25 de Outubro de 2023

Entrevista a Pedro Paulo Castro: “Turismo médico é algo que podia ser replicado”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o/a levou a sair de Portugal?

A minha saída de Portugal ocorreu no início de 2015, quando fui para o Reino Unido, como CFO, assumir a administração financeira do Banco PSA Finance, resultante de uma joint venture entre o Grupo Stellantis e o Santander. Depois de quinze anos a desempenhar funções de cariz financeiro em Portugal, decidi emigrar, com naturalidade, quando me apareceu este estimulante desafio profissional.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português/a?

Prefiro focar-me nas vantagens e destacaria a capacidade de adaptação e integração. Penso que os portugueses têm esta característica. Um par de meses após ter aterrado em Londres, estava perfeitamente integrado, com uma rede de networking alargada e com todos os aspetos da minha vida pessoal e profissional organizados. Para o efeito, devo reconhecer o papel fundamental que desempenharam a embaixada, os serviços consulares e a própria Diáspora lusa.

3- Que obstáculos teve que superar e como o fez?

Os principais obstáculos que tive de superar foram talvez em França, para onde fui em 2019, novamente como CFO, do mesmo banco, só que agora no seu “core market” e por isso quatro vezes superior em ativos. Refiro-me à barreira linguística e ao estigma associado à imigração portuguesa em França, das décadas de 1960 e 1970, na sua grande maioria empregada como operários desqualificados.

Superar o obstáculo linguístico foi relativamente fácil e rápido. Apesar de não praticar a língua francesa desde os tempos de escola secundária, recuperei rapidamente, através de curso intensivo na Alliance Française e leitura diária do Les Echos. O estigma associado ao imigrante português demorou um pouco mais. Chefiava um departamento com setenta pessoas, quase todas elas francesas, que no íntimo se perguntavam “Porquê um português à frente disto?”. Eventualmente acabaram por encontrar a resposta, mas teve de ser trabalhada diariamente, com determinação e resiliência, demonstrando competência técnica, assim como ética e integridade profissional, com comunicação eficaz e promovendo o trabalho em equipa.

Em Paris, também tive oportunidade de contactar com a Diáspora e constatei que as novas gerações de imigrantes têm um nível de literacia superior e empregos mais qualificados, pelo que o estigma pode ser um a priori, que se dissipará no tempo, se formos demonstrando que podemos e fazemos melhor.

4- O que mais admira no país em que está?

Desde final de 2021 que estou em Espanha, desempenhando funções de cariz europeu na sede do Banco Santander, em Madrid. Apesar dos 600 quilómetros que me separam de Lisboa, aqui sinto-me praticamente em casa. São muitas as coisas que aprecio em Espanha. O clima mediterrânico, com verões quentes e invernos relativamente amenos. A riquíssima história e cultura, sem faltar, naturalmente, a ótima gastronomia, onde os meus favoritos são a paella, as tapas e o jamón ibérico. Depois, temos o estilo de vida dos espanhóis, descontraído e alegre, representado pela celebre expressão “La Movida”

5- O que mais admira na empresa/organização em que está?

Estou no Grupo Santander desde 2005, o que deixa antever admiração pela empresa. Começaria por destacar as oportunidades de crescimento e valorização profissional. Em 18 anos, passei por 4 entidades, em 4 países, o que constituiu uma oportunidade incrível de desenvolvimento de carreira, enfrentando desafios interessantes em contextos variados, e também uma experiência enriquecedora a nível pessoal, por ter vivido em metrópoles como Londres, Paris e Madrid.

Também destaco a capacidade de transformação, inovação, visão estratégica e competência da gestão. Nestes 18 anos, vi o banco transformar-se, adaptar-se a novas realidades e resistir, de forma resiliente, sem ajudas estatais, a três diferentes crises: a crise financeira global de 2008, a crise da divina soberana em 2009 e mais recentemente a crise pandémica em 2020. Por último, e de não somenos importância, os colegas de trabalho e cultura de empresa, que promove valores como ética, diversidade, inclusão e respeito pelos seus colaboradores.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Aqui iria ilustrar com um episódio de cariz desportivo que se passou comigo. Em adolescente, fui um nadador de alta competição, e só por pouco falhei as Olimpíadas de Barcelona. Perante a adversidade e desilusão, abandonei a natação e durante quinze anos não pratiquei qualquer exercício. Passei de ex-atleta a homem sedentário, que mal conseguia subir uma rua sem perder o fôlego.

Aos 36 anos, quando a balança quase atingiu os três dígitos, decidi mudar a minha vida. Estabeleci objetivos e defini um plano. Até aos 40 anos, concluir uma maratona e depois um triatlo, na distância Ironman (3,8 km natação + 180 km bicicleta + 42,2 km corrida), ajudando sempre instituições de solidariedade social.

Esta é a minha história, que editei em livro “Vontade de Ferro”, mas poderia ser a história de qualquer um. Assim como eu acreditei que poderia ir cada vez mais longe, cada vez mais rápido e de preferência, por uma causa, recomendaria que nos nossos empresários ou gestores também acreditassem que os seus objetivos, os seus sonhos, são possíveis de realizar.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

Talvez por ter uma filha que completa 18 anos e quer estudar Moda e Design, tenho olhado com especial atenção para este setor. Espanha tem um dos maiores grupos de moda do mundo e forte presença nesta indústria, com designers e marcas conhecidas internacionalmente. Portugal é reconhecido pela qualidade dos seus têxteis e calçados, uma categoria de produtos que já contribui significativamente nas exportações para Espanha. No entanto, as empresas portuguesas, ao invés de funcionarem essencialmente como fábricas das marcas espanholas, poderiam maximizar o VAB, através de uma maior complementaridade e integração das suas cadeias de produção, melhorar diferenciação dos seus produtos e marcas, e aproveitamento das plataformas de distribuição e retalho espanholas, como o El Corte Inglês, por exemplo.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde estão querer investir?

Na esfera pessoal, tenho alguns interesses na área dos serviços de medicina dentária, um subsegmento do setor da saúde, o qual irá continuar a ser visto como uma oportunidade de expansão pelos espanhóis, uma vez que os SNS ibéricos estão cada vez mais pressionados e será natural que seguradoras e grupos privados espanhóis procurem consolidar-se também no mercado português, numa lógica de ecossistema de serviços de saúde ibérico.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

Algumas das vantagens competitivas de Espanha, Portugal também as tem. Refiro-me, por exemplo, ao setor turístico, que desempenha um papel fundamental em ambas economias. A produção de energia renovável, nomeadamente eólica e solar, em que ambos os países fizeram investimentos significativos, tornando-se mais sustentáveis e menos dependentes de importações de petróleo e gás. A localização estratégica, entre a Europa Ocidental e África, que no caso de Portugal acresce ainda a frente Atlântica, relevante para o comércio marítimo internacional.

Relativamente às que poderíamos replicar em Portugal, destacaria três. O setor bancário, onde deveria haver alguma consolidação, para que tivéssemos, tal como a Espanha, entidades de referência a nível europeu. O setor de turismo médico, um conceito a desenvolver, aliando condições climatéricas e infraestruturas hoteleiras de excelência, com instalações médicas de alta qualidade e profissionais de saúde experientes. Infraestruturas, onde temos duas urgências prementes, construir uma solução aeroportuária definitiva para Lisboa, e concluir a ferrovia de alta velocidade entre Lisboa e Porto, integrando posteriormente na rede ibérica por Vigo e Badajoz.

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Sim, certamente. Tenho-me vindo a aproximar, Londres, Paris e agora Madrid. Apesar de me sentir muito bem aqui, as minhas raízes estão em Lisboa. É lá que está a minha família. Temos investimentos e negócios na nossa esfera pessoal, que dificilmente serão passíveis de trazer para Madrid, pelo que, a seu tempo, irei eu para lá. Só não sei dizer quando…

Consulte a entrevista original aqui.