28 de Novembro de 2023

Entrevista a Renata Ramalhosa: “Brasil deve ser visto como um mercado de longo prazo”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que a levou a sair de Portugal?

Desde cedo mostrei vontade de morar fora de Portugal. Fiz os meus estudos, primeiro em Portugal e logo depois fui para o Reino Unido onde estive alguns anos, mas sempre com vontade de ir para outros países. Seguidamente, estive na Holanda, também por motivos académicos, e logo em Paris. Seguiram-se várias experiências profissionais e académicas em vários países europeus, da América Central e, desde 2015, estou no Brasil, para onde vim por razões profissionais. A minha motivação esteve sempre ligada ao desejo de interagir com novas culturas e expandir os meus horizontes. Para além disso, trabalhar noutros países, estar noutro país, aguça a nossa curiosidade, observação, tolerância e um entendimento melhor sobre nós mesmos e o mundo que nos rodeia.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Portuguesa?

Tenho tido experiências diferentes, dependendo do país onde estive, mas, em geral, sempre vi vantagens em ser portuguesa. Destacaria o talento português que é reconhecido pela sua excelência, seja pelo facto de falarmos bem outros idiomas, seja pela excelência académica das suas universidades, mas também, e principalmente, pela abertura e flexibilidade que apresentamos perante desafios. Penso que são qualidades que são reconhecidas em toda a diáspora portuguesa.

3- Que obstáculos teve que superar e como o fez?

Desde que estou no Brasil, tenho vivido muitos desafios, mas também várias oportunidades. O Brasil é um país de tamanho continental, com muitas oportunidades e, por isso, entusiasmante. No entanto, esta grandeza pode trazer falta de foco na estratégia de crescimento de uma empresa. É muito importante focar e olhar o Brasil como um mercado de longo prazo. Existem algumas diferenças culturais em relação ao modo como se fazem negócios, que são importantes observar. A parte relacional é muito valorizada no Brasil. No momento de fazer negócios, é muito importante que se invista nas relações, para podermos construir um contexto de confiança e de longo prazo. A complexidade fiscal, jurídica e financeira é assustadora ao início, mas depois, com bons parceiros locais nas diferentes áreas, conseguimos superar essas dificuldades. Por outro lado, embora falemos o mesmo idioma, muitas vezes o brasileiro não entende o que falamos, dado que temos tendência a falarmos mais rápido e a ignoramos algumas vogais (é, de facto, importante pronunciarmos as vogais de uma forma mais aberta). Em geral, tenho aprendido muito com a minha vivência e trabalho no Brasil.

4- O que mais admira no país que está?

A economia brasileira tem mostrado, ao longo dos tempos, uma notável capacidade de resiliência em tempos de crise. A forma como as empresas brasileiras se adaptam e sobrevivem em cenários económicos desafiadores, é algo que admiro e considero ser valioso para muitas empresas no mundo, nomeadamente as portuguesas. A enorme diversidade cultural e de mercados, que leva a uma variedade de produtos e serviços adaptados a diferentes públicos, reflete bem a criatividade brasileira.

A alegria e positividade contagiante das pessoas e as imensas oportunidades que existem por todo o país, também são fundamentais; bem como a diversidade cultural através das artes, música, património histórico e natural, que são tão distintas em cada estado brasileiro. Tenho estado próxima de projetos na Amazónia, a maior floresta tropical do mundo, maior reservatório de água doce e o mais complexo dos ecossistemas da Terra, que considero ser a maior riqueza do Brasil. Como diz o Jorge Bem Sor, numa ode ao Brasil e ao seu povo: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza (mas que beleza!)”.

5- O que mais admira na empresa/organização que está?

Neste momento, sou cofundadora e CEO da Beta-i Latam, que é uma consultoria global de inovação colaborativa. Iniciámos a atividade no Brasil no final de 2019, em bootstrapping, e temos conseguido crescer a um ritmo positivo nestes últimos quase 4 anos. Gosto de trabalhar com inovação, ventures e com o ecossistema de empreendedores e de startups. As empresas brasileiras estão muito disponíveis para trabalhar inovação aberta com startups de todo o mundo, algo que é uma oportunidade para as startups portuguesas que se querem internacionalizar. Tenho visto um movimento de startups brasileiras a estabelecerem-se em Portugal para internacionalizarem o seu negócio, não só para o mercado português, mas também como plataforma para a Europa e África. Uma grande oportunidade de comércio e investimento entre Portugal e Brasil.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

O Brasil é um dos maiores mercados do mundo. É um país com vários desafios, mas com muitas oportunidades. Nunca o Brasil esteve tão próximo de Portugal como hoje, e por isso é o momento para as empresas portuguesas olharem o Brasil como um mercado para os seus serviços e produtos. Os empresários portugueses devem olhar o Brasil como um mercado de longo prazo, adotando uma atitude de escuta ativa e, de certa forma, de humildade, sem nunca perder o foco e ambição. Existem algumas áreas que são fundamentais para entender o Brasil, sendo a parte mais importante criar um network forte e parcerias locais que permitam escalar no mercado. O papel da diáspora portuguesa no Brasil é muito relevante, pois nós conselheiros estamos disponíveis para ajudar Portugal e suas empresas, empresários, organizações culturais e académicas a serem bem-sucedidas, partilhando a nossa experiência e ajudando, dentro do possível, a entrada no mercado brasileiro.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

O Brasil tem players globais em sectores de referência como o agrícola, pasta de papel, cosméticos, alimentar e bebidas e tecnológico, que são compradores de bens e serviços e, mais recentemente, investidores em startups via os seus Corporate Venture Capital. O Brasil tem o potencial de liderar o mercado de nature based solutions. Neste contexto, empresas portuguesas que possam contribuir têm um potencial de mercado gigantesco.

8- Em que sectores poderiam as empresas brasileiras investir em Portugal?

Portugal tem uma dimensão pequena para o Brasil; no entanto tem a vantagem de ser uma base para a Europa e para África. Existem vários sectores para os quais o Brasil já está a olhar e a investir: entre eles, imobiliário, turismo, vinhos, agricultura. Na área industrial, existe um potencial grande que merece um plano de atração de investimento mais focado – tanto ao nível de investimento greenfield (por exemplo em áreas relacionadas com a transição energética) como em indústrias portuguesas nas áreas têxtil, calçado, cerâmica. Existe também um potencial de atrair HNWI para investirem em projetos de infraestrutura, VCs ligadas a startups e outros projetos relevantes. Acredito que as empresas brasileiras procurem empresas que já tenham um footprint noutros países da Europa, de modo a poderem escalar rapidamente no espaço europeu.

9- Qual a vantagem competitiva do país onde está e o que replicaria em Portugal?

Uma das maiores vantagens que o mercado brasileiro tem é o mindset do seu povo. Os empresários brasileiros são ambiciosos e muito resilientes – sabem que para se ser competitivo tem de se trabalhar muito, e errar para se acertar. De certa forma, existe um espírito muito empreendedor no Brasil, que a meu ver é inspirador. O sector financeiro brasileiro é também muito sofisticado e isso vê-se não só no seu sistema bancário, mas, sobretudo ultimamente, no seu ecossistema de fintechs, que é um dos mais relevantes do mundo.

10- Pensa em voltar para Portugal? Quando?

Vou a Portugal 2 vezes por ano com a minha família e gosto muito de Portugal. Com certeza, regressarei um dia. Para já, gosto de estar no Brasil – a minha missão aqui ainda não terminou. No entanto, tenho vontade de estar próximo de Portugal para ajudar a fortalecer ainda mais a sua relação com o Brasil.

Consulte a entrevista original aqui.