20 de Dezembro de 2023

Entrevista com Paulo Garcia: “Aposta no México passa pela inovação”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Sempre tive o desejo de explorar outras culturas e conhecer novas pessoas e países. O ¨bichinho¨ começou quando na Universidade participei no programa de intercâmbio de estudantes (Erasmus) e foi estudar 6 meses para Tilburg na Holanda.

Na verdade, desde cedo tive a ambição de trabalhar noutros países. Eu trabalhei cinco anos em Portugal e já estou á mais de 20 anos fora do país, passando pela America Latina, Holanda, Espanha, Polonia, Holanda de novo e agora México.

Adoro o nosso país e tudo o que tem para oferecer, mas a verdade é não existem tantas empresas globais em Portugal e chega-se a um determinado momento em que os horizontes de crescimento professional ficam reduzidos.  Eu sempre tive claro que, se quisesse continuar a crescer profissionalmente e assumir cargos de maior importância, teria de ter experiência no estrangeiro.

O facto de o meu primeiro trabalho ter sido na Unilever, uma multinacional anglo-holandesa, ajudou a criar exposição a outras culturas e sobretudo a criar a oportunidade de trabalhar no estrangeiro. Na Unilever, há 20 anos, todos aqueles que fizessem bem o seu trabalho e expressassem o seu desejo de trabalhar no estrangeiro teriam uma probabilidade razoável de ser expatriados.

Olhando hoje para trás, reconheço que a minha carreira se teria desenvolvido de outra forma e provavelmente não teria alcançado o que alcancei se estivesse ficado sempre em Portugal. Adicionalmente, o sair de Portugal permitiu me criar a minha família (meus filhos) num contexto mais global, estudando em escolas internacionais, tornando-se desde muito cedo cidadãos do mundo e com isso mais bem preparados para explorar o mundo global em que vivemos.

2- Que vantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Tendo a pensar que o facto de ser português trouxe-me vantagens e desvantagens ao longo da carreira, mas não creio que em nenhum momento tenham sido determinantes para a sua evolução.

Ao trabalhar em empresas do Norte e Centro de Europa, ser português (periferia europeia) pode eventualmente ser visto como uma desvantagem dado que os postos de executivo de mais responsabilidade tendem a ser ocupados por pessoas de nacionalidades norte europeia ou por pessoas de alguns países de mercados emergentes de grande expressão. 

A verdade é que, ao trabalhar em empresas em que a meritocracia assume um papel muito relevante (desempenho é o mais importante), o tema cultural e país de origem tende a reduzir-se. 

Por outro lado, senti por vezes, sobretudo agora no México, que, ao ser português e consequentemente europeu, por vezes isso pode ser visto como uma vantagem. Tendem a ver a Europa como um continente muito mais desenvolvido, e um português, com isso, pode ser visto com olhos diferentes.

Mas, repito, que depois de mais de 20 anos trabalhando fora, não sinto que me tenha prejudicado ou beneficiado por ser português.

3- Que obstáculos teve que superar e como o fez?

Não creio que tenha tido que superar obstáculos muito difíceis ao longo da minha carreira por ser português, como mencionei.

Obviamente que, ao trabalhar em empresas do norte da Europa e ser português, isso cria à partida uma determinada barreira. Um português acaba por ter que provar os seus méritos em diferentes posições e países, para poder alcançar postos mais relevantes a nível europeu.

Mas hoje em dia, grande parte (senão todas) as empresas se movem por vários critérios de performance, o que tende a reduzir o potencial impacto (cada vez menor) do país de origem dos trabalhadores. A diversidade, hoje em dia, cada vez mais assume um papel importante em todas as organizações, pois está provado estatisticamente que os resultados de uma equipa diversa são superiores.

4- O que mais admira no país em que está?

Várias coisas: a cultura, a comida, as pessoas e as praias.

O México é um país fantástico, com muito que oferecer a nível cultural, gastronômico e de lazer.  Conjugado com isto, é um país de mais de 130 milhões de habitantes, com vários recursos naturais, como petróleo e gás natural, e beneficia do facto de fazer fronteira com os Estados Unidos.

A nível pessoal e professional, é bastante fácil trabalhar com os mexicanos porque proveem de uma cultura latina como a nossa.  Ao vir da Holanda para o México, senti um pouco as diferenças culturais, pois vinha de uma cultura extremadamente direta para uma cultura muito menos direta e bastante mais hierárquica. Mas disfruto muito de trabalhar no entorno mexicano.

A nível pessoal, e com a família, temos aproveitado para conhecer várias zonas bonitas do México e tirar partido de tudo o que nos tem para oferecer.

A única desvantagem no México quando se vem da Europa esta relacionada com a segurança. Mas uma vez habituados o problema tende a desvanecer-se.

5- O que mais admira na empresa/organização em que está?

A cultura da companhia que está enraizada em todos os trabalhadores, começando pelo CEO global até aos diferentes trabalhadores das lojas de retalho que temos.

É uma cultura que nasce do seu fundador – Sam Walton –, que foi um visionário e estabeleceu o proposito de esta companhia: ajudar os clientes a poupar dinheiro e viver melhor; com valores que estão profundamente enraizados em toda a organização e uma cultura centrada no cliente.

Eu sinto-me contente por ser parte de uma empresa que no México e América Central emprega mais de 240 mil associados e que impacta de maneira positiva mais de 6 milhões de pessoas que nos visitam diariamente. 

Trabalhamos para dar acesso a produtos e serviços a preços baixos que os clientes possam pagar.  É um privilégio fazer parte desta empresa e poder impactar a vida de tantas pessoas diariamente.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Portugal, sendo um país pequeno, está cheio de empresários e gestores de qualidade que não precisam necessariamente das minhas recomendações.

Vejo com muito orgulho e à distância que, Portugal, atualmente, se destaca por ser um hotspot para startups, com algumas delas a tornar-se unicórnios. E isso reflete-se na notoriedade e no impacto que o Web Summit teve em Portugal. Com a ajuda de entidades públicas e privadas, criou-se um ecossistema (agilidade na criação de novas empresas, atrativos fiscais, etc.) que facilita o entrepeneurship de nossos (jovens) empresários.

Entendo que as nossas entidades e os nossos empresários tem que seguir apostando na inovação e nas novas tecnologias como forma de diferenciação.

Adicionalmente, temos que apostar nos serviços de valor acrescentado e na automatização e digitalização, como maneira de aumentar a produtividade das nossas empresas. Só assim podemos seguir competindo com outros países com mais recursos.

7- Em que setores do país onde vive poderão empresas portuguesas encontrar clientes?

O México é um país de enormes recursos que tem vindo a crescer de forma sustentada. E os próximos 10 anos indicam que assim vai continuar, beneficiando do “nearshoring” e do aumento dos salários, bem como do consequente aumento do rendimento disponível dos trabalhadores e famílias.

Penso que o México é hoje desconhecido para maior parte dos empresários portugueses. Muitas vezes com a percepção que seja um local com bastante volatilidade e com falta de segurança.  A Oportunidade é real!

Empresas como Mota Engil têm uma grande presença no México. As empresas portuguesas que queiram vir para o México têm de apostar na inovação e nas novas tecnologias como modo de diferenciação. O conhecimento tem que ser a nossa aposta para futuro, e não a oferta de produtos e serviços de baixo valor.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?

Vivemos num mundo global e em que as sinergias de escala são importantes. Portugal, pela sua dimensão, não oferece estas economias de escala. Mas Portugal pode ser um país atrativo para empresas que estejam buscando investir no mercado europeu, num local seguro e com custos de mão de obra relativamente baratos.  Temos que continuar a criar as condições para que seja fácil atrair este investimento estrangeiro. Ao mesmo tempo, temos que continuar a investir na inovação e novas tecnologias, para poder ser relevante e atrair este investimento estrangeiro com uma proposta diferenciada.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

A grande vantagem competitiva do México deriva fundamentalmente de 3 áreas: um país com mais de 130 milhões de habitantes, proximidade com os USA (fronteira geográfica) e os varios recursos naturais que possui, nomeadamente o petroleo, gas natural, minério. Não vejo que seja uma vantagem competitiva que possa ser replicada em Portugal. 

Portugal tem vindo a aumentar a sua relação comercial com os Estados Unidos ao longo dos anos, sendo hoje em dia já um dos nossos principais importadores de produtos.

Dito isto, creio que Portugal pode, tal como o México, tirar mais partido da sua posição geográfica e ampliar a relação comercial transatlântica com o Estados Unidos, sobretudo agora que começam a existir alguns problemas nas relações comerciais entre Estados Unidos e China.

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Sim, penso voltar. É o meu país, que adoro, e o país onde penso reformar-me.

Sempre tive Portugal no horizonte ao longo da minha carreira profissional, mas foram poucas as oportunidades de regresso atrativas, muito também pela forma rápida como a minha carreira profissional se foi desenvolvendo no estrangeiro.

A curto e médio prazo, penso ainda ficar no estrangeiro, onde existem evidentemente mais oportunidades de desenvolvimento. Mas tenho totalmente claro que quero terminar a minha carreira em Portugal, talvez de uma maneira menos ativa e fazendo advisory de companhias grandes ou startups. O tempo o dirá.

Consulte a entrevista original aqui.