14 de Novembro de 2023

Entrevista a Ana Miranda: “Turismo e cultura são setores que podem atrair americanos”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que a levou a sair de Portugal?

O facto de querer fazer projetos audaciosos, muitas vezes inovadores e de estar sempre a ouvir que não era possível e que nunca tinha sido feito. Esse foi o motor para querer sair e de alguma forma uma maneira de lutar pelos meus sonhos e pelas minhas capacidades. No fundo, acreditar que poderia haver mais possibilidades para além das que se me apresentavam na altura e arriscar uma vida nova. Acredito que temos de ser nós a correr atrás do que desejamos e somos responsáveis por essa jornada. Se não encontramos o caminho no lugar onde estamos, cabe-nos a nós adaptar até o encontrar ou mudarmos de objetivo, que também faz parte do próprio processo e não responsabilizar os outros e muita vez o país. Dito isto, continuo a achar que Portugal poderia fazer mais para segurar o talento dentro portas. Há muitos profissionais de topo em Portugal, mas infelizmente essas capacidades só são valorizadas no exterior ou muitas vezes só florescem em países onde o talento e o “novo” tem mais abertura.

2- Que vantagens lhe trouxe o facto de ser portuguesa?

Muitíssimas vantagens, mas vou destacar a preparação que temos nas nossas escolas e universidades, que nos preparam para trabalhar em qualquer parte do mundo e em qualquer empresa. O facto de haver essa descrença no novo e ouvirmos que “não é possível”, é também uma preparação para persistirmos e não nos demovermos quando alguma situação tem um “set back”. Aprendemos a ser resilientes e fazer com os recursos que temos (desenrascados).

A capacidade de termos um talento natural para aprendermos outros idiomas, também me trouxe muitas vantagens e me destacou nos trabalhos que fui tendo.

Além disso, os portugueses têm uma boa imagem nos Estados Unidos, como sendo uma comunidade séria e trabalhadora. Este ponto também nos motiva a querer mostrar mais do nosso país e a querer vê-lo com mais destaque. Porque, como digo

sempre, a marca Portugal somos todos nós e quando um ganha, ganhamos todos e o país também.

3- Que obstáculos teve que superar e como o fez?

Os obstáculos acabaram por ser desafios e muitos deles são hoje a mais-valia da organização que dirijo – Arte Institute. O facto de no início, termos tido um financiamento praticamente inexistente e não termos um espaço físico para os nossos eventos, fez com que procurássemos outras soluções que hoje são a razão por que temos uma rede de networking e parceiros em todo o mundo. Essa é a nossa grande mais-valia e o know how inigualável, que temos no sector cultural e na forma como o ligamos à economia e ao turismo. Digo muitas vezes nas palestras, que olhem para os obstáculos como alguma coisa que nos vai levar numa direção diferente daquela que idealizamos, mas nesse processo temos de olhar para o que está à volta. Provavelmente e quase sempre encontramos outras oportunidades ou formas de fazer que de outra forma dificilmente pensaríamos nelas. Do meu ponto de vista estes obstáculos ou “set back” são oportunidades para um novo olhar sobre o projeto, de rever a nossa estratégia e o trabalho que estamos a construir.

4- O que mais admira no país em que está?

A capacidade de concretizar, de trabalharem em equipa e de incentivar o novo. Cria uma dinâmica de sucesso e de uma energia motivadora. Acreditam sempre nas ideias mais inacreditáveis, porque nunca sabem se não vai ser a próxima “next thing”. Incentivam muito e sabem trabalhar todos a puxar para o mesmo lado. Há uma noção clara que o ganho pessoal está no ganho do conjunto e da equipa. Esse espírito positivo agregado a um sentimento de coletivo, é uma excelente combinação para a concretização e o sucesso dos projetos e das organizações.

5- O que mais admira na organização em que está?

Ser uma iniciativa da sociedade civil, que conseguiu ser uma marca para Portugal, símbolo de inovação, força de vontade e persistência. No fundo, o Arte Institute criou um modelo inovador para a sua área e para o país, fazendo o que até então não tinha sido possível em termos de internacionalização da cultura portuguesa contemporânea. Além disso, tem sido sustentável por quase 13 anos e maioritariamente por investimento das empresas portuguesas.

Há uma visão no Arte Institute, desde a sua génese, de querer mostrar um Portugal na plenitude das suas capacidades e onde pode estar no mundo. Acreditamos que o país ainda pode ir mais longe e que, pelo menos fora, ainda há trabalho a fazer para mostrar o seu lado mais contemporâneo. A forma como Portugal é visto nos últimos

15 anos, mudou muito e em especial aqui nos Estados Unidos. Uma década atrás, ninguém sabia onde era Portugal, agora é um destino de eleição!

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Investirem mais no talento e nos projetos portugueses, que têm qualidade e merecem esse impulso. Continuo ainda a ver essa mentalidade, que infelizmente é muito nossa, de valorizar os estrangeiros mais do que os nossos. E isso reflete-se muito onde o investimento é feito e nas oportunidades que se geram para os empreendedores nacionais. Para além disso, é muito desmotivador e desmoraliza quem está a tentar construir e fazer crescer um projeto.

7- Em que sectores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

No sector cultural e do turismo, criando uma estratégia nacional para criar mais experiências e sermos mais do que um país bonito, com boa gastronomia. Através de eventos culturais e experiências tradicionais, podemos aumentar o número de visitantes, diversificar o tipo de pessoas que visita e fidelizá-los a voltarem. Para isso há que haver uma estratégia definida e integrada entre a cultura e o turismo. Aqui a iniciativa pública e a privada poderiam criar uma sinergia sem precedentes e com resultados muito positivos para ambas as partes.

8- Em que sectores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?

Na tecnologia ou em qualquer outra área de negócio que apresente uma boa proposta e com rentabilidade para as empresas americanas. Seria também importante que fosse mais generalizado o conhecimento e importância do poder económico da língua portuguesa nos EUA.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

Acima de tudo a visão de arriscar no novo e no que ainda está por fazer. Trabalham muito bem as oportunidades que vão surgindo. Apostam também muito nos seus empreendedores e na sua visão. É óbvio que são capacidades de investimento económico muito diferentes, mas há um fator psicológico de acreditarem nos projetos que é também muito importante e um motor para o sucesso.

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Talvez um dia, quando tiver realizado todas as minhas ideias e sonhos. Portugal é um país incrível e com muito potencial, mas ainda está num processo de descobrir como saber lidar com o talento dos seus. Espero que cada vez mais se possa criar condições para que os jovens que queiram ficar o possam fazer com melhores salários e oportunidades de carreira. Apesar de tudo e a razão por que gostaria de voltar é que em Portugal está e estará sempre a economia dos afetos.

Consulte a entrevista original aqui.