23 de Janeiro de 2025

Entrevista a Artur Cima: “Sucesso sustentável requer mentalidade de adaptação”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

A decisão de sair de Portugal em 1999, após concluir a minha licenciatura em Economia, foi impulsionada por uma visão clara do panorama internacional dos negócios. Percebi que para ter uma carreira diferenciada na área económico-financeira e de desenvolvimento, precisaria de uma forte exposição internacional. Londres surgiu como escolha natural, não apenas pela língua inglesa, mas principalmente por ser um dos principais centros financeiros globais.

Esta decisão foi estruturada em duas fases: primeiro, a imersão no ambiente anglo-saxónico para desenvolver competências linguísticas e profissionais (1999-2002) e, depois, através do programa INOV Contacto, que me abriu as portas para o Banco Europeu de Desenvolvimento, marcando o início de minha carreira nas instituições multilaterais de financiamento (2002-2014). Esta progressão demonstrou-se fundamental para construir uma carreira internacional sólida.

2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUES?

Ser português revelou-se uma vantagem significativa no contexto internacional, principalmente pela nossa capacidade natural de adaptação e facilidade em estabelecer pontes culturais. O domínio de quatro línguas (Português, Inglês, Francês e Espanhol) foi crucial; mas mais do que isso, a formação cultural portuguesa, que nos permite navegar com facilidade entre diferentes contextos culturais, provou-se um diferencial importante.

Adicionalmente, a nossa herança histórica de navegadores ainda ressoa no mundo dos negócios internacional – os portugueses são vistos como profissionais adaptáveis, resilientes e com uma capacidade única de construir relacionamentos em diferentes culturas.

3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

O meu percurso profissional apresentou dois desafios significativos. O primeiro foi a adaptação inicial a um ambiente internacional altamente competitivo, especialmente em Londres, onde o nível de exigência e o ritmo de trabalho eram substancialmente diferentes do que estava habituado em Portugal.

O segundo, e mais desafiante, foi a transição de uma carreira estável, como funcionário de organizações multilaterais, para empreendedor na África Ocidental. Esta mudança exigiu não apenas uma transformação na mentalidade – de funcionário para empresário – mas também uma profunda adaptação ao contexto africano de negócios. Foi necessário desenvolver novas competências em gestão de risco, negociação em diferentes contextos culturais e construção de relacionamentos locais.

A superação destes obstáculos envolveu um processo contínuo de aprendizagem, resiliência e adaptação.

4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?

Na Costa do Marfim, admiro principalmente a notável capacidade de recuperação e crescimento pós-conflito. O país emergiu de uma guerra civil (2002-2010), para se tornar numa das economias mais dinâmicas da África Ocidental, mantendo um crescimento médio de 7,5% ao ano desde 2013.

Particularmente impressionante é o equilíbrio alcançado entre os diferentes grupos religiosos e étnicos, com uma população dividida igualmente entre cristãos e muçulmanos, mantendo um estado laico funcional. Este modelo de coexistência pacífica e foco no desenvolvimento económico oferece lições valiosas para outras nações.

5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Como fundador de um grupo empresarial, o que mais admiro é a evolução orgânica das nossas empresas e a sua capacidade de adaptação ao mercado local. Particularmente notável é o processo atual de profissionalização da gestão – uma fase crucial que estamos a atravessar.

Este processo de transição de uma gestão empreendedora para uma gestão profissional tem sido uma jornada, principalmente para mim, de aprendizagem fascinante. Demonstra como as organizações, assim como as pessoas, precisam evoluir e de se transformar para crescer de forma sustentável. Este é um aspeto do empreendedorismo que deve merecer mais atenção nos programas académicos e de formação empresarial.

6- QUE RECOMENDAÇOES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESARIOS E GESTORES?

Baseado na minha experiência internacional, recomendaria três pontos fundamentais:

Primeiro, a importância de ver as empresas como organismos vivos em constante evolução. O sucesso sustentável requer uma mentalidade de adaptação contínua e inovação permanente.

Segundo, a necessidade de olhar para mercados emergentes, especialmente em África, com uma perspetiva de longo prazo. As oportunidades são imensas, mas requerem paciência, compreensão profunda do contexto local e capacidade de adaptação.

Terceiro, a importância de desenvolver competências internacionais desde cedo na carreira. O mundo dos negócios é cada vez mais global, e a capacidade de operar em diferentes contextos culturais é fundamental.

7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Além da Costa do Marfim o nosso Grupo opera na região da Africa Ocidental. As oportunidades são imensas, assim como os riscos.

Na África Ocidental, e particularmente na Costa do Marfim, existem oportunidades significativas em diversos setores. O setor agroindustrial apresenta um potencial imenso, especialmente na transformação de cacau, café e castanha de caju, onde as empresas portuguesas podem contribuir com know-how tecnológico e experiência em processamento. O setor de construção civil e infraestruturas está em pleno crescimento, com grandes projetos de desenvolvimento urbano e portuário. As energias renováveis, principalmente solar e biomassa, representam outro setor promissor, dada a política governamental de diversificação da matriz energética. No setor de serviços, há oportunidades na digitalização bancária e nos serviços financeiros, áreas onde Portugal tem experiência comprovada.

8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

As empresas marfinenses têm demonstrado um interesse crescente em diversos setores em Portugal. O turismo e hotelaria são áreas particularmente atrativas, dado o reconhecimento internacional de Portugal neste setor. O setor imobiliário português também desperta interesse, especialmente para investimentos de médio e longo prazo. A indústria agroalimentar portuguesa, com sua forte componente de inovação e qualidade, representa uma oportunidade para parcerias. O setor tecnológico português, principalmente em Lisboa e Porto, tem atraído atenção pela sua dinâmica de inovação e startups. Além disso, o setor vinícola português oferece oportunidades interessantes para importação e distribuição no mercado africano.

9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

A principal vantagem competitiva da Costa do Marfim que poderia inspirar Portugal é sua capacidade de atrair investimento estrangeiro através de políticas económicas pragmáticas e eficientes. O país implementou um sistema de balcão único para criação de empresas que reduz significativamente a burocracia. Além disso, a forma como o país desenvolveu zonas económicas especiais, com incentivos fiscais claros e estrutura dedicada, poderia ser um modelo interessante para Portugal dinamizar regiões menos desenvolvidas. Outro aspeto notável é a política de desenvolvimento agroindustrial, que conseguiu criar cadeias de valor completas em diversos produtos, algo que Portugal poderia replicar em setores estratégicos.

10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Sim, Portugal faz parte do meu plano de vida a médio prazo. Apesar da carreira internacional, mantenho uma forte ligação com o país, que oferece uma qualidade de vida excecional e cada vez mais reconhecida globalmente.

A experiência internacional permitiu-me reconhecer as vantagens competitivas de Portugal: excelente infraestrutura, segurança, saúde, educação e um equilíbrio único entre vida profissional e pessoal. O país está também a emergir como um hub de inovação e empreendedorismo, criando oportunidades interessantes para profissionais com experiência internacional.

Como transmontano, o regresso representa não só um retorno às raízes, mas também a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento económico do país. A posição geográfica de Portugal e as suas relações históricas com África, América e Ásia, combinadas com a minha experiência e rede de contactos, podem criar uma plataforma única para projetos empresariais de alcance global, especialmente na construção de pontes com África e Médio Oriente.