21 de Novembro de 2023

Entrevista a Rui Faria da Cunha: “Agroalimentar tem grande potencial de crescimento”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Saí de Portugal em 1995, com 26 anos, com destino a Macau. Depois de ter crescido e estudado em Coimbra, onde me formei em direito, iniciei a minha carreira como advogado num escritório em Pombal. Penso que ainda hoje poderia estar a trabalhar no mesmo escritório, onde me integrei facilmente, não fosse o meu fascínio por Macau, onde tinha família e para onde parti em 1995, para trabalhar como advogado e notário. Apesar do choque inicial e das saudades da família, nunca questionei a minha decisão de partir, que me permitiu crescer pessoal e profissionalmente de forma muito mais rápida do que se tivesse ficado em Portugal. Com a partida, abriu-se um fascinante mundo novo, cheio de novidades e oportunidades. Passaram-se, entretanto, 28 anos, e continua a viver e a trabalhar no estrangeiro.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Português?

Entre 1995 e 2003, período em que vivi e trabalhei em Macau, ser português trouxe-me imensas vantagens. Portugal e os portugueses eram, em geral, bem vistos pela população local, apesar das evidentes diferenças culturais e linguísticas. Pelo menos até à transferência de soberania, em dezembro de 1999, os portugueses a residir no território, a maioria com curso superior, ocupava lugares relevantes na administração pública ou exercia profissões como a advocacia ou a medicina. A realidade do meu regresso à Europa, em 2003, foi totalmente diferente. Quer na Bélgica, quer no Luxemburgo, por onde passei antes de me instalar em Bruxelas, a imagem que as populações locais têm de Portugal é a de um país periférico e pobre, com mão de obra pouco qualificada. Felizmente, essa perceção tem vindo a alterar-se, nos últimos anos, com as mais recentes vagas de emigração qualificada e com a modernização do nosso país. No entanto, subsistem preconceitos em relação aos portugueses, o que nos obriga sistematicamente a destacar-nos para sermos aceites pelos nossos pares.

3- Que obstáculos teve que superar e como o fez?

A língua e a cultura do país de acolhimento são frequentemente obstáculos à nossa integração. O estudo da língua e a abertura à cultura do país que nos recebe não só são demonstração de respeito, mas também, em grande medida, uma estratégia de sobrevivência e desenvolvimento. Foi o que procurei fazer nos países por onde passei e onde estou estabelecido. Na Bélgica, um dos obstáculos

que tiver de superar, no início, foi a minha nacionalidade. Era muito raro, e ainda é, um advogado português estabelecer-se em Bruxelas, o que causava alguma estranheza, e mesmo desconfiança, entre os meus pares. Essa circunstância, no entanto, acabou por ser a minha vantagem competitiva, ao reposicionar e promover os meus serviços enquanto advogado lusófono, em vez de me tornar apenas mais um advogado local.

4- O que mais o admira no país em que está?

A Bélgica é um país relativamente jovem (com menos de 200 anos), e pequeno (de tamanho), com uma população de cerca de 11 milhões de habitantes, que fala três línguas oficiais e vive em três regiões autónomas. Apesar da complexa arquitetura constitucional e diversidade cultural e linguística, que cria tensões entre as regiões e os seus habitantes, a Bélgica tem conseguido, com sucesso assinalável, manter a sua coesão e crescimento aos longo dos anos. Os conhecidos surrealismo e sentido de humor belgas poderão explicar esse fenómeno.

5- O que mais admira na empresa/organização em que está?

A liberdade, independência e autonomia que o meu escritório me proporcionam, são as características que mais aprecio. Depois de ter trabalhado em grandes escritórios, encontrei na pequena estrutura que criei a verdadeira essência da advocacia enquanto profissão liberal, onde a flexibilidade, a autonomia e a criatividade contribuem para a satisfação e desenvolvimento pessoal e se refletem na qualidade dos serviços prestados.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Apesar de termos aderido à União Europeia em 1986, Portugal, em especial o setor privado, tem-se mantido inexplicavelmente afastado de Bruxelas, apesar de ser o centro de decisão das políticas europeias que afetam todas as empresas e cidadão europeus. Em Portugal, o termo “lóbi” continuar a ser visto com desconfiança, e é tantas vezes associado a corrupção ou tráfico de influências. Em Bruxelas, é uma profissão regulamentada, exercida por cerca de 25.000 profissionais devidamente registados e submetidos a um código de conduta da União Europeia. Estes lobistas são uma peça essencial do processo legislativo, contribuindo de forma decisiva para a formulação de políticas públicas que são tomadas depois de ouvidas as posições dos representantes de interesses que fizeram ouvir a sua voz. No registo de transparência, no qual se inscrevem aqueles que pretendam influenciar o processo legislativo, estão atualmente inscritas cerca de 12.500 entidades. Dessas, apenas 178 são portuguesas, o que corresponde a apenas 1,42%. Caricaturando, numa discussão sobre políticas públicas, em cada 100 contribuições, apenas 1,42 são de origem portuguesa, o que é manifestamente insuficiente. A nossa vizinha Espanha, tem 807 entidades inscritas no registo. É essencial que as organizações empresariais portuguesas estejam mais perto do centro de decisão da União Europeia e que participem ativamente na definição das suas políticas. Se é certo que a presença tem um custo, mais certo é que o custo da ausência é seguramente superior. Ou, como se diz em Bruxelas, quem não está sentado à mesa numa discussão, é porque está no menu.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas Portuguesas encontrar clientes?

Além das áreas tradicionais do têxtil, dos móveis e do calçado, que gozam de uma excelente reputação na Bélgica, o setor agroalimentar tem um grande potencial de crescimento, necessitando apenas de investir mais na promoção. Também os serviços informáticos e o turismo têm tido um crescimento assinalável, e há espaço para continuar a crescer. O excelente trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela AICEP e pelo Turismo de Portugal na região tem dado os seus frutos. A Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa, da qual sou presidente, tem dado igualmente um modesto contributo.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

A Bélgica encontra-se entre os 10 maiores investidores em Portugal, com uma acentuada tendência de crescimento nos últimos dois anos e, previsivelmente, nos próximos. Os setores onde há maior investimento de empresas belgas são o imobiliário, o retalho, a energia, os transportes e os serviços financeiros. O ambicioso plano do governo português para a exploração de energias renováveis offshore deverá atrair particular interesse das empresas belgas, com longa experiência no setor.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

A maior vantagem competitiva da Bélgica é a sua localização geográfica estratégica no coração da Europa ocidental, que lhe permite ser uma plataforma logística capaz de servir 500 milhões de consumidores europeus. Não sendo possível replicar essa vantagem, Portugal pode inspirar-se em outros pontos fortes da economia belga, nomeadamente a aposta na qualificação da mão-de-obra e nos centros de pesquisa e desenvolvimento. O estatuto de Bruxelas como capital da Europa, que atrai para o país inúmeras organizações internacionais e empresas multinacionais, poderia servir igualmente de inspiração para Portugal. Porque não Lisboa reclamar o estatuto de capital dos oceanos, ou da lusofonia, por exemplo?

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê

Apesar de ter saído de Portugal, Portugal nunca saiu de mim. Apesar de ter partido há 28 anos, mantenho-me muito ligado ao meu país, quer pessoal, quer profissionalmente. O regresso definitivo à pátria, no entanto, só deverá ocorrer no fim da minha carreira. Portugal é onde se encontram as minhas raízes e família, e é o único local onde realmente me sinto em casa.

Consulte a entrevista original aqui.