13 de Janeiro de 2020

Rita Sousa Coutinho: “Na vida, o maior risco é não arriscar”

A trabalhar na Walmart na China, depois de oito anos no Brasil, como gestora e empreendedora, Rita de Sousa Coutinho defende que a carreira internacional não é necessariamente um risco. A Conselheira da Diáspora falou com a Executiva sobre a sua carreira.

A vontade de fazer carreira internacional já estava presente quando Rita Sousa Coutinho se licenciou em Administração e Gestão de Empresas na Católica. O objectivo de começar numa multinacional em Portugal que lhe abrisse as portas do mundo concretizou-se logo no primeiro emprego, na Jerónimo Martins. O Grupo fundado em Portugal no século XVIII estava a dar os primeiros passos para a Polónia e para o Brasil, e foi precisamente neste mercado que Rita Sousa Coutinho fez a sua estreia internacional. Foi uma experiência curta, tal como acabou também por ser a segunda vez que voou para o Brasil com a Jerónimo Martins em 2011. Nesta altura o Grupo queria voltar à América Latina, mas quando a opção foi entrar no mercado da Colômbia, a executiva decidiu, por razões familiares, sair do Grupo, mas ficar no Brasil. Rita Sousa Coutinho garante que a sua carreira internacional tem sido feita tendo sempre como prioridade conciliar a vida familiar com a profissional.

A experiência seguinte foi no Grupo Pão de Açúcar e, em finais de 2014, lança-se por conta própria. Com dois fundos de investimento torna-se accionista maioritária e CEO de um negócio de padarias, que começou com 2 lojas e, quatro anos depois, contava com 44 espaços. No final de 2018, Rita Sousa Coutinho sai novamente da zona de conforto e aceita uma proposta da Walmart, a maior empresa de distribuição do mundo, para liderar diversos projectos estratégicos na China.

A experiência internacional de uma década faz de Rita Sousa Coutinho um dos elementos do Conselho da Diáspora Portuguesa, órgão composto por portugueses e luso-descendentes (residentes fora do país há mais de três anos), que procuram contribuir para a melhoria da imagem e credibilidade de Portugal no estrangeiro, dando a conhecer as suas potencialidades nos países onde trabalham.

Quando terminou a licenciatura na Católica quais eram as suas ambições profissionais?
Quando terminei a licenciatura em Administração e Gestão de empresas na Católica queria trabalhar numa empresa multinacional, onde pudesse iniciar em Portugal com possibilidade de carreira internacional. Considerei consultoria estratégica, banca e bens de consumo. Atraiu-me a proposta do Grupo Jerónimo Martins que já estava presente em diversas geografias. O sector da distribuição é muito interessante e dinâmico e, conseguiria desde logo, ver o impacto das minhas acções. Entrei como trainee e após um período de seis meses de estágio, assumi a função de Merchandising Manager da categoria de congelados no Pingo Doce.

Como surgiu a primeira experiência internacional? E o que equacionou na altura?
Após dois anos no Pingo Doce, tendo passado por mais de uma categoria na Direcção Comercial, em 1999 surgiu a oportunidade dentro do Grupo Jerónimo Martins de ir para a operação do Sé supermercados no Brasil. Considerei ser uma óptima oportunidade para iniciar uma experiência internacional. Conseguia conciliar a minha vida familiar com a profissional e o Brasil é um País com uma dimensão enorme e diversas afinidades com Portugal. Por outro lado, esta experiência no estrangeiro seria também importante para uma futura candidatura a um MBA fora de Portugal, com o qual eu sonhava.

Fazer o MBA no INSEAD foi uma aposta numa carreira internacional? Qual o principal impacto que teve na sua carreira?
O Jerónimo Martins foi uma boa escola, tanto em Portugal, como no Brasil. O MBA no INSEAD permitiu-me o desenvolvimento pessoal e profissional noutras áreas e dimensões. O programa proporcionou uma troca de experiências e partilha de conhecimento únicas. Foi lá também que tive os primeiros contactos com o mundo do empreendedorismo e com o continente asiático, pois fiz parte do programa em França e outra em Singapura. Éramos 7 portugueses, e eu a única mulher. Logo após o MBA, em finais de 2001, regressei a Portugal ao Jerónimo Martins como Directora de Marketing do Pingo Doce, o que considerei uma óptima oportunidade. O desafio de reposicionar a marca foi um trabalho de equipa extraordinário. Passados dois anos, acumulei com a Direcção Comercial e assumi a Direcção de Desenvolvimento de Novos Negócios em 2008. Penso que os resultados obtidos ao longo dos anos, o MBA no INSEAD e, por ser uma pessoa curiosa, sempre com vontade de aprender, tudo contribuiu para a minha evolução de carreira. Por acreditar que a formação é sempre necessária ao longo da vida, em 2012 fiz o Advanced Management Program da Harvard Business School; um programa verdadeiramente único, transformacional e contínuo de oito semanas que gostei especialmente mas, que foi muito duro, por ter de estar longe da família. Nos únicos 3 dias de intervalo que havia, fui de Boston a São Paulo e regressei para continuar o curso.

Quando saiu de Portugal em 2011 já tinha claro que não seria uma estadia tão curta como fora a anterior?
Há uma imprevisibilidade grande na vida. Nunca tive muito claro quanto tempo seriam as estadias fora. Sempre tive como prioridade conciliar a vida familiar com a profissional e, havia gostado muito da primeira experiência internacional.

Como se desenrolou a sua carreira no Brasil?
Em 2011, o Grupo Jerónimo Martins estava a avaliar opções de investimento na América Latina e eu fui para São Paulo nessa equipa. No segundo semestre, perante a decisão de investimento na Colômbia, e a minha vontade de ficar com a família no Brasil, saí da empresa. No começo de 2012 aceitei a proposta do Grupo Pão de Açúcar, detido pelo francês Casino Groupe, na época o maior da distribuição na América Latina, como CEO da Business Unit de supermercados de proximidade/conveniência no Brasil. O desafio foi muito interessante, o negócio cresceu de 60 para 265 lojas, mais do que multiplicando por 5 as vendas em apenas dois anos, criámos novas marcas e formatos com grande sucesso. Foi um dos meus melhores momentos de carreira fora de Portugal. Gostei muito da cultura do Casino e do Pão de Açúcar, a economia do Brasil crescia muito, como eu nunca tinha visto em nenhum país da Europa e, sentia-me muito bem a trabalhar na equipa de brasileiros e franceses. Por um bom tempo fui a única mulher e estrangeira, não brasileira nem francesa, na Comissão Executiva.

O que a levou a lançar-se como empreendedora e como seleccionou as áreas de negócio?
Em finais de 2014 apareceu a oportunidade de, junto com dois Fundos de Private Equity brasileiros, adquirirmos um pequeno negócio familiar de padaria. O mercado de padarias no Brasil é muito grande, tradicional e fragmentado, são mais de 60 mil padarias independentes e, por isso, bastante atractivo para se começar a organizar em cadeias ou redes profissionais, à semelhança do que existe em outros Países. Começámos a operação da “Benjamin a padaria” com 2 lojas e alguns quiosques e eu como maior accionista e CEO do negócio. Nos primeiros dias, não sabia se deveria rir ou chorar, com os episódios que vivi; por exemplo, tínhamos de contar diariamente o dinheiro que chegava até mim em sacos pretos semelhantes aos de lixo, para depois o depositar no Banco, víamos os padeiros que faziam as receitas há anos e tinham tudo na cabeça, não utilizarem qualquer medidor para garantir a uniformidade do produto final. A informalidade no negócio era muito grande e, tivemos de colocar normas e controles em toda a empresa. No início, havia apenas 2 computadores. Foi um enorme desafio, um trabalho muito gratificante onde precisei de grande paciência, humildade e de saber ouvir.

Como surgiu a proposta para trabalhar na China e o que levou a aceitá-la?
No final de 2018 e após 8 anos no Brasil, os últimos dos quais compatibilizando o investimento na cadeia de padarias Benjamin com Advisory e Consultoria a algumas empresas multinacionais na área de bens de consumo e distribuição, chegou o momento de abraçar um novo desafio. Por motivos também familiares, a China surgiu como uma boa oportunidade. Recebi o convite do Walmart, a maior empresa de distribuição do mundo, para liderar diversos projectos estratégicos no País, o que aceitei com muito gosto e tem corrido muito bem. E a família está a gostar bastante da experiência. Esta vivência na China tem sido incrível. Tenho tido a oportunidade de aprender muito sobre a dinâmica de mercado, das marcas e, sobre o consumidor chinês, trabalhando com a digitalização do negócio em diferentes fases da cadeia de valor e em diversos formatos. Nunca assisti a tamanha velocidade de execução. Por outro lado, é a primeira vez que trabalho com uma empresa americana e tenho-me identificado muito com os valores e a cultura da organização, pelo que a adaptação foi fácil.

Qual a experiência profissional que mais a marcou?
Empreender no Brasil, sendo a Benjamin pioneira na profissionalização de um sector enorme e informal, como é o das padarias naquela geografia e, tendo acontecido em 2015, no momento de maior recessão da economia brasileira nos anos mais recentes, foi de longe o desafio mais difícil que enfrentei. Uma experiência única, que me marcou de forma muito positiva para o futuro. A Benjamin tornou-se na maior cadeia de padarias do Brasil.

O que de mais importante aprendeu em cada uma destas culturas?
No Brasil, vivi num ambiente de volatilidade e imprevisibilidade constantes, com oportunidades e riscos muito maiores que Portugal pela dimensão e enquadramento e, aprendi como nesta cultura as relações humanas são mais importantes que os processos e normas estabelecidos. O foco no curto prazo é muito evidente. Na China encontro grande velocidade e competição e uma economia com uma estratégia bem definida a longo prazo. Uma sociedade muito pragmática e trabalhadora, com ambição de melhoria e crescimento permanentes. Aqui, seguindo processos e normas na execução, geram-se melhores resultados e de forma mais rápida.

Como vê a questão da igualdade de género na liderança nos mercados com que tem trabalhado?
Tenho convivido em ambientes de empresas que valorizam a igualdade de oportunidades e têm presente a meritocracia. Acredito que em Portugal, no Grupo Jerónimo Martins e, na China, no Walmart, foi onde convivi com maior igualdade de género na liderança. Em Shenzhen encontrei as executivas e executivos com melhores qualificações, formação e motivação nos diversos níveis dentro da organização. No Brasil, a igualdade de género na liderança é ainda menos evidente.

Que características considera necessárias para fazer carreira internacional?
O espírito empreendedor, a vontade de sair da zona de conforto, ter ambição de desenvolvimento pessoal e profissional e, maior abertura para aceitar as oportunidades e os riscos. É importante ter também uma base sólida de formação e qualificação, curiosidade e gosto constante em aprender, pois dada a dimensão de Portugal, o mercado fora é quase sempre maior e, por natureza, muito mais exigente.

Qual o balanço que faz da sua experiência em trabalhar no estrangeiro?
Extremamente positivo. Tem sido um percurso feito sempre equilibrando a vida familiar e profissional, com constante formação no estrangeiro, partindo de uma base sólida com educação e experiência profissional em Portugal. Ao longo da carreira e da vida, seja ela em Portugal ou no estrangeiro, vivemos sempre em ciclos, com fases de crescimento, de alguns solavancos e tropeções, de grande crescimento em seguida, que fazem parte da experiência. É importante ser-se resiliente, acreditar que o futuro será melhor e nunca desistir.

Que conselhos deixaria a uma mulher que ambicione fazer carreira internacional?
Quem sente, tem vontade e acredita na carreira internacional, deve seguir o seu coração e instinto. É uma escolha, tão válida quanto outra. Acredito que a mulher deve ser confiante no seu papel e ser ela mesma. A quem me diz que fazer carreira internacional é um risco muito maior do que ficar em Portugal, eu digo: “ Na vida, o maior risco é não arriscar.” Nós vivemos num mundo global. É fundamental pensar e decidir com calma, em cada momento da vida, onde é melhor estar a trabalhar, se em Portugal, se fora. Para mim, o mais importante é a própria pessoa e a sua família serem felizes onde estiverem.

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Por Executiva, Janeiro de 2020