31 de Outubro de 2023

Entrevista a Manuel Macedo: “Somos um país que precisa de continuar a ganhar mundo”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

O percurso que fiz logo que acabei o curso de gestão no ISEG levou-me rapidamente a uma multinacional alemã. Daí o caminho continuou: primeiro, Barcelona, depois um breve regresso a Portugal, mais responsabilidades e, finalmente, a partida ao México, já com outro fôlego e alcance profissionais. Digamos que este foi o roteiro desses primeiros passos. Aconteceu comigo, acontece com mais pessoas que revelem essa vontade e apetite por conhecer novos modos de fazer, outras escalas e novas culturas. Sair de Portugal acabou por converter-se numa escolha natural e sem quaisquer estados de alma. A partir de um certo momento, as melhores oportunidades de crescimento estavam realmente fora do nosso país. Não temos assim tantas empresas globais, a oferta que surge no estrangeiro ganha relevância na cabeça de uma pessoa com menos de 30 anos que pretende construir um percurso sólido e motivante. No meu caso, há ainda outro ingrediente, o facto de ter acompanhado os meus pais em várias expatriações que também eles viveram por razões profissionais acabou por tornar o meu processo de saída como um momento de continuidade e não de interrupção de absolutamente nada. A mudança para Espanha, México, Chile e Brasil, embora não por esta ordem, nunca foi uma escolha difícil que tenha sido obrigado a enfrentar, com a minha família sempre central em todas estas decisões. Nunca encarámos estes convites e oportunidades como passos arriscados de desenraizamento brusco e forçado. Foi exatamente o contrário: sempre soubemos que a ligação a Portugal não desapareceria, ganharia – aliás, ganhou – até contornos que tornam esta relação paradoxalmente próxima. Temos o Atlântico pelos meios, mas às vezes parece que estou em Lisboa.

2- Que vantagem ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Trouxe ambas, mas não foram determinantes. Houve momento, sobretudo até aos meus 20 anos, onde sentia uma espécie de grandiosidade patriótica pelo simples facto de ser português, embora isso, na altura, estou a falar dos anos 80, dificilmente tivesse eco fora do nosso país. Ser português não importava muito, não impressionava: estávamos a entrar para a União Europeia e ainda atravessávamos uma fase de consolidação democrática associada a tremendas dificuldades económicas e financeiras que se expressavam a todos os níveis. O contraste, por exemplo, com Itália, onde eu vivia na altura, era realmente imenso. Um jovem de hoje não faz ideia do abismo que havia entre estes dois mundos. Na altura – e ainda hoje – eu gostaria que Portugal fosse mais reconhecido no mundo e não apenas pela imagem projetada por alguns ilustres portugueses. É um lugar-comum, bem o sei, mas quando vivemos fora acabamos por gostar ainda mais do nosso país, o que nos traz um incentivo extra para a nossa afirmação profissional. Um país que partia em desvantagem e ainda por cima pequeno exigia – exige – a cada um de nós que faça um esforço suplementar. Sublinho que isto não equivale a dizer que sobressaísse uma espécie de sentimento de inferioridade. Nada disso. Até porque nas empresas e no trabalho cada um vale o que vale, vale o que realmente faz.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Na verdade, não enfrentei grandes obstáculos. Como portugueses, rapidamente assimilamos os códigos de comunicação de outras culturas. Somos excelentes na arte de nos adaptarmos – eis outro cliché que posso confirmar. Por outro lado, também não senti que ser português fosse de alguma forma diferenciador, até porque a maioria das pessoas não associa Portugal à nossa história, e esta poderia claramente ser uma âncora. Na verdade, confirmei quase sempre, com honrosas exceções, que há um grande desconhecimento sobre quem somos. Mais facilmente associavam Portugal aos emigrantes na Suíça ou em França. Hoje essa imagem foi substituída pelo futebol. Portugal está mais exposto, gera mais curiosidade e até interesse, mais ainda não projeta valor. Falta darmos esse passo. Temos as universidades, temos as pessoas…, mas digamos que a média é baixa em quase tudo face aos países com quem concorremos. E como nos falta escala interna e capital fica tudo mais espinhoso.

4- O que mais admira no país em que está?

Gosto muito do México e da Cidade do México. Já é a terceira vez que vivemos aqui. É uma grande cidade, uma economia forte e dinâmica, muito competitiva, uma cultura pujante e muito criativa. Na nossa primeira deslocação, éramos jovens com tudo por fazer. Depois, adultos com filhos e, naturalmente, outras preocupações. Hoje, com os filhos já a seguir as suas vidas fora de casa, embora ainda a estudar, e com a experiência que ganhámos, ficou tudo mais fácil e ainda mais interessante. Este é um país onde a cultura está profundamente enraizada nos costumes. A educação é rigorosa há várias gerações, o que, para quem não conhece, pode espantar, e que abre hipóteses infinitas pessoal e profissionalmente. Vivemos em muitos países, temos a certeza de que por tudo isto que referi, o México é mesmo, mesmo único. É um país onde os portugueses se sentem quase em casa, com a vantagem de a economia ter escala e estar ali ao pé dos Estados Unidos, uma poderosa força motriz.

5- O que mais admira na empresa/organização em que está?

O mundo moderno tem encurtado os ciclos de inovação. A tecnologia assumiu um papel de liderança e diferenciação das empresas. O ritmo desta modernização é pautado por um processo contínuo muito exigente que mantém os gestores em alerta permanente e incentiva as empresas a investir e a procurar novos caminhos em permanência. Verdadeiramente, não há tréguas. Admiro, no entanto, as empresas que não apenas dominam a técnica, mas que também têm uma visão para o mundo, isso faz toda a diferença, porque atribui sentido de propósito à ação, robustecendo-a. Sustentabilidade, transformação digital, automação e o futuro da aviação são áreas que a Honeywell lidera e que estão alinhadas precisamente com essa visão e mundividência. É bom ser parte desta equipa e contribuir para a sua definição, evolução e afirmação. Liderar esse esforço na América Latina é uma responsabilidade e um enorme privilégio.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Penso que somos um país que já pode recomendar algumas coisas, mas precisamos de continuar a ganhar mundo. Por outro lado, arriscar e aprender são verbos que têm de entrar rápida e definitivamente no léxico nacional. Sim, é isso mesmo, esta obrigação de nos posicionarmos assim no mundo é, a meu ver, o nosso Cabo da Boa Esperança que, por enquanto, ainda é o Cabo da Tormentas para muitas pessoas e empresas nacionais.

7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

O México atrai cerca de 17% do investimento direto estrangeiro na América Latina. O fenómeno mundial do “nearshoring”, também consequência da pandemia de covid-19, associado à disrupção das cadeias de abastecimento globais, assim como da polarização geoestratégica do conflito EUA-China, têm criado condições para que o México e a América Latina, ao atrair investimento, mudem o paradigma de crescimento económico baseado na mão de obra pouco qualificada. A ideia é assumir um modelo de melhoria da produtividade, automação, transformação industrial, digitalização e, claro, sustentabilidade. Portugal pode contribuir para a aposta na modernização desta região exportando talento qualificado, sempre uma hipótese, embora com impacto no nosso mercado interno.

É por isso que penso que, acima de tudo, devemos valor nas áreas que referi através das nossas empresas mais afoitas e preparadas, mas também através da atração de companhias internacionais com este perfil. É fundamental tirarmos partido da força das nossas universidades, penso que seja a ponte certa. A competitividade de Portugal virá cada vez mais da economia do conhecimento e do valor das soluções empresariais inovadoras, não da afirmação pelo baixo preço. Perdemos tempo demais a pensar e a agir assim que quase nos convencemos que é mesmo uma inevitabilidade, que é a nossa verdadeira natureza estar nos campeonatos de baixo valor acrescentado. Bom, as pessoas que formamos e temos em Portugal e pelo mundo fora demonstram exatamente o contrário.

8- Em que setores de Portugal poderias as empresas do país onde reside querer investir?

O mundo funciona em economia de escala. Como mercado de destino, Portugal tem pouca relevância, não tem massa crítica. No entanto, faz sentido como parte da solução para indústrias que procurem condições pontuais de acesso ao mercado europeu a um custo de produção razoável, num país seguro, que ajude a justificar o propósito da existência das empresas, isto é, a minimizar os custos de transação. Claro, sobre esta vantagem é essencial dar mais um passo: a aposta em tecnologia, em particular, no desenvolvimento de soluções com base na inteligência artificial também pode tornar-se uma vantagem comparativa em Portugal como forma de atrair e desenvolver em empresas que procurem eficiência e produtividade num contexto único.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

O México tem uma fronteira enorme com os EUA e tem 130 milhões de pessoas – está noutro patamar. Para Portugal prosperar trata-se mais de encontrar e desenvolver as suas próprias vantagens e o seu propósito do que replicar um modelo que é diferente em quase tudo. Temos de desenvolver um modelo económico centrado nas soluções, serviços e produtos com margens elevadas, de elevado valor acrescentado e com possibilidade de endogeneizar parte desse valor criado e, assim, distribuir riqueza em Portugal. Temos de criar um círculo virtuoso. Riqueza gera riqueza.

10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?

É muito provável que acabe por voltar a Portugal. É demasiado bom para não voltar, mas não procuro acelerar esse processo. É muito bom ser estrangeiro. Longe da vista e longe do coração, não é? Torna-se possível manter uma certa distância face ao que nos incomoda. Isto tem um grande valor no dia a dia, porque liberta energia. Em Portugal, é mais difícil ganhar esse espaço. Por outro lado, poder ir e vir a Portugal, circular, manter relacionamento e amizades, mante Portugal na equação é importante para manter o equilíbrio e também para dar um sentido de referência aos filhos – essa mesma referência que nos leva, como portugueses, a poder ousar mais como cidadãos do mundo.

Consulte a entrevista original aqui.