27 de Março de 2024

Entrevista com Miguel Martins da Silva: “Colaboração entre academia e indústria gera talentos”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Desde o início da minha carreira profissional, sempre trabalhei em ambientes e projetos internacionais. Trabalhar em países diversos proporciona uma perspetiva muito diversa do mundo em geral e dos negócios em particular. A experiência em diversas Indústrias e países permite ampliar os conhecimentos e abordar diversas dinâmicas de mercado. A exposição global e a dimensão dos negócios nos quais estive e estou envolvido foi e é determinante no desenvolvimento da minha carreira profissional e, obviamente, contribui em grande parte para o valor que adiciono aos projetos e organizações nos quais e com as quais colaboro. 

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Português? 

Nunca senti qualquer efeito negativo em ser português, facto do qual muito me orgulho. A nossa herança cultural, resiliência, abertura ao mundo e a outras culturas, bem como a grande capacidade de adaptação, foram sempre determinantes no aprofundar de relações de confiança e de qualidade no plano Internacional. A nossa história de exploração e adaptação e a ênfase portuguesa em relações colaborativas e comunicação diplomática sempre foram, e serão, características determinantes em posições de liderança e na execução de projetos internacionais. A nacionalidade portuguesa sempre foi de forma consistente uma fonte de respeito e apreciação nas várias geografias nas quais trabalhei.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez? 

Os obstáculos são sempre os de nos adaptarmos a diferentes culturas e formas de ver o Mundo e os negócios. Certamente, mesmo em países muito próximos, para dar um exemplo na Europa Central, a cultura empresarial na Polonia, na República Checa, na Eslováquia ou na Romênia são totalmente diferentes e, portanto, exigem aproximações diversas. Alguém disse um dia que “a cultura come a estratégia ao pequeno-almoço”, e eu não poderia estar mais de acordo. Superar esses obstáculos envolve manter uma atitude de aprendizagem ao longo de toda a vida, a necessidades de superar barreiras linguísticas e a valorização de pontos de vista diversos. A abertura a perspetivas diferentes enriqueceu o meu processo de tomada de decisões e gestão de equipas multiculturais. No centro deste processo tem sempre de estar o respeito por todos os indivíduos e opiniões e a coragem de tomar as decisões certas, devidamente justificadas, a cada momento.

4- O que mais admira no país em que está?

Focando a resposta na Europa Central e de Leste o que mais admiro é a base industrial robusta, contribuindo significativamente para a criação de riqueza na região. A aposta no desenvolvimento industrial é impressionante e reflete uma cultura de base técnica profunda, atraindo investimento de forma permanente (nesta altura muitas empresas estão a fazer nearshoring para a Europa, e a região atrai uma percentagem significativa do investimento). Este foco no desenvolvimento industrial, combinado com a centralidade, a resiliência, mão-de-obra altamente qualificada e governos dinâmicos – que com as devidas diferenças entre países, têm políticas adequadas à atração do investimento externo – criam um enorme valor. Esta mistura de uma ética e especialização profissional elevada, uma herança cultural diversa e rica e uma visão estratégica clara cria uma atmosfera vibrante e colaborativa que abre excelentes perspetivas para o futuro. Outro ponto relevante é o facto de as empresas, empresários e investidores terem uma visão muito mais global do Mundo e dos negócios do que aquela que podemos observar em Portugal.

5- O que mais admira na empresa / organização em que está?

O que mais admiro e considero essencial na minha organização é o facto de termos uma visão clara, precisa e ambiciosa de médio prazo, originando a criação de uma estrutura empresarial, um plano de investimentos e um sistema de governance que permite, com baixa burocracia e elevada autonomia da gestão, uma execução exemplar. O modelo facilita a capacidade de tomar decisões rápidas e precisas e garante uma total transparência no que respeita também à avaliação dos objetivos. Na prática, é um modelo baseado na meritocracia e em modelos numéricos factuais, que reduz a incerteza e liga a gestão aos resultados. Um modelo que se aplicaria bem também à gestão de um País como Portugal.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores? 

Uma pergunta difícil porque muito dependente de sectores de atividade em concreto. De todas as formas, e de um modo global, a antecipação das tendências e dinâmicas dos mercados globais será sempre um fator chave. O papel e as políticas de Portugal na atração de investimento estrangeiro são inadequadas e produzem pouco valor; somos pouco agressivos na criação de dinâmicas e caminhos específicos que facilitem a entrada de capitais. As empresas portuguesas, salvo raras exceções, têm pouco sucesso no exterior e focam-se mais em vender do que em investir. É preciso investir e ter políticas estáveis de longo prazo, de forma a no futuro podermos ter centros de decisão e headquarters de empresas portuguesas de relevo internacional baseadas em Portugal. Dada a pequena dimensão do mercado interno e as restrições de capital, a criação de redes e parcerias internacionais é também essencial no acesso aos grandes investimentos e projetos internacionais.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes? 

Tecnologia, Inovação, energias renováveis, turismo, construção e infraestruturas, bem como retalho e produtos de consumo, são todas áreas de enorme potencial. Mas talvez seja importante mudar a forma de pensar na aproximação aos mercados externos. As empresas portuguesas têm, no geral, pequena dimensão e apenas pensam em vender. Para vender tem de existir investimento, têm de existir vantagem competitivas claras, tem de existir uma estratégia e um conceito de negócio claro, sustentável e de valor. No Mundo moderno, uma visão puramente transacional não produzirá valores e benefícios de longo prazo. É necessário mudar a forma de pensar e, desde logo, a pergunta deve ser mais sobre onde poderão, e de que forma, as empresas portuguesas criar valor e encontrar bases sustentáveis de desenvolvimento e crescimento futuro.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Energias renováveis, tecnologia, retalho especializado, turismo, agricultura, e produção Industrial são áreas onde existem certamente oportunidades interessantes. E claro que não podemos esquecer que Portugal não está sozinho no Mundo e que os recursos financeiros são limitados. Existem mercados maiores e mercados mais centrais, mas, sobretudo, há mercados onde o enquadramento político e burocrático é muito mais favorável. O peso de um estado antiquado e pouco eficiente, que governos sucessivos não foram capazes de otimizar, poucos incentivos e suporte ao investimento externo e uma política fiscal totalmente inadequada são fortes barreiras, atualmente. Quando captamos investimento e a gestão é profissional, caso por exemplo da Autoeuropa, vemos benefícios de longo prazo, dado que temos mão-de-obra de qualidade e abundante a valores competitivos. No entanto, em muitos casos, vemos empresas de enorme potencial, como a Efacec, custar milhões sem resultados e visão estratégica, essencialmente devido a efeitos de enquadramento, falta de gestão qualificada e total ausência de uma visão estratégica.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

A Europa Central e de Leste tem uma política de desenvolvimento muito centrada na inovação e desenvolvimento tecnológico, atraindo investimento com políticas focadas na atração do investimento. A aposta na educação e na colaboração entre a Academia e a Indústria geram talentos que os mercados são capazes, na sua maioria, de reter gerando riqueza e crescimento. Os investidores locais são bastante mais dinâmicos e têm uma visão mais estratégica, global e de médio e longo prazo. Implementando estratégias semelhantes, Portugal pode, no futuro, e sem dúvida, desenvolver a sua base industrial, atrair investimento, gerar riqueza e reter talento de forma mais consistente.

10- Pensa voltar para portugal? Porquê?

Não tenho atualmente quaisquer planos de retornar a Portugal em termos profissionais, embora pessoalmente visite regularmente o país, em férias. A dimensão do mercado, falta de ambição das empresas portuguesas em geral, face ao mercado global, são fatores determinantes. Não será também demais mencionar que as políticas de recrutamento da grande maioria das empresas públicas e privadas não estão alinhadas com as melhores práticas e não se baseiam nos resultados profissionais, educação e meritocracia. 

Consulte a entrevista original aqui.