 2 a 3 horas de avião deles e dos futuros netos, pelo que, tendo em conta as profissões que eles escolheram (mercado financeiro, psicologia e direito), se torna pouco credível um regresso permanente a Portugal. No entanto, seremos sempre portugueses com muito orgulho, com visitas regulares, investidores e embaixadores das nossas qualidades ímpares.

Consulte a entrevista original aqui.